No próximo domingo (10), será comemorado o Dia Mundial da Saúde Mental. Nos últimos meses, especialmente por conta da pandemia, diversas empresas adotaram benefícios e iniciativas para acompanhar e cuidar do emocional dos colaboradores. Mas será que a saúde mental já é, de fato, um assunto que engaja os gestores ou uma consequência do atual cenário de Covid-19 que não tende a continuar em alta?
De acordo com uma pesquisa realizada pela Ticket com mais de 350 representantes de empresas, 71% das organizações estão em escala 100% presencial ou adotaram o trabalho híbrido, porém quase 80% não realizaram nenhum mapeamento interno de saúde desde que a pandemia teve início.
O estudo mostra também que 62% das companhias não adotaram ou não planejam implantar iniciativas voltadas à descompressão e ao engajamento dos funcionários no momento da retomada do trabalho presencial. Entre as que planejam ações nesse sentido, 16% devem disponibilizar espaços e programas de relaxamento; 7% oferecerão atendimento com psicólogo de forma presencial; 8% terão jornada flexível para mães e pais; e 0,7% pretendem oferecer o auxílio Pet para a estadia dos animais de estimação em creches ou hotéis.
“Os dados mostram que, apesar de retornarem ao trabalho presencial ou híbrido, grande parte das empresas não mapeou a saúde de seus colaboradores e não prevê iniciativas voltadas à saúde mental. Um dos principais desafios das empresas será a readaptação dos empregados à rotina do trabalho presencial, após um longo período de trabalho remoto. Alguns ajustes podem ser necessários, como readequação de horários e da jornada de trabalho, tendo em vista que o corte de vínculos que as pessoas fortaleceram durante mais de um ano na presença constante da família e de animais de estimação, pode ser difícil. O apoio emocional será fundamental para que o retorno não afete a produtividade dos profissionais”, comenta José Ricardo Amaro, Diretor de Recursos Humanos da Ticket.
Os números não dão brecha para a saúde mental ser ignorada
Segundo país com mais casos de Burnout (esgotamento profissional), líder mundial de ansiedade e segunda nação do continente americano com mais casos de depressão. São estes, segundo a ISMA-BR, uma associação que estuda os efeitos do estresse, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) os números do Brasil nos rankings de doenças e transtornos emocionais.
A especialista em desenvolvimento humano, cultura e coach executiva Caroline Marcon, destaca que a saúde mental é e deve ser fator de preocupação para as grandes empresas, pois, além de causar danos à integridade física e psicológica dos empregados, influencia na produtividade, na motivação, no senso de pertencimento e na organização, o que por consequência afeta o desempenho financeiro das empresas. Caroline nos recorda a definição de saúde mental da OMS para embasar sua afirmação. “Saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza suas habilidades, consegue lidar com o estresse normal da vida, trabalhar de forma produtiva e contribuir com a comunidade da qual faz parte”, diz o órgão.
Não à toa, de acordo com estudo liderado pela própria OMS, a estimativa é de que na atualidade transtornos de saúde mental representem perdas de US$ 1 trilhão por ano para a economia global. Sendo a perspectiva futura bastante desastrosa: de acordo com a organização, até 2030, a depressão será a maior causa de perda de produtividade em todos os países economicamente desenvolvidos.
“Quando avaliamos outra pesquisa que a Ticket realizou em julho deste ano, com mais de 1.500 trabalhadores, 36% deles disseram que se sentiam desmotivados; e 30% avaliaram de forma negativa a própria saúde mental em relação ao trabalho. Neste contexto, as iniciativas de apoio emocional se mostram ainda mais necessárias”, salienta Amaro.
Sobre o investimento em programas permanentes de saúde mental, o levantamento da Ticket mostrou que 65% dos colaboradores não têm acesso a qualquer iniciativa dessa natureza. Entre os que possuem acesso, 19% o fazem por meio de plano ou auxílio saúde, e apenas 9% possuem suporte por telefone ou online oferecido pela empresa. Já quando o tema são os momentos de descompressão estimulados pela companhia, 72% disseram não contar com práticas nesse sentido. Já referente ao cenário de afastamentos por questões de saúde mental, 16% das empresas revelaram que esse número aumentou durante a pandemia.
Caroline explica que o transtorno mental interfere no desempenho dos funcionários e na saúde financeira de uma empresa de diversos modos. Os mais comuns são:
– Sensação de perda de controle: quando não se consegue gerenciar corretamente pensamentos e emoções, perde-se a perspectiva de longo prazo. Sem conseguir planejar com clareza o próximo passo, fica-se propenso a consumir por impulso, ou seja, a gastar o que a empresa não necessita;
– Tendência em evitar problemas: quando a pessoa não se sente bem emocionalmente, evita a todo custo lidar com assuntos difíceis que podem piorar a situação. Ao optar pela inação por não conseguir pensar com clareza pode-se prejudicar a corporação;
– Perda de autoestima: a baixa autoestima faz com que o profissional aceite acordos que não são favoráveis, seja para “comprar” paz e aceitação ou por faltar energia para lutar por condições “ganha-ganha”.
Questão tão importante e que causa tantos prejuízos em âmbito pessoal e profissional o transtorno mental muitas vezes é de difícil diagnóstico por parte das organizações. “Como se trata de um assunto tabu, costuma ser escondido, transformando-se em pandemia silenciosa”, pontua a consultora organizacional.
Para ela, os estigmas mais comuns associados à saúde mental, que são responsáveis por esconder os problemas e aumentar o sofrimento de quem os experimenta, são: problemas mentais são considerados sinal de fraqueza; assumir um problema de saúde mental prejudica a carreira, porque a pessoa torna-se não confiável pela liderança; não há tratamento eficaz para problemas mentais.
