“Pelo menos cinco pessoas negras foram mortas por dia em ações policiais, em 2021, nos estados monitorados pela Rede de Observatórios em Segurança Pública. O relatório “Pele alvo: a cor que a polícia apaga”, divulgado em 17 de novembro de 2022, foi elaborado a partir de dados das secretarias de segurança e foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Foram 3.290 mortes em operações policiais em 2021 nos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Dessas, 2.154 vítimas (65%) eram negras – utilizando como referência o critério do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que considera negros a soma de pardos e pretos.
Os pesquisadores alertam que esse número é maior porque o Maranhão não registra a cor das vítimas e, nos outros estados, há muita subnotificação, que chega a 69% no Ceará. Fonte.
Se em 2022 morremos (pois aconteceram fatos como esses), em 2023 não morreremos mais (lembrando a letra da música de Belchior – Sujeito de Sorte), pois, cada vez mais, teremos aliados formando redes antirracistas.
Sim, preparemo-nos, amorosamente, para o que poderá vir em decorrência de possíveis mudanças no rumo que até então seguíamos e que nos impunha, entre muitos fatos, ter:
- Um Sérgio Camargo como Presidente da Fundação Palmares. Ele, um exemplo da “Síndrome de Stephen”. Stephen era o mordomo no filme “Django Livre” e representava a fidelidade extrema a um escravizador que se divertia em torturar seus cativos. Stephen se tornou a síntese do negro traidor, subserviente, repulsivo a todos que defendem a dignidade humana.
Sérgio Camargo, um péssimo exemplo usado pelos racistas para justificar o injustificável “racismo reverso”, que sabemos, não existe.
Rumos que nos impuseram assistir ao desmonte de instituições públicas como a SEPPIR – Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial -, um órgão do Poder Executivo do Brasil criado em 21 de março de 2003, com o objetivo de:
- “Promover a igualdade e a proteção de grupos raciais e étnicos afetados por discriminação e demais formas de intolerância, com ênfase na população negra”.
A SEPPIR foi incorporada ao Ministério das Mulheres por meio de medida provisória nº 696 que uniu a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, a Secretaria de Direitos Humanos e a Secretaria de Políticas para as Mulheres (menina veste rosa, menino veste azul, lembram-se?).
Tal medida nos enfraqueceu e estagnou uma trajetória que acenava desenvolvimento de políticas de reparação, comandada pela Ministra-Chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil entre 2011/14, Luiza Bairros, que teve as Leis de Cotas (Nº 12.711, 28.08.2011 e Nº 12.990/2014) aprovadas e implementadas durante o seu mandato.
Mas, o que pode mudar?
1) Ministério Da Igualdade Racial
Este Ministério, recém-criado, será comandado por Anielle Franco, 37 anos, ativista, irmã de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro morta em 2018.
Anielle, que se apresenta como “nascida e criada na favela da Maré”, no Rio de Janeiro, é bacharel em Jornalismo e Inglês pela Universidade Central da Carolina do Norte, nos EUA; Licenciada em Literatura Inglesa pela UERJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); Mestre em Jornalismo e Inglês pela Florida A&M University e em Relações Étnico-Raciais pela Cefet/RJ. Atualmente, faz doutorado em Linguística Aplicada na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Anielle é fundadora e diretora-executiva do Instituto Marielle Franco.
2) Ministério da Cultura
Além do retorno de uma Instituição com o mesmo propósito da SEPPIR, já temos a indicação e futura posse de Margareth Menezes no Ministério da Cultura, o que é um sinal de, no mínimo, coerência:
- Ter uma mulher negra a frente da Cultura neste país. O que isso significa para você?
Margareth Menezes da Purificação nasceu em Salvador (BA) em 13 de outubro de 1962. É cantora, compositora e atriz. Filha de Dona Diva, uma costureira e doceira, que veio da Ilha de Maré, e de Adelício Soares da Purificação, motorista. É a filha mais velha de cinco irmãos.
Margareth conquistou dois troféus Caymmi, dois troféus Imprensa, quatro troféus Dodô e Osmar, além de ser indicada para o GRAMMY Awards e GRAMMY Latino.
3) Ministério dos Diretos Humanos
Silvio Almeida é professor, filósofo e advogado. É considerado um dos maiores especialistas em questões raciais no país. Almeida é doutor pela Universidade de São Paulo, onde concluiu o pós-doutorado. Pela USP é, também, graduado em Filosofia..
Além disso, é pesquisador do programa de pós-doutorado da Faculdade de Economia da USP e professor de graduação e professor do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico do Mackenzie.
É presidente do Instituto Luiz Gama, uma associação civil sem fins lucrativos formada por acadêmicos, juristas e militantes de movimentos sociais que atua na defesa das causas populares, com ênfase em raça, minorias e direitos humanos.
O Ministro, em seu discurso de posse, respondeu e ratificou nossas colocações iniciais nesta matéria quando disse:
“… pessoas em situação de rua, deficientes, idosos, anistiados, vitimas da fome, domésticas, mulheres, LGBT, negros, indígenas e trabalhadores, vocês existem e são valiosos para nós (…) Um país que coloca a vida e dignidade em primeiro lugar.”
