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Na semana de 23 a 30 de agosto, os escritórios da Nike no Estado de Oregon, nos Estados Unidos, estiveram fechados. Matt Marrazzo, um dos gestores da empresa, foi ao LinkedIn para dizer que “todos os nossos líderes seniores enviam uma mensagem clara: reserve um tempo para relaxar, desestressar e ter um tempo ao lado de seus entes queridos”. O executivo comentou, ainda, que espera que a empatia que as lideranças mostram pelas equipes gere um impacto positivo à cultura da empresa.
A iniciativa em prol da saúde mental dos colaboradores teve como principal motivação evitar o burnout (esgotamento) dos funcionários – especialmente por conta de tudo que se viveu e ainda se vive na pandemia da Covid-19 – e foi justificada pelo gestor como “reconhecimento à priorização da saúde emocional” e não como folga.
Os números preocupam
Dentro da realidade brasileira, ações como a da Nike podem ser uma boa ideia se considerarmos os números que dizem respeito à saúde mental da população. Segundo a ISMA-BR (Associação Internacional do Gerenciamento de Estresse no Brasil, em tradução livre), o país é o segundo do mundo (32% dos profissionais afetados) com mais casos de Síndrome de Burnout, atrás apenas do Japão.
Além do esgotamento profissional, a depressão e a ansiedade apresentam números preocupantes no Brasil. Segundo a OMS, 11,5 milhões de pessoas sofrem com a depressão no país. A condição, de acordo com a entidade, deve ser a mais comum em território brasileiro até 2030. Já a ansiedade é, por aqui, um problema de 19 milhões de pessoas, o que torna o Brasil o país ‘mais ansioso do mundo’.
Diante dos números e também do estigma que ainda existe em relação às doenças e aos transtornos mentais, muitas empresas se movimentam a favor de ações de cuidado e acolhimento, demonstrando legítima preocupação com a saúde mental de seus funcionários. Ainda assim, há o outro lado da moeda que mostra que em muitos negócios o tema é tabu e os colaboradores não se sentem à vontade para demonstrar qualquer vulnerabilidade ou falar sobre o seu emocional. Em alguns casos existe, inclusive, a psicofobia, que é o preconceito contra doenças e transtornos mentais.
Direitos do colaborador
Independentemente de quais sejam as crenças e ações, o colaborador que sofre com alguma enfermidade psicossomática tem direitos que devem ser respeitados. Para falar sobre eles, o RH Pra Você entrevistou o advogado trabalhista Felipe Meireles. Confira:
RH Pra Você: O burnout é uma síndrome muito característica do ambiente de trabalho, afinal, a própria tradução que adotamos é “esgotamento profissional”. Que cuidados as empresas devem ter para precaver a enfermidade e quais os direitos do trabalhador que a tem?
Meireles: A síndrome de Burnout é caracterizada pelo índice extremo de estresse em relação ao trabalho. Muitas vezes ela é desenvolvida por conta de um momento de fragilidade emocional do colaborador por estar cansado ou infeliz com seu trabalho. Mas há também os casos em que ambientes abusivos e/ou preconceituosos, excesso de trabalho ou situações criadas pelo próprio empregador levam um colaborador a desenvolver problemas emocionais.
O fato é que o burnout é caracterizado como um transtorno que justifica afastamento por conta da incapacidade do profissional em realizar suas atividades de forma saudável. A OMS incluiu a síndrome na sua Classificação Internacional de Doenças, o que vai entrar em vigor (CID-11) a partir de janeiro do ano que vem.
Uma vez diagnosticado com a síndrome, é necessário laudo médico do INSS que ateste a necessidade do afastamento. Como no caso de outras condições de saúde, o salário é pago normalmente após 15 dias e o auxílio-doença do órgão entra em vigor após o 16º dia de afastamento, caso necessário. Por ser uma doença ocupacional, na maioria das situações é tratada como acidente de trabalho. Quando isso ocorre, a partir da data de retorno à rotina profissional o colaborador tem estabilidade de um ano.
