É com muito respeito à minha ancestralidade que começo esta matéria com a minha apresentação. Jorgete Leite Lemos é uma mulher, preta, carioca, residindo em São Paulo – SP há 41 anos, perennial, filha de pais pretos, neta de avôs portugueses e avós indígena e negra.

Por eles e pelas gerações futuras, tenho dialogado com vocês, entre os quais os profissionais que atuam em Gestão de Pessoas e as Lideranças nas corporações.

Estamos Asfixiados

Toda a sociedade está asfixiada, não somente as pessoas pretas e pardas pois a causa e de todos, todas, todes, é nossa!

A continuarmos no ritmo atual, segundo as projeções realizadas para Equidade Racial no mercado de trabalho no Brasil só acontecerá no Século 22. Mas, temos pressa!

Mulheres negras (pretas e pardas) são o destaque nessa estimativa desalentadoramente real.

“Somos um bilhão de negros na África e 250 milhões no resto do mundo. Desses, 110 milhões estão aqui no Brasil . Temos que mostrar às empresas que somos um número significativo de consumidores e precisamos ter representatividade” – Claudia Silva Jacobs.

Ao que acrescento: mais que o argumento financeiro, comercial, nós da área de Humanização Organizacional precisamos destacar que é o óbvio a ser feito.

E, justamente agora… CEOs querem Diversidade Equidade Inclusão.

Mas…

É importante, é urgente fazer acontecer DE&I, mas muitas vezes queremos, porém não podemos ou podemos, mas não queremos e por aí iria uma trilha de combinações que ao final não nos levaria à realização de algo concreto. Exaustos, poderíamos nos questionar se estamos querendo a coisa certa a ser feita e antes que o desanimo nos vença, convém fazermos algumas indagações:

  • Por que em organizações onde os CEOs/c-levels querem Diversidade, Equidade e Inclusão, genuinamente, mesmo assim, DE&I não se efetivam?

Estamos verificando um número cada vez mais expressivo de adesões às causas da Diversidade Equidade & Inclusão, pelas organizações, representadas por aqueles que detém o – poder de decisão.

Essas adesões vão desde a tomada de consciência pelo conhecimento até a  impulsão vinda de premissas como as ESG – Enviromental, Social e Governance.

Exemplo dessa evolução, o Pacto de Promoção da Equidade Racial, endossado pelo Pacto Global da ONU, a maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo com mais de 16 mil membros em 160 países, que além de endossar, recomendará o protocolo de ações às empresas associadas ao Pacto de Promoção da Equidade Racial. “Entendemos que estamos diante de uma excelente oportunidade para Brasil definitivamente adotar novos caminhos e estabelecer o equilíbrio racial como uma premissa básica”, diz Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU.

Apoio dos investidores e sintonia com o consumidor final são razões mais que suficientes para sensibilizar a alta direção de qualquer organização, com ou sem fins lucrativos, mas sempre chamo atenção para os “cupins” existentes na estrutura organizacional, que silenciosa e anonimamente trabalham desconstruindo o que outros querem e teriam o poder de fazer acontecer.

Quando a alta direção tem uma percepção equivocada das pessoas que compõem a organização

A título de exemplo menciono a experiência vivida em junho de 2020, quando o CEO do LinkedIn, Ryan Roslansky, recém-admitido, realizou uma live com os funcionários para discutir a morte de George Floyd e a desigualdade racial nos Estados Unidos. O que deveria ter sido um momento de reflexão, trouxe à tona uma outra face dos funcionários da empresa, em função de seus comentários feitos anonimamente, que mostraram o despreparo da empresa para lidar com discussões raciais no local de trabalho.

Na live era permitido o comentário anônimo e surgiram questionamentos sobre a política de contratação a partir do pilar da diversidade, manifestações contra a promoção de minorias para cargos de liderança e tentativas de minimizar a brutalidade da polícia na abordagem que resultou na morte de George Floyd.

“CEO se desculpa após o episódio…”

Ao CEO Ryan Roslansky, coube pedir desculpas aos funcionários participantes, por ouvirem , segundo ele, “ comentários apavorantes” que “reforçavam o trabalho duro que ainda teriam que fazer”.  E pediu desculpas, também, por não conseguir rastrear e abordar os “comentários apavorantes” em tempo real.

O que podemos retirar como aprendizado desse episódio?

Em 2019, de acordo com o relatório de diversidade da força de trabalho do LinkedIn, cerca de 48% da sua força de trabalho era composta por brancos, enquanto apenas 4% eram negros. Destes, só 1% estava em cargos de liderança.

Ou seja: o ambiente interno não era propício à abordagem e o fato de permitir o anonimato, se de um lado trouxe “comentários apavorantes”, por outro lado, mostrou quanto a empresa precisaria avançar até poder abordar o tema sem grandes constrangimentos, porque adversidades sempre existirão.