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Pandemia impacta a saúde mental e causa alerta
Muitos fatores contribuem para que as pessoas desenvolvam transtornos psiquiátricos. Fatores estruturantes, como pobreza e desemprego, e ambientais, como estilo de vida em grandes cidades, são alguns deles. Nos últimos anos, porém, a pandemia veio somar-se à lista de motivações que geram problemas de ordem mental. Em 2021, uma pesquisa realizada pela empresa de consultoria empresarial norte-americana McKinsey mensurou o impacto da pandemia na saúde mental de trabalhadores corporativos do mundo todo.
Um dos aspectos investigados pelo levantamento realizado com 1100 executivos e 2656 colaboradores de 11 países foi a capacidade das empresas em melhorar as condições de trabalho de seus funcionários durante a pandemia. De acordo com Caroline, o que se depreende da pesquisa é que de maneira geral as empresas estão conscientes da situação, adaptando-se de forma rápida para oferecer mais segurança e flexibilidade a seus funcionários.
Por exemplo, conforme o levantamento, 96% dos pesquisados perceberam mudanças nas políticas de RH neste período, como auxílio para trabalho remoto, períodos de licença não remunerada, jornadas de trabalho mais curtas e benefícios de saúde extensíveis a familiares. Contudo, segundo a especialista em desenvolvimento humano, analisando a pesquisa, há ainda muito o que melhorar, isto porque apenas um em cada seis respondentes disse sentir-se apoiado adequadamente pelas empresas.
Um dos fatores de maior preocupação para estas pessoas é a saúde mental. A pesquisa constatou que 62% dos entrevistados consideram esse o principal desafio em tempos de pandemia. Se for levado em consideração apenas as mulheres, este número é ainda maior: 67% das respondentes afirmaram que a saúde mental deve estar no topo da lista de prioridades.
Além disso, outras preocupações associadas à saúde mental também foram destacadas pelos respondentes como fator de preocupação na pandemia, entre as quais: sentimento de desconexão com o trabalho e colegas; falta de oportunidades de desenvolvimento; preocupação com as condições de saúde e segurança no trabalho presencial; e dificuldade de conciliar a criação de filhos pequenos com o trabalho remoto.
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O que as empresas devem fazer?
Antes da pandemia, já se falava muito sobre a saúde mental e situações que desencadeiam a depressão e a síndrome de burnout. Mesmo assim, existe uma certa dificuldade para identificar os primeiros sinais e sintomas mesmo com o profissional presencial, agora com parte da equipe remota, acaba dificultando ainda mais esse processo.
Rebeca Toyama, especialista em estratégia de carreira e fundadora da ACI, que tem como missão desenvolver competências dentro e fora das organizações para um futuro sustentável, revela que os sintomas podem ser identificados com uma observação do comportamento da pessoa em seu dia a dia, assim como em suas ações. “Observar se o colaborador está se afastando das pessoas de sua convivência, se houve diminuição na produtividade, redução do autocuidado e faltas frequentes, são alertas importantes para se analisar”, afirma.
As dificuldades ainda podem fazer com que muitas empresas deixem de lado sua responsabilidade social e optem pela demissão do colaborador, caminho que pode ser extremamente negativo à reputação e à marca empregadora. Outras, em contrapartida, vêm investindo em programas de prevenção de doenças mentais que identificam e acolhem os colaboradores que apresentem algum sinal de transtorno mental, como por exemplo: stress, dificuldade de concentração, falta de motivação, ansiedade e tristeza.
“Uma empresa consciente precisa fazer sua parte investindo em programas de prevenção de doenças mentais e/ou programas de bem-estar. O papel dos líderes neste momento também é essencial! Acolher e apoiar o colaborador de forma humana, mostrando o quão é importante seu trabalho para equipe, além de ajudar o núcleo entender esse momento sem perder o foco e a motivação”, finaliza, Rebeca Toyama.
Para auxiliar gestores e empresas, a especialista aponta cinco dicas:
- Cuidado com a psicofobia: Crie espaços para que as pessoas possam falar sobre o tema de forma segura e respeitosa;
- Prepare os gestores para lidar com o tema: A maioria das graduações e pós-graduações não ensinam lidar com esse desafio;
- Programas de prevenção de doenças mentais e promoção de bem-estar devem ser encarados como investimento;
- Destacar um profissional do RH, preferencialmente um psicólogo, para ser um ponto de acolhimento e escuta.
- Inserir na comunicação interna pautas relacionadas ao tema com o intuito de desmistificar assuntos como: suicídio, depressão problemas com álcool de drogas, burnout e luto.
Para saber mais
Citada ao longo da matéria, a Síndrome de Burnout é uma das principais consequências de ambientes tóxicos e situações estressantes de trabalho. Um estudo lançado pela Microsoft revelou que, durante a pandemia, os brasileiros foram quem mais se sentiram impactados pelo problema. No contexto geral, somente o Japão apresenta números piores em relação à doença.
Para entender um pouco mais sobre a síndrome e suas consequências tanto para os profissionais quanto às organizações, Daniel Consani, CEO do Grupo TopRH, conversou com Renata Tavolaro, Head de Psicologia da OrienteMe, plataforma de terapia online voltada para o mercado corporativo, Alexandre Ullmann, diretor de RH no LinkedIn e Marina Tavares, gerente de Saúde & Bem-Estar da GSK. Confira no player abaixo ou por aqui.
Por Bruno Piai