E para nós que atuamos em Gestão de Pessoas nas organizações empresariais, o Ministro, em um de seus compromissos, anunciou:
“Estamos criando uma assessoria especial de empresas e direitos humanos. Precisamos dialogar com os que conduzem a economia brasileira.”
4) Ministério dos Povos Indígenas
Sônia Bone de Sousa Silva Santos, conhecida como Sônia Guajajara, 48 anos, é do Povo Guajajara/Tentehar, que habita as matas da Terra Indígena Araribóia, no estado do Maranhão, Brasil. É filha de pais analfabetos e mãe de três filhos.
Graduada em Letras e Enfermagem, fez pós-graduação em Educação Especial e destaca-se por sua luta pelos direitos dos povos originários e pelo meio ambiente.
Em 2022, foi escolhida pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Guajajara foi a primeira deputada federal indígena eleita pelo estado de São Paulo.
Estes Ministros citados não representam, apenas, 57% da população negra e 896.917 indígenas (Censo de 2010 a ser atualizado!), mas o anseio por justiça da totalidade da população que aspira o bem deste País.
E o momento é oportuno porque temos Aliados e a Adesão é cada vez maior
“Eu tenho um sonho: ter as pessoas não negras incomodadas com a desigualdade social imposta às pessoas negras, pretas e pardas, e agindo como antirracistas, genuínos.” Jorgete Lemos
Primeiro vamos conceituar antirracismo:
- É uma forma de ação contra o ódio, preconceito racial, racismo sistêmico e a opressão estrutural de grupos marginalizados racialmente e etnicamente.
- Antirracismo é geralmente estruturado em torno de esforços conscientes e ações deliberadas para fornecer oportunidades equitativas para todas as pessoas em um nível individual e sistêmico.
Ser antirracista é engajar-se, reconhecendo privilégios pessoais, enfrentando atos e sistemas de discriminação racial e/ou trabalhando para mudar preconceitos raciais pessoais.
O antirracista genuíno
- Ao reconhecer seus privilégios, não se sente culpado porque substitui a vergonha da culpa pela ação responsável.
- Reconhece que não sabe tudo o que deveria saber, da forma verdadeira e mereceria saber (que história nos contaram?).
- Não se oculta sob o manto cômodo do “não é comigo…”
- Reconhece que a questão é de todos, todas, todes.
- É engajado. Assume práticas pautadas na equidade (adaptação da regra existente às situações específicas, observando-se os critérios de justiça com o uso de ferramentas customizadas que identificam e corrigem as desigualdades); são soluções customizadas, considerando as peculiaridades inerentes aqueles tidos como minorizados.
- Pratica a empatia, construção intelectual, resultado de um processo de aprendizagem e observância ao tempo e espaço geográfico, que vai orientar a nossa prática e, respeito.
- Mantém autovigilância constante às formas de comunicação, à Injúria racial , às “brincadeiras sem querer…”, o gestual; o olhar enviesado…
Comportamento antirracista
É anunciar a estrutura humanizante e denunciar a estrutura desumanizante, como disse Paulo Freire sobre a utopia.
1ª Seleção afirmativa
Fato apresentado em podcast da Escola do Caos, denominado Caos Corporativo, abordando situações de Racismo – https://youtu.be/E1L4BPUS80o.
“Uma profissional de RH, recrutadora, reprovou uma candidata informando à mesma que “pela foto, você não parece ser negra ”
Observem que a “recrutadora” não disse que a candidata não era negra e sim, que parecia… Não parecer, não é não ser. Assim sendo, não teria base para eliminar a candidata.
A “recrutadora” continuou a falar para a candidata: “você, colocando efeito na foto, está demonstrando que o preconceito está dentro de você, tentando, iconscientemente, não demonstrar a sua cor.”
Pergunto: como a recrutadora pode afirmar que a candidata colocou efeito na foto? Ela viu? Periciou? A recrutadora está afirmando algo sem fundamentação.
E quem já havia falado em preconceito? Como então a recrutadora afirma que o preconceito está dentro da candidata?
Ao chamar a candidata de preconceituosa a recrutadora está praticando uma Injúria atribuindo-lhe palavras negativas.
Como agir de forma Antirracista?
- Orientando a agredida. Casos como este precisam ser endereçados ao Ministério Público do Trabalho do Estado da ocorrência.
- Ensinando a agressora. Auxiliando-a a reconhecer e tratar seus vieses inconscientes.
Como agir de forma Antirracista?
Empresas nesse estágio precisam, e muito, de acolhimento. Sim, são representadas por pessoas que ainda não tiveram a oportunidade de conhecer e identificar-se com a verdadeira história das coisas da Diversidade Equidade e Inclusão Racial. Precisam, urgentemente, terem ensinamento sobre Letramento Racial.
Precisamos trazê-las para o grupo de aliados formando redes antirracistas, genuínas.
Concordam? Conto com vocês.
Por Jorgete Lemos, sócia fundadora da Jorgete Lemos Pesquisas e Serviços – Consultoria. É uma das Colunistas do RH Pra Você. O conteúdo desta coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.