A busca pelo propósito se tornou uma odisseia para muitos profissionais. Não é incomum encontrar casos de trabalhadores que mudam com frequência de empresa – e até mesmo de área – até que alcancem o que consideram o equilíbrio perfeito entre vida pessoal e carreira.

Diversas pesquisas indicam que profissionais que encontram propósito onde atuam são mais engajados, produtivos e motivados, além, naturalmente, de serem menos propensos a deixar sua empresa atual. Não à toa, as lideranças olham com cada vez mais carinho ao tema. Segundo o relatório Putting purpose to work: a study of purpose in the workplace (Dando propósito ao trabalho: um estudo sobre propósito no ambiente de trabalho, em tradução livre), de 2020, para 79% dos líderes é fundamental que o propósito seja trabalhado nas organizações, uma vez que ele será o condutor do sucesso – embora somente 34% alegam utilizá-lo para tomar decisões.

Por outro lado, há também os profissionais que têm uma outra forma de olhar para o propósito. Em vez de depositar tantas fichas no trabalho, o foco está fora dele. Afinal, quantos, efetivamente, têm o luxo de poder fazer aquilo que amam – ou que acreditam amar? Mais do que isso, já que o trabalho é uma necessidade, o quanto ele deve ser enxergado além disso? Por mais que passemos tantas horas do dia no expediente, o simples fato de ter como pagar os boletos pode ser o maior dos propósitos profissionais.

Em meio aos questionamentos, aqui vão mais alguns: o que, de fato, é o tal propósito? Ele é um objetivo real, necessário e plausível ou um conceito que começa a se perder em romantizações? Para entender mais o que há por trás da busca por ele, falamos com o Dr. Primo Paganini, psiquiatra e diretor médico da eCare. Confira:

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RPV: Faz sentido que, dentro do ambiente de trabalho, a busca pelo chamado propósito seja tão prioritária (como é para tantos profissionais de hoje)?

Paganini: Tenho 52 anos e venho de uma geração que apresenta traços muito diferentes das mais novas gerações. Antes, não existia tanto essa questão do propósito. Havia a ideia de hierarquia e subordinação.

Nota-se na nova geração e na busca pelo propósito tons de insubordinação. Muitas vezes a opinião se sobrepõe a dados científicos e não há a criação de vínculos empregatícios. O propósito é, muitas vezes, usado como uma desculpa para não assumir maiores responsabilidades e não lidar com hierarquias. Há uma pressa para se conquistar as coisas.

Não é uma generalização, naturalmente, mas muitos profissionais têm a dificuldade de despontar porque ‘pingam’ excessivamente entre empregos e atribuem o insucesso ao externo, quando muitas vezes o maior problema foi a falta de paciência.

RPV: A busca pelo propósito pode, em alguns momentos, atrapalhar a carreira? O quanto as empresas devem, de fato, olhar para isso?

Paganini: Tratar o propósito como algo positivo ou como um problema dependerá de cada contexto. O que a empresa deve fazer é investir na saúde mental das pessoas. Ainda são poucas as empresas que fazem isso de forma efetiva. Não investir nisso sai muito caro. Nos Estados Unidos o prejuízo chega à casa do trilhão de dólares. É importante mudar um pouco o mindset dos profissionais, pois há profissionais que foram muito protegidos de qualquer tipo de situação mais difícil.

Programas de psicoterapia e de psiquiatria são quem tornarão conscientes os conteúdos inconscientes. É o que mostrará às pessoas que, muitas vezes, o propósito não é, de fato, um propósito, mas sim uma fuga.

RPV: É possível que haja propósito sem que o trabalho seja envolvido? Ou seja, há uma romantização por trás do conceito no trabalho quando, em várias ocasiões, simplesmente trabalhar já é o propósito?

Paganini: É claro que nós buscaremos momentos felizes no trabalho. Você vai buscar uma ocupação que te realize e tem que ter um propósito sobre ele, pois praticamente metade do dia é passado no trabalho, o que justifica que sejam buscadas maneiras de ser feliz nele. Mas nem tudo são flores. É preciso tomar cuidado quando se vê o trabalho como um Éden.

Há obrigações, há momentos difíceis, mas a dificuldade gera crescimento. Mesmo em um ambiente de trabalho super saudável, terá algum momento desagradável. Líderes, por exemplo, terão que demitir pessoas. Ideias gerarão rotas de colisão com colegas de trabalho. As pessoas querem uma felicidade utópica no trabalho.

RPV: A pandemia impulsionou a procura por propósito. Nos últimos meses, milhões de pessoas se demitiram e alguns países, como os Estados Unidos, viveram a Grande Resignação. O quanto o trabalho com a saúde emocional pode ajudar o RH a lidar com todas essas questões?

Paganini: A grande função da psicoterapia é te ‘tornar adulto’. Ela ajuda a desenvolver as partes evoluídas do cérebro, apoiando que elas tenham controle acima das áreas primitivas. Quem é a área evoluída? O cortex pré-frontal. E chamamos de primitivo o sistema límbico. O cérebro evoluído é racional e o sistema límbico é emocional. A psicoterapia ajuda a ressignificar a realidade e a olhá-la de uma forma adulta. Ela apoia a olhar através de outros ângulos para situações enxergadas por meio de um viés emocional.

A pandemia trouxe doenças mentais para todos, o que proporcionou muitas mudanças para o mercado de trabalho. O cérebro passa por acomodações. Se eu me acostumo só com o home office e fecho portas por conta dele, é porque há um condicionamento. O risco é que tudo seja guiado pelo meu olhar sem considerar o dos outros. Em alguns momentos é necessário que gestores, líderes e RH precisem se impor [para que haja um equilíbrio coletivo no trabalho]. Nós temos pessoas despreparadas gerindo outras pessoas porque acreditam que estão preparadas.

Por Bruno Piai