Fontes: The Daily Beast e https://www.infomoney.com.br/carreira/ceo-do-linkedin-se-desculpa-por-comentarios-racistas-de-funcionarios-durante-reuniao/

CEOs tem Poder de Decisão. Querem, Mas…

Racismo Uma Pandemia Cultivada - IMG I

O fazer acontecer dependerá de um ambiente interno forte, inclusivo, com lideranças inclusivas e aí temos a importância da ação estratégica de RH, mas não poderemos nos descuidar da leitura constante do ambiente externo, pois na atualidade este é um mosaico de oportunidades e de muitas ameaças, influenciando a tudo e a todos pelo seu poder estruturante.

Cuidar das questões da DE&I e ter êxito, no âmbito institucional é possível, eu  creio, mas daí ter o ambiente externo e o poder estruturante favoráveis, vai uma distância infinita.

Racismo Uma Pandemia Cultivada - IMG II

Estamos em um contexto no qual posicionamentos como os mencionados a seguir, envergonham , revoltam a uns, e a outros, servem de base para a manutenção do status quo:

  • “Dia da Consciência Negra é data da vitimização”
  • “Sou o terror dos afromimizentos e da negrada vitimista”
  • “Orgulho de cabelo de negros é ridículo”.

Frases proferidas por Sergio Camargo, Presidente da Fundação Palmares.

Sergio Camargo é um exemplo da “Síndrome de Stephen”

Stephen era o mordomo no filme “Django Livre”, que representava a fidelidade extrema a um escravizador, que se divertia em torturar seus cativos.  Stephen se tornou a síntese do negro traidor, subserviente, repulsivo a todos que defendem a dignidade humana. https://www.geledes.org.br/

Racismo A Pandemia Cultivada

Pandemia (surto de uma doença com distribuição geográfica internacional muito alargada e simultânea). Entendendo o racismo como essa doença Pandêmica e aqui em nosso país ela atravessa séculos, para que nada mude no cenário atual e futuro.

Estamos em um contexto no qual convivemos com Impunidade e Injustiça.

Racismo Uma Pandemia Cultivada - IMG III

1) Em 24 de Janeiro de 2022, Moïse Mugenyi Kabamgabe, congolês de 24 anos foi espancado e morto com uma barra de madeira no Rio de Janeiro, por cobrar uma dívida para com ele, do seu antigo local de trabalho.

Moïse chegou ao Brasil em 2011, fugindo da guerra civil no Congo, sendo acolhido pelo Programa de Atendimento a Refugiados da Caritas RJ.

Moïse é a quinta vítima assassinada neste país desde 2019, sendo três no Rio de Janeiro, uma em São Paulo e uma em Brasília.

Embaixada do Congo denuncia assassinatos de congoleses no Brasil e cobra Itamaraty

2) 30 de janeiro de 2022, duas participantes do reality, BBB 22, imitam macaco ao citar colega negra… Eslovênia e Laís, ao serem alertadas que a participante Natália (preta) poderia ter ouvido seus comentários, saem às pressas, simulando os movimentos de um macaco.

3) 02 de fevereiro de 2022. Durval Teófilo, baleado por seu vizinho, o militar da Marinha Aurélio Alves Bezerra , morador do mesmo condomínio, em São Gonçalo – RJ. O crime ocorreu na porta do condomínio. Durval foi alvejado três vezes ao ser confundido com um bandido.

4) Trabalho escravo. Em 2021, auditores-fiscais do trabalho resgataram 1.937 trabalhadores, em todo o país, que eram explorados em condições de “escravidão contemporânea”. Cerca de 80% deles eram negros.

Fonte: Inspeção do Trabalho, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e da Previdência.

Estes fatos demonstram a ausência de vontade de mudar. Racismo é uma doença, pandêmica, para a qual a vacina haverá de ser uma atitude que revele mudança essencial de pensamento e de caráter, coletiva, cujo conteúdo será a reeducação das gerações atuais e a educação, contando a verdadeira história, daqueles que ainda estão por vir. 

RH & Lideranças

Não nos cansamos de ressaltar a importância da ação dos profissionais de RH/Gestão de Pessoas e Lideranças, para que aproveitem a oportunidade única, propiciada pela relação entre as organizações e as pessoas que nelas trabalham, pois mais do que nunca é preciso falar sobre Racismo e é no espaço de trabalho que podemos ensinar e aprender, como verdadeiras Universidades.

Por Jorgete Lemos, sócia fundadora da Jorgete Lemos Pesquisas e Serviços – Consultoria. É uma das Colunistas do RH Pra Você. O conteúdo desta coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.