Para muitas mulheres, carreira e maternidade são opostos que não se encontram. Embora o público feminino represente a maioria da população economicamente ativa do Brasil (54,5%), aquelas que optam por ser mãe se veem diante do desafio de enfrentar a discriminação profissional.

Em 2017, uma pesquisa divulgada pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), intitulada “Licença-maternidade e suas consequências no mercado de trabalho do Brasil”, feita com 247 mil mulheres, mostrou que metade delas perderam seus empregos após a gravidez. O estudo também constatou que as trabalhadoras que gozam de licença-maternidade são demitidas em até 24 meses após o nascimento da criança. Já um outro levantamento, este realizado pelo InfoJobs, revela que 51% das mulheres já sofreram algum tipo de preconceito dentro do ambiente corporativo.

Licença-maternidade e demissão: o que diz a Lei?

A licença-maternidade é um direito conquistado pelas mulheres. As profissionais que atuam com carteira assinada tem estabilidade desde o momento em que há a confirmação da gravidez. Neste caso, elas não podem ser demitidas sem justa causa e mesmo um desligamento por justa causa precisa de comprovação (como no caso de faltas não justificadas, por exemplo).

O início da licença pode ser solicitado em até 28 dias antes do parto e dura por, pelo menos, 120 dias. Ao retornar, a colaboradora ainda tem um mês de estabilidade, o que totaliza um período de cinco meses mais o período gestacional sem que a profissional seja desligada.

É importante destacar, também, que durante a gestação a mulher tem direito a seis saídas – padrão que pode mudar dependendo da categoria, portanto é sempre bom se informar com o sindicato – para consultas médicas. O que muitos gestores não sabem também é que elas devem ser liberadas também quando existir a necessidade de realizar exames extras. O RH pode solicitar atestados médicos.

O caso de desligamento da empresa por desejo da mulher também consiste de algumas particularidades. Ao contrário do padrão, que é o simples acordo entre empregada e empregador, os pedidos de demissão durante a licença-maternidade devem conter assistência sindical ou de autoridade do Ministério do Trabalho ou da Justiça do Trabalho.

Nos casos de nascimento de bebês prematuros, a licença pode se estender. Em abril de 2020, trabalhadoras em regime CLT que tiveram bebês prematuros celebraram decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que ampliou o prazo de licença-maternidade para estes casos, de acordo com o tempo de internação da criança. Porém, tem sido crescente o número de casos de demissão de mulheres logo após o fim desse período, sobretudo nos casos em que ocorre o benefício estendido.

Maternidade: realização e preocupação

Kellin Lemos Feitoza, 30 anos, de Curitiba (PR), passou pela situação de ser demitida pouco tempo após o término da licença-maternidade em dezembro de 2020. Mãe de um prematuro extremo (nascido com 25 semanas e dois dias), trabalhava com carteira assinada e, logo após o período de experiência, descobriu que estava grávida. Assim que findou a licença-maternidade, a empresa pediu que ela voltasse a trabalhar, mesmo com o filho estando internado. “Eu não podia sair de perto dele e mesmo com os atestados dos médicos, a empresa alegava que eu tinha que voltar. Na Justiça, ganhei 44 dias a mais da licença”, fala.

Ela conta que os empregadores fizeram de tudo para que ela pedisse um acordo, pois o filho já estava em casa. No entanto, a criança ainda necessitava de muitos cuidados, incluindo o uso de oxigênio 24 horas por dia. A empresa informou que todas as faltas seriam descontadas e, pouco depois, veio a demissão. “Me senti devastada. Meu primeiro e único filho, não sabia o que fazer, não queria perder meu emprego, mas a empresa não entendia o meu lado”, lamenta.

Já a operadora de caixa Patrícia viveu situação semelhante. Há dois anos trabalhando na loja de conveniência de uma distribuidora de combustível, a jovem de 25 anos revelou que, ao anunciar para o RH que estava grávida, foi duramente questionada.

“Eu tinha 22 anos e a gravidez foi planejada, pois meu marido e eu estávamos estabilizados. Deixei o RH ciente logo no dia seguinte da confirmação que seria mãe. Perguntaram onde eu estava com a cabeça, disseram que eu estava jogando meu trabalho no lixo. E não deu outra, assim que voltei da licença-maternidade me chamaram para conversar e me desligaram.”

O que, para ela, parecia ser uma exceção, na verdade se mostra um padrão. Atuando em uma outra empresa desde abril deste ano, a operadora de caixa pediu para não ter o seu sobrenome revelado e, antes de ser questionada sobre o porquê, logo se justificou enquanto ainda marcávamos a conversa para esta matéria.

“Teria como não incluir o meu sobrenome ou mudar o meu nome para o texto? Onde trabalho hoje é feito a mesma coisa. Quem engravidar está na rua. E se eu falar qualquer coisa sobre, vou para a rua também. O mercado de trabalho é cruel. A sociedade exige que a mulher seja mãe, mas o mercado não consegue suportar. Você tem que casar, ter filhos, ser recatada para agradar as convenções sociais. E para agradar as empresas você também tem que ter quase todos estes critérios, com exceção de ser mãe. Por sorte, tenho o apoio do meu marido para não baixar a cabeça, porque desanima”, desabafa.

Com o cenário da pandemia, além de tudo as mães ainda precisaram – e seguem precisando – buscar força para fortalecer sua saúde mental. Além da preocupação em manter seus empregos, a missão de cuidar das crianças ficou para elas. 