Quanto aos cuidados, é de responsabilidade do empregador criar um ambiente de trabalho que promova bem-estar. A regra vale para o home office. O fato do colaborador estar em casa não é razão para que as empresas deixem de lado sua saúde ocupacional e mental. Na pandemia, por exemplo, muitos colaboradores trabalham fora de seu horário de trabalho e estendem suas jornadas sem receber o pagamento das horas extras ou o banco de horas. São situações que podem aumentar a incidência de burnout e as quais o empregador será responsabilizado.
RH Pra Você: Os mesmos critérios valem para casos de depressão?
Meireles: Em critérios gerais, sim. Um cenário de depressão justifica o afastamento do trabalho sob as mesmas circunstâncias do burnout – 15 primeiros dias afastados e o colaborador recebe normalmente seu salário pago pelo empregador – 16º em diante é responsabilidade do INSS pagar o auxílio-doença.
A depressão, porém, tem uma particularidade. Se ela for considerada crônica e representar um cenário no qual não existe um quadro de melhora, há a possibilidade de ocorrer a aposentadoria por invalidez. Contudo, fica a ressalva de que não é uma decisão habitual e é válida para casos realmente mais intensos da doença.
RH Pra Você: Há ainda o estigma sobre doenças e transtornos mentais no ambiente de trabalho. São colaboradores muitas vezes taxados como não resilientes e que se sentem intimidados a falar sobre o problema por medo de demissão. Um transtorno mental justifica um desligamento?
Meireles: Não, uma pessoa não pode ser demitida em decorrência de um problema de saúde emocional. Infelizmente, é verdade que o tema saúde mental ainda não é compreendido em muitas organizações, mas aqui o fator crença não justifica nenhuma tomada de decisão. Se você demitir um profissional sob a justificativa dele ter tido ou ainda ter alguma doença psicológica, isso é caracterizado ato discriminatório.
É muito importante que dentro das empresas haja comunicação para que o empregado se sinta na liberdade de expor um problema emocional a seus líderes. Caso sofra algum tipo de represália, preconceito ou dispensa por conta disso, ele deve procurar a Justiça do Trabalho.
RH Pra Você: Em muitas entrevistas o famoso “sou uma pessoa ansiosa” marca presença. A ansiedade é, de certa forma, naturalizada e não à toa que o Brasil é o líder mundial de casos. O quanto essa ‘naturalização’ é perigosa e quais são os direitos de quem tem ansiedade?
Meireles: É extremamente importante destacar essa colocação. Ansiedade é a famosa resposta para ‘qual seu maior defeito?’, mas os recrutadores devem se atentar a isso. Ansiedade é uma doença séria que, por si só, já pode propiciar graves problemas à produtividade e ao emocional do colaborador. Não é um ‘defeito’. Além disso, a ansiedade e as crises podem desencadear outras doenças tão ou mais graves quanto e cujos sintomas podem ser não só mentais, mas também físicos.
A ansiedade é considerada uma doença [a síndrome da ansiedade generalizada está classificada no CID – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde – em F41. 1 e é caracterizado como “Outros transtornos ansiosos”] e, assim como as anteriormente citadas, pode justificar um afastamento do trabalho, estabilidade (se caracterizado acidente de trabalho) e os mesmos critérios de pagamento. Tudo vai depender do laudo médico.
RH Pra Você: Campanhas como o Setembro Amarelo, na sua percepção, tem efetividade para conscientizar não só sobre o suicídio, que é o principal foco da campanha, mas sobre doenças emocionais em geral?
Meireles: Não tenho dúvidas disso. É muito necessário que as empresas levantem as bandeiras dos problemas emocionais. Não há brecha para ignorar a saúde mental, para acreditar que isso é ‘frescura’ ou algo do tipo e tampouco para crer que o problema se resume ao colaborador e não à gestão, ao RH ou ao ambiente de trabalho. A negligência em relação à saúde mental do empregado pode levar a empresa a ser punida. Campanhas como o Setembro Amarelo combatem estigmas, preconceitos e devem ter protagonismo durante todo o ano.
Por Bruno Piai