A pandemia da Covid-19 trouxe às organizações algumas questões importantes a serem respondidas por líderes e gestores: Conseguimos manter a produtividade mesmo com os funcionários a distância? Esse tal “modelo híbrido” de trabalho fará parte da nossa rotina mesmo após o novo coronavírus ser controlado? Ao que, além do trabalho remoto, precisaremos nos adaptar no pós-pandemia?
É certo que entre os assuntos em pauta nas mesas de reunião, a saúde mental conquistou espaço. E não é à toa. De acordo com uma pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UEFJ), em 2020 os casos de ansiedade e sintomas de estresse agudo dobraram. Além disso, um estudo da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) em parceria com a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) revelou que 40% dos brasileiros sentiram tristeza ou depressão na pandemia e que o percentual de consumo de cigarro e álcool aumentou, enquanto o de realização de atividades físicas diminuiu.
Em meio ao cenário tão complexo para o bem-estar da mente, o ambiente de trabalho, naturalmente, não se manteve imune à situação. A Síndrome de Burnout, caracterizada por sintomas similares ao da depressão e da ansiedade, mas relacionada ao trabalho – especialmente por conta de estresse, sobrecarga ou desânimo – também se intensificou. O Brasil carrega o status de ser, segundo a International Stress Management Association (ISMA-BR), o segundo país do mundo com mais casos do fenômeno.
Estamos preparados para “voltar ao normal” nas empresas?
Não bastando a vice-liderança do ranking de países em casos de Burnout – somente atrás do Japão, que é líder absoluto -, o Brasil sustenta mais um pódio bem negativo. Já desde antes da pandemia, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país é o líder mundial em casos de ansiedade. E para piorar, uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), demonstrou que, entre maio, junho e julho de 2020, 80% da população brasileira ficou ainda mais ansiosa.
Por conta da evidente preocupação, diversas empresas aumentaram ações e iniciativas voltadas à saúde mental de suas equipes. Convênios com psicólogos, aulas de ioga e mindfulness e cuidados mais humanizados por parte de líderes e RHs ganharam força.
Ao mesmo tempo, porém, que algumas organizações e colaboradores se adaptam com mais facilidade às mudanças que há mais de um ano fazem parte da rotina profissional de uma parcela até menor do que a imaginada de brasileiros – segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 86 a cada 100 profissionais no Brasil trabalham presencialmente mesmo em meio à pandemia -, outras já providenciam o retorno aos escritórios. Mas será que é uma boa ideia?
De acordo com a pesquisa Gestão de Pessoas na Crise covid-19, da Fundação Instituto de Administração (FIA), 46% das empresas do país optaram pelo home office. E isso não significa, necessariamente, que em todas o modelo de trabalho remoto foi seguido por 100% dos colaboradores ou integralmente por quem teve direito ao trabalho a distância (o que explica um pouco, também, os dados do Ipea, uma vez que muitos empregados continuam exercendo atividades presenciais, mas em menor ritmo).
Para as psicólogas Christiane Valle e Patrícia do Couto, fundadoras da Zero Barreira, empresa de psicoterapia online, muitos podem ser os impactos relacionados ao retorno à rotina presencial de trabalho após um longo período de distanciamento e isolamento, o que pode potencializar as chances do Burnout acontecer.
“Deve-se sempre pensar que esse retorno é, em alguns casos, presencial tendo em vista que a grande maioria continuou trabalhando em sua casa, cedeu o ambiente de descanso para a empresa e trabalhou até mesmo mais do que trabalharia nos seus polos físicos de trabalho”, destaca Christiane.
O impacto relacionado a esses casos pode estar relacionado não só à saúde, mas também a uma dificuldade nas relações interpessoais, já que, trabalhando em casa, o contato era apenas com os membros da família sendo o contato com os colegas de trabalho de forma remota. O retorno traz consigo a volta da convivência com as crenças, costumes e modos de vida, do outro, que poderiam estar “esquecidos” durante os meses de home office.
“Há também aqueles que foram obrigados a se afastar de suas funções por fazerem parte do chamado grupo de risco. Muitas dessas pessoas passaram a se sentir culpadas, ociosas e ansiosas por acreditarem que seus colegas de trabalho pudessem estar sobrecarregados. O impacto de um retorno gradual para essas pessoas pode representar benefícios à saúde mental pois ocorrerá a aproximação daquilo que era considerado normal antes do isolamento social, é comprovado que o trabalho é um importante aliado na saúde mental. Sabemos também que é inegável a saudade de ter aquela conversa descontraída com o colega no corredor, mas é importante estar atento aos 2 metros de distância estabelecidos pelo Ministério da Saúde”, explica Patrícia.
Há de se destacar também a óbvia preocupação que parte dos colaboradores – principalmente aqueles que integram algum grupo de risco ou convivem com pessoas que fazem parte de um – com o transporte público. nesse caso, a melhor maneira é estar atento ao uso correto das máscaras, a higienização das mãos durante o trajeto, evitar tocar o rosto (boca, nariz e olhos) pois as superfícies podem estar contaminadas, fazer o possível para que o ambiente esteja ventilado.
No ambiente de trabalho é importante estar atento à ingestão correta e o manejo dos alimentos. “A melhor maneira de lidar com esses impactos é gastar a energia nas medidas profiláticas de prevenção e disseminação do contágio. Sabemos que a preocupação e o medo estão intimamente ligados a ansiedade e, quando a ansiedade acontece, as pessoas ficam muito mais atentas aos seus sintomas ansiosos do que ao que está acontecendo ao seu redor, então que tal gastar essa energia na atenção aos cuidados com o seu ambiente para que você tenha uma volta tranquila e saudável?”, orienta Christiane.
