Utopia, segundo Paulo Freire, não é o irrealizável. Utopia é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar. O ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante.

Essas estruturas revelam a realidade que gostaríamos já pudesse ser considerada humanizada, mas enquanto não atingirmos esse estágio, contaremos com vocês que compartilham nossos pensamentos e lhes dão significado.

O mês de março abre espaço para abordagens relativas ao “Dia Internacional da Mulher“ e  “Dia Internacional Contra a Discriminação Racial”, 08 e 21 de março, respectivamente. Assim sendo, nada mais oportuno que falar sobre a mulher negra em nosso país.

Segundo o IBGE, 56,6% dos brasileiros se declaram negros (pretos e pardos).  As mulheres negras representam 29%, da população brasileira. Fonte: Agência Senado. 

Mas, a maioria é tratada como minoria…

Não temos motivo, ainda, para comemorar os direitos que estão sendo conquistados pela mulher negra, sub-representada em todas as esferas de poder quer no ambiente público ou privado, pois estamos só no começo de uma trilha de reconhecimento dos direitos que nos são devidos.

Ainda é hora de fortalecer as organizações voltadas às mulheres negras, reforçar laços, trazendo maior visibilidade para as conquistas e reivindicando direitos junto ao poder público.

Mas, o que as organizações privadas têm a ver com essas conquistas?

A responsabilidade por mudar o final da história das desigualdades em nosso país é de todos nós. Precisamos e queremos aliados.

Mulheres negras não são visibilizadas na história, parecem ter surgido agora, misteriosamente.

Como enaltecer a contribuição dessas mulheres, se elas foram apagadas e colocadas inacessíveis ao nosso conhecimento, enquanto a promoção da imagem reforça que: A carne mais barata do mercado continua sendo a carne negra!

Não é, não será mais, com certeza.

Precisamos começar a recontar a história e a resgatar a dignidade desses seres, retirando-os da subalternidade, servidão e reconhecendo o quanto foram mortos em vida.

Trazendo para a nossa história da escravização citarei apenas cinco referências de mulheres entre as muitas que abriram os caminhos para nós, mulheres negras e à sociedade em geral, pagando sempre com sofrimento e a própria vida. Elas estão aqui mencionadas seguindo uma linha do tempo.

1ª) Zacimba – a princesa guerreira

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Nascida na nação de Cambinda – Angola, África (*), foi vendida e escravizada, 1690. Sofreu estupro e tortura, na frente de outros escravizados, para amedrontá-los, a não repetir os atos praticados por ela. Zacimba invadia navios negreiros para libertar os aprisionados enquanto aguardavam a hora do desembarque. Zacimba é considerada a primeira heroína de São Mateus, estado do Espírito Santo e do povo africano da diáspora.

(*)  A África é o terceiro continente mais extenso com cerca de 30 milhões de quilômetros quadrados, cobrindo 20,3% da área total da terra firme do planeta. É o segundo continente mais populoso da Terra com cerca de um bilhão de pessoas, representando cerca de um sétimo da população mundial, e 54 países independentes.

2ª) Dandara dos Palmares

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Dandara foi uma guerreira do período colonial do Brasil. Dominava técnicas da capoeira e lutou ao lado de homens e mulheres nas muitas batalhas em decorrência dos ataques a Palmares (século XVII, Serra da Barriga, Capitania de Pernambuco). Após ser presa se jogou de uma pedreira ao abismo, para não retornar à condição de escravizada.

Não se sabe se Dandara nasceu no Brasil ou no continente africano, mas teria se juntado ainda menina ao grupo de negros que desafiaram o sistema colonial escravista por quase um século. Ela participava também da elaboração das estratégias de resistência do quilombo. Morreu em 06 de fevereiro de 1694.

Zumbi dos Palmares foi seu marido e com ele teve três filhos.

3ª) Nanny a rainha “Mãe da Jamaica”

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Nascida em Gana, 1686, foi vendida e escravizada para trabalhar no cultivo da cana de açúcar. Fundou a “Nanny Town” nas montanhas azuis, leste da Jamaica. Foi morta em ataque de emboscada em 1733. Em 1739, o Governador da Jamaica assinou o tratado pondo fim aos enfrentamentos e Nanny foi declarada heroína nacional em 1976.

4ª ) Maria Remedio Del Valle – A mãe da Pátria Argentina

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Nasceu em Buenos Aires, 1768. Lutou pela independência da Argentina contra a Coroa Espanhola e foi reconhecida como “Capitã”, Heroína de Guerra. Desde 2013, o dia 08 de novembro é comemorado como: Dia Nacional Afro Argentino e da Cultura Africana, em sua homenagem.

5ª) Tereza de Benguela

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Líder quilombola, viveu no século XVIII e foi morta em uma emboscada. Tereza se tornou rainha do quilombo do Quariterê, no Mato Grosso, quando o marido foi morto em invasão dos Bandeirantes, que caçavam a liberdade dos negros além de pedras preciosas.

Tereza era uma líder nata: criou um parlamento local, organizou a produção de armas, a colheita, o plantio de alimentos e chefiou a fabricação de tecidos que eram vendidos nas vilas próximas. Tereza morreu em 1770. O Quilombo foi extinto em 1791. Fonte: Rastros de Resistência. História de luta e liberdade do povo negro.  Alê Santos.

Século XXI

Não podemos comemorar tendo o episódio de escravização da mulher negra, vivido por Madalena Gordiano, mantida dos 8 aos 46 anos em regime de trabalho análogo ao escravo, em Pato de Minas (MG).

Não podemos comemorar tendo episódios de assassinato em emboscadas como a sofrida por Marielle Franco. Temos, sim, que reivindicar direitos.

E, da estrutura humanizante, destacamos a mulher negra, Ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil, 2011/2014, Luiza Bairros. Nascida em 27.03.1953, Porto Alegre, Brasil, morreu em 12.07.2016.

Durante seu mandato tivemos a aprovação:

  • Lei Nº 12.711, 28.08.2012, que: assegurou o ingresso nas Universidades Federais, e nas Instituições Federais de Ensino Técnico de nível médio para estudantes de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita; por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência. Reserva de 50%.
  • Lei 12.990/2014, que regulamentou as cotas públicas no âmbito da Administração Pública Federal e reserva 20% das vagas existentes para negros e pardos.

Sua grande aspiração era que as empresas privadas seguissem essa iniciativa, adotando ações afirmativas.

Se há alguns séculos atrás a equidade à mulher negra era utopia, hoje estamos rumo à outra realidade, com uma massa crítica empoderada, além das ações desenvolvidas pelas empresas (Iniciativa Empresarial Pela igualdade Racial, Coalizão Empresarial Para a Equidade Racial e de Gênero, ESG Racial), o que nos faz estimar que não precisaremos de mais 150 anos para alcançar essa equidade (“Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e suas Ações Afirmativas, Instituto Ethos).

Nosso reconhecimento a essas figuras ilustres que foram aqui mencionadas, representando as mulheres negras (pretas e pardas) : cisgênero, LGBTQIA+, Pessoas com Deficiência, 50+…

Por Jorgete Lemos, sócia fundadora da Jorgete Lemos Pesquisas e Serviços – Consultoria. É uma das Colunistas do RH Pra Você. O conteúdo desta coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.