Em 2010 foi publicado o Estatuto da igualdade racial, que protege toda e qualquer etnia e raça de atos discriminatórios.

Etnia é definida como “Grupo de indivíduos que partilham a mesma origem, cultura e história, se diferenciando dos demais por suas especificidades (cultura, religião, língua, modos de agir etc.)”[1] Já a raça, conceito que está em desuso na ciência, é definida como: “Divisão tradicional de indivíduos cujos caracteres físicos biológicos são constantes e hereditários”[2]

No entanto, apesar de ser um conceito que cai cada vez mais em desuso, em favor do conceito da “etnia“ ainda é utilizado, inclusive na legislação.

O e-social[3] possui campo para tal informação, mas até abril de 2023 tal campo permitia a inserção de escolha para não divulgar a “raça” do empregado.

Essa falta de escolha e obrigação legal na declaração racial e étnica nasce de uma obrigação legal nova e já vigente.

Em 20 de abril de 2023 foi publicada a Lei 14.553/23 incluindo os parágrafos 8º e 9º, no artigo 39, atribuindo aos empregadores a obrigação de prestar informações étnico-racial nos formulários governamentais.

Portanto, esses formulários devem sofrer alterações para que tais informações sejam inseridas.

A ideia da lei é munir os órgãos governamentais de dados para medição e promoção de igualdade, voltados para a população negra. Portanto todos deverão declarar suas raças e etnias (quando houver tal campo), mas a proteção é só para a população negra[4]. O que levaria à interpretação de ausência de interesse dos empregados e do governo de obter os demais dados, mas isso é outra questão a ser analisada com maior profundidade.

A lei exige a indicação de qualquer raça ou etnia, mas no e-social, não há campo, ainda, para etnia, a não ser “indígena”[5], apenas raça, e, portanto, os campos devem sofrer alteração, pois como vimos etnia e raça não possuem o mesmo conceito.

Apesar de requerer tais indicações, o intuito da lei é a promoção de igualdade da raça negra, e não das demais raças ou etnias.

O critério utilizado pela lei para determinação da raça ou etnia, é a de autoclassificação, cabendo ao empregado contratado a sua declaração.

A lei indica que as informações virão em vários formulários e indica “formulários de admissão e demissão no emprego”, assim, a informação não deve ser pedida quando da candidatura, mas apenas após efetiva contratação da pessoa.

Para os empregados atuais, que não autodeclaram sua raça e etnia, a empresa deverá efetuar um recenseamento, com o cuidado no tratamento desses dados, uma vez que são dados sensíveis, pela LGPD[6].

Atenção: Não há escolha da pessoa em não declarar sua raça ou etnia a sua empregadora, pois é obrigação legal imposta a ela e à empregadora, por lei. Se a pessoa não concordar, ela deverá buscar seus direitos no Judiciário, para obter autorização para a não declaração.

Aprendizes ou empregados menores de idade devem firmar em conjunto com seus responsáveis.

A lei indica ainda outros documentos em que a declaração deverá ser inserida:

  1. Comunicado de acidente do trabalho – CAT;
  2. Comunicado ao SINE (Sistema Nacional de Emprego)
  3. RAIS- não existe mais para empresas privadas, portanto, mantém-se somente o e-social;
  4. Documentos de inserção na previdência social e outros que formem exigidos.

Assim, a empresa deverá, desde já:

  1. Comunicar aos empregados o porquê de tal recenseamento, tratando-se de obrigação regulatória e legal; (art. 11 LGPD)
  2. Colher tais informações em um ambiente seguro, sem riscos de vazamento;
  3. O documento de colheita dessas informações deve conter uma declaração do empregado, assinada por ele, da veracidade das informações prestadas pelo empregado sob as penas da lei, evitando a responsabilização da empresa no futuro sobre informações incorretas;
  4. As informações colhidas só podem ser usadas para os fins legais, portanto, não devem ser usadas em estatísticas internas ou outras políticas internas, sob pena de mau uso;

Assim, mais uma tarefa aos RHs e ao pessoal de processamento de dados de desenvolver rapidamente e com todos os cuidados de tratamento de um dado sensível:

  1. um formulário de autoclassificação racial e étnica para que todos os empregados atuais o preencham;
  2. Formatação de formulários de admissão com tal declaração nele inserida;
  3. Inserção dos dados no e-social e em outros formulários quando houver tal campo.

A obrigação é controversa, pois tira a liberdade do empregado em não declarar sua raça, mas a empresa não pode se recusar a informar o dado e não pode inserir sem uma autoclassificação formal do empregado, que deve preencher a declaração com verdade, pois senão estará sujeito às penas da lei por falsidade ideológica, sem prejuízo de punição funcional.

 

[1] “etnia”  in dicio.com.br – https://www.dicio.com.br/etnia/ – (2023)

[2] “raça”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/ra%C3%A7a [consultado em 14-05-2023].

[3] Nos seguintes eventos:

S-2200 – Cadastramento Inicial do Vínculo e Admissão/Ingresso de Trabalhador;

S-2205 – Alteração de Dados Cadastrais do Trabalhador;

S-2300 – Trabalhador Sem Vínculo de Emprego/Estatutário – Início;

S-2400 – Cadastro de Beneficiário – Entes Públicos – Início;

S-2405 – Cadastro de Beneficiário – Entes Públicos – Alteração.

Sendo que as opções no campo são as seguintes: 1 – Branca; 2 – Preta; 3 – Parda; 4 – Amarela; 5 – Indígena; 6 – Não informado

[4] Estatuto de igualdade racial: Art. 39.  O poder público promoverá ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para a população negra, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas.

[5] Que a rigor não é raça nem etnia única, vide: https://pib.socioambiental.org/pt/Quadro_Geral_dos_Povos 

[6] Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se:

II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;

Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.