Quem cuida do gestor de pessoas?
Embora seja atribuída principalmente ao RH a responsabilidade de cuidar da saúde ocupacional e mental das pessoas, é fundamental destacar que o profissional da área não é imune às consequências da pandemia em sua saúde mental e tampouco ao Burnout.
Um levantamento recente da consultoria Robert Half feito com 1.800 entrevistados de 13 países mostra que o profissional de RH brasileiro é o mais estressado entre todos os avaliados. Além disso, ele é quem mais sofre com a pressão e o estresse de trabalho. 44%, inclusive, sentem que seus esforços não são reconhecidos.
Elaine Di Sarno, psicóloga com especialização em Avaliação Psicológica e Neuropsicológica, enfatiza que “A posição de liderança demanda bastante do gestor e este, se não estiver preparado para lidar com as demandas e conflitos do grupo, tende a se desequilibrar, o que pode ser um dos impulsionadores da ansiedade. No entanto, aspectos emocionais, especialmente a capacidade de lidar com a inteligência emocional, impactam bastante. O gestor deve saber captar, absorver e conduzir a ansiedade e a expectativa do grupo, orientando-os e intervindo quando julgar necessário”.
De acordo com a profissional de saúde, é crucial que líderes e RHs trabalhem o desenvolvimento de habilidades e competências emocionais. “O líder precisa ser capaz de ter autocontrole, autoconhecimento e experiência para transmitir tranquilidade e direção ao grupo, em todo tipo de situação. Muitas vezes, só um trabalho psicoterápico permite que ele se conheça mais a fundo e se desenvolva emocionalmente, de modo a saber lidar com suas próprias ansiedades e as da equipe”, diz.
Luciana Amorim, especialista em Gestão de Pessoas e Recrutamento & Seleção acrescenta que os gestores de RH precisam se conectar com as outras lideranças e ter transparência na comunicação, para que não receba uma sobrecarga de funções e assuma integralmente responsabilidades que deveriam ser compartilhadas entre as pessoas estratégicas do negócio.
“O RH não pode ter o complexo de patinho feio. Os profissionais da área precisam entender a sua importância e levantar a cabeça para, quando necessário, dizer não a situações que podem até ser abusivas. O RH não é o salvador da pátria responsável por tudo e todos, mas uma engrenagem num processo que depende também de outras engrenagens”, diz.
Consequências parentais do Burnout
Com o trabalho home office, os desafios aumentaram, mesmo fora do ambiente tradicional de trabalho. As cobranças aumentaram, os horários extrapolaram e uma vez que se está em casa, as reuniões virtuais podem acontecer a qualquer momento, a qualquer horário, sendo difícil dividir o tempo entre o trabalho e a família.
Além disso, as tensões aumentaram porque todos estão confinados em um mesmo espaço. Os pais não conseguem a concentração necessária para um bom desenvolvimento do trabalho, uma vez que os filhos, principalmente se são crianças, acabam interferindo de mil maneiras possíveis.
O que seria “apenas” uma Síndrome de Burnout, ou seja, um esgotamento e estresse intenso por causa do trabalho, acaba gerando outro problema: a Síndrome de Burnout Parental, cuja causa do estresse e de todo esgotamento são os filhos e a sobrecarga que pais e mães estão sofrendo.
De acordo com a Dra. Gesika Amorim, Médica Neuropsiquiatra, especialista em Tratamento Integral do Autismo e Neurodesenvolvimento, praticamente todo mundo está vivendo algum nível de Burnout nessa situação de pandemia. E para os pais que estão em casa é pior, pois eles estão sendo obrigados a se desdobrar para cuidar dos filhos, da casa, do trabalho para sustentá-los e ainda educá-los no sentido escolar, dando um suporte maior nos estudos da escola, já que a aulas também são em home office.
A especialista explica que a Síndrome de Burnout Parental trata-se de um esgotamento físico, emocional e mental devido ao estresse que o pai, a mãe, ou ambos, acabam sofrendo por conta da criação dos filhos. Ela pode ter consequências sérias que vão desde a negligência em relação aos filhos até agressões verbais, psicológicas e físicas. Então, o que fazer para equilibrar os pratos?
“O ideal é não tentar ser perfeccionista e querer carregar o mundo nas costas. É preciso ter uma noção exata dos nossos limites e aprender a conviver com eles. Adaptação e resiliência; vamos fazer o que é possível da melhor maneira possível. Estabelecer metas e horários. Será preciso também responsabilizar e delegar certas responsabilidades para as crianças, segundo a idade de cada uma, para terem mais autonomia. O mais importante é estabelecer horário para cada coisa, tentar manter a rotina o mais próximo do normal e procurar ajuda se for preciso”, pontua a Dra. Gesika.
De modo geral, é buscar mais tempo de qualidade com a família, com conversas saudáveis, atividades que inclua toda a família, inclusive passeios. Além de ajudar a criar laços afetivos mais profundos, traz a noção de que todos são importantes e amados e que juntos é mais fácil vencer qualquer obstáculo.
“É necessário também que a pessoa tenha um tempo para ela também, para fazer o que ela gosta; ler, assistir filmes ou sua série preferida ou conversar com amigos. Essas atitudes também servem no caso da Síndrome de Burnout diretamente ligada ao trabalho. O importante é estarmos atentos à nossa saúde mental e, ao menor sinal de depressão, ansiedade, irritabilidade, de exaustão física, mental e emocional, procurar um psicólogo ou um psiquiatra para um diagnóstico e assim buscar o tratamento ideal”, finaliza a neuropsiquiátrica.
Por Bruno Piai
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