Uma pesquisa realizada pela Catho mostra que, durante o período de isolamento social e fechamento das instituições de ensino, 92% das profissionais em trabalho remoto precisaram encarar o ritmo de uma jornada dupla, já que era delas a responsabilidade de acompanhar as aulas com as crianças e assumir os cuidados gerais. Das mães que trabalham fora, ainda segundo o levantamento, 69% deixam seus filhos com outras pessoas, 19% com os pais e 12% em uma escola ou creche. Enquanto os pais que trabalham fora, 36% deixam com outras pessoas, 58% com as mães e 6% em uma escola ou creche.

Não é à toa que, segundo o Google, nos últimos 12 meses o termo “mãe cansada” lidera as buscas na plataforma. “A romantização da maternidade é muito intensa e pesada. Temos que cuidar das crianças sentindo prazer o tempo inteiro. Não nos permitem trabalhar, crescer, unir as coisas Não podemos nem sentir cansaço. Para muitas mulheres a única perspectiva de ser mãe é continuar sendo mãe. Eu me sinto exausta, mas não por cuidar do meu filho e sim emocionalmente. Se eu quiser mais uma criança, novamente perderei o emprego. É desgastante. Quero começar uma faculdade, mas sonho também em ser mãe novamente. Só consigo pensar que minha carreira vai precisar ser interrompida de novo”, diz Patrícia.

Apoio às mães

A ampliação do prazo de licença-maternidade para as mães de bebê prematuros foi bandeira levantada pela Associação Brasileira e Pais e Familiares de Bebês Prematuros (ONG Prematuridade.com) ao receber relatos de mães sobre o descumprimento da decisão por muitas empresas, e que o próprio INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) desconhecia o fato, notificou o problema ao STF. Em março deste ano, como consequência dessa notificação, o INSS emitiu portaria estabelecendo que todas as mulheres, celetistas ou não, que contribuem com a Previdência Social, têm direito a ampliar o benefício. “Uma grande conquista para as mulheres, os bebês, as famílias e para toda a sociedade”, reflete Denise Suguitani, diretora da ONG Prematuridade.com. 

Agora, diante de diversos relatos como o de Kellin, de mulheres sendo demitidas logo após retornarem de licença-maternidade, a entidade está propondo ações que minimizem esse problema e garantam um mercado de trabalho mais justo para as mães que retomam as suas atividades laborais. 

A ONG propõe aos sindicatos brasileiros que somem esforços e incluam cláusulas em seus acordos coletivos, garantindo às trabalhadoras no mínimo 90 dias de estabilidade pós-licença. O sindicato que se unir à causa e adotar os três meses de estabilidade às profissionais, ganhará destaque no portal da ONG, onde será apresentado como “Sindicato Amigo da Prematuridade”. Carta aberta às entidades sindicais pode ser acessada aqui.

Outra iniciativa da Associação propõe um projeto de lei à Frente Parlamentar Mista da Prematuridade no Congresso Nacional, bancada presidida pela deputada Carmen Zanotto, para que seja incluída no artigo 492-A da CLT a determinação de que “as trabalhadoras que retornarem de afastamento devido a licença-maternidade gozarão de estabilidade no emprego por três meses após o seu retorno ao trabalho.”

“Nossa iniciativa de ampliar a licença-maternidade foi inicialmente pensada para as mães de prematuros, mas acabou beneficiando outras milhares de trabalhadoras, deixando um legado muito valoroso. O problema é que, com essa conquista, o risco de demissão de mulheres, que já era um problema antes da ampliação do benefício, aumentou. Queremos garantir um tempo hábil pós-retorno da licença para que elas tenham a oportunidade de mostrar às empresas seu valor, sua capacidade produtiva e, assim, tornar o mercado de trabalho mais justo para as mulheres”, salienta Denise.

Na ONG há o trabalha ao lado de psicólogos para oferecer suporte emocional às mães que sentem desvalorização profissional ou insegurança em relação ao mercado de trabalho, como é o caso de Patrícia. Denise deixa claro que todo o processo é feito online e gratuito às famílias. 

Mães precisam lidar com a demissão pós licença maternidade

“As mães que precisam tem esse suporte. Hoje em dia cada vez mais se fala em mercado de trabalho justo. A pandemia trouxe o trabalho híbrido ou totalmente remoto que, de certa forma, tende a fazer com que as oportunidades de trabalho aumentem. É importante que as mulheres tenham acompanhamento psicológico e não deixem sua autoestima e autoconfiança em relação às suas capacidades de trabalho diminuir”, elucida.

A diretora deixa claro que garantir a licença-maternidade ampliada e oferecer maior estabilidade são maneiras justas de tornar o ambiente de trabalho mais saudável às mães, que podem desempenhar sua rotina profissional com uma preocupação a menos. É válido destacar que a lei estabelece um período mínimo de licença – como comentado acima na matéria -, mas as organizações podem, por conta próprio, estendê-lo, assim como muitos negócios optam por dar aos pais licença-paternidade equivalente ao período de pausa das mães.

“Sempre que possível, é recomendável que as empresas flexibilizem e ofereçam uma modalidade de trabalho híbrido. É uma forma de contribuir para as mães poderem levar os filhos em consultas ou ter mais atenção às crianças que exigem mais cuidados. É uma forma de humanizar.”

O parto prematuro é a principal causa de mortalidade infantil antes dos 5 anos de idade no mundo todo e o Brasil é o 10º país no ranking de nascimentos precoces. “Precisamos nos unir para mudar esse cenário. Envolver-se com essa causa é um ato de responsabilidade social”, finaliza Denise.

Por Bruno Piai