Depois de uma queda no registro de casos de assédio moral e sexual nas empresas durante o início da pandemia, os índices voltaram a crescer no Brasil em 2021. Ao todo, no ano passado foram computados 3.049 processos de assédio sexual e 52.936 de assédio moral no país. Os dados são do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

De acordo com matéria publicada no Estadão, somente no primeiro semestre de 2021 foram registradas mais de 31 mil denúncias em 347 empresas. Para efeito de comparação, 2019 e 2020 tiveram, ao longo de todo o ano, 12.349 e 12.529 casos respectivamente.

No início de 2020, a quantidade de denúncias recebidas seguia uma crescente de aproximadamente 33% se comparado ao mesmo período do ano anterior. Em abril, logo no início da pandemia da Covid-19, o cenário de incerteza e insegurança somado ao auge das ações de isolamento social e de uma adaptação ao trabalho remoto, resultou numa queda drástica no volume de assédio moral e sexual de quase 50%. Porém, essa retração durou pouco tempo e os casos voltaram a patamares anteriores à descentralização dos escritórios e depois acelerou, atingindo números inéditos.

“Entendemos que este aumento está relacionado à falta de limites da gestão em relação à suposta alta disponibilidade do colaborador, que passou a ser acessado a qualquer momento, excedendo sua carga horária diária justamente por estar em home office. Este cenário replicado em inúmeras operações certamente colaborou para este aumento no volume de denúncias”, explica Fernando Scanavini, diretor de operações da ICTS Protiviti.

Segundo o executivo, os novos modelos de trabalho precisam de atenção dos gestores quanto a atitudes que possam configurar assédio. Assediadores encontraram no ambiente virtual e no trabalho a distância mais liberdade para promoverem práticas de abuso, visto que a privacidade de atuar fora do escritório limita o acesso a demais colaboradores presenciarem atos inconvenientes.

“A imposição do uso de câmeras, por exemplo, nos contatos virtuais pode ter corroborado com esta questão. Exigir o uso pode configurar como assédio moral quando a pessoa não quer abrir a privacidade de sua residência. Por outro lado, também pode facilitar o assédio sexual”, comenta Scanavini.

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Mulheres reagem contra o assédio sexual

As informações do TST mostram que, entre janeiro de 2015 e julho de 2021, as Varas do Trabalho registraram mais de 27,3 mil ações sobre assédio sexual. O crescimento dos registros não indica só e necessariamente um aumento de casos, mas também mais denúncias sendo realizadas.

Um estudo realizado em 2021 pela Think Eva em parceria com o Linkedin revelou que 47% das mulheres entrevistadas já sofreram assédio sexual no local de trabalho. A consultora de RH e especialista em desenvolvimento de pessoas, Kelly Stak, pontua que “mesmo com mais coragem, denunciar nem sempre é algo fácil de se fazer, pois expõe e constrange, e a vítima precisa ter provas ou testemunhas”, diz. “Convenhamos, porém, que é muito difícil a vítima registrar seu próprio assédio e na maioria das vezes não há testemunhas”, acrescenta. Segundo levantamento da Mindsight, empresa de gestão de RH, mulheres sofrem três vezes mais ações de assédio sexual do que os homens.

Kelly explica que assédio sexual pode existir de várias formar, com avanços sexuais não aceitáveis e não requeridos, através de contatos verbais ou físicos, que criam uma atmosfera ofensiva, vexatória, humilhante, hostil e de subordinação.  Esse comportamento sexual pode acontecer de duas maneiras: ar em forma de chantagem, que vem com coação em troca de benefícios, ascensão ou afim de manutenção da carreira; ou intimidação, onde não há ameaças, mas há abordagens grosseiras com ofensas, disfarçadas de “brincadeiras”, e propostas inadequadas, que constrangem e amedrontam. 

“A maioria dos casos em ambientes profissionais envolve uma relação de poder, onde líderes utilizam de suas autoridades de forma errada, provocando algumas vezes o bloqueio das denúncias.  Quem for assediado logicamente deve procurar o departamento pessoal ou ouvidoria da companhia, porém muitas vezes esses departamentos estão debaixo da hierarquia dos próprios abusadores, o que torna a queixa sem resultado e, o pior, a pessoa cair no descrédito”, detalha.

Kelly alerta que o entendimento de que o assédio é crime e merece ser denunciado, contribui para que outras pessoas que foram vítimas se sintam encorajadas a denunciar; atraia os olhares do Ministério Público do Trabalho ao assunto; leve as empresas e a sociedade a mudarem a postura “machista” que tenta subjugar a mulher como profissional. 

Conforme consta no art. 216-A, do Código Penal, o assédio sexual é tipificado como um ‘constrangimento com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, de quem se aproveita da condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função’. “Um dos grandes erros das empresas é que o líder que comete assédio sexual com as profissionais com quem trabalha, normalmente são tratados apenas como inconsequentes, que teve um deslize cometendo um “erro”, e não como alguém que praticou um crime. Isso gera impunidade e acaba alimentando os acontecimentos”, alerta a especialista em desenvolvimento de pessoas.

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Como tornar a empresa menos abusiva

Mayra Cardozo, especialista em Direitos Humanos e Mentora de Feminismo e Inclusão, destaca que as empresas que trabalham em prol de combater práticas que violam os direitos humanos são reconhecidas. No entanto, para ela, “também é preciso implementar uma política com um impacto transformador na sociedade, mudanças transformadoras. Antes, as empresas tinham um papel mais passivo em somente respeitar leis, e agora elas têm posturas mais ativas de implementar uma missão de proteção de direitos humanos para construir uma sociedade melhor”.

A psicóloga Vanessa Gerbim esclarece que as organizações precisam adotar posturas mais humanizadas. Para tornar o ambiente menos propício a casos de assédio, ela e Mayra elencam alguns passos a serem seguidos:

Comunicação inclusiva: “Uma das maneiras das empresas terem essa abordagem menos abusiva é se atentar para a sua comunicação, essa é uma forma que o ser humano tem de expressar os seus sentimentos. Quando essa comunicação é abusiva e ignora certas identidades, ela acaba não reconhecendo que algumas pessoas existem, ou não dando direito dessas pessoas existirem dentro da corporação. Uma empresa pode ter vários danos quando não atua com esse tipo de comunicação, ou quando ela não está atenta a questões de diversidade e inclusão”, comenta Mayra.

Pensar na qualidade de vida: “É preciso que a empresa ofereça um ambiente adequado, com atividades físicas, horários flexíveis, um bom clima para se trabalhar, uma cultura para celebrar as vitórias, conquistas, datas comemorativas e o investimento em programas de saúde, incluindo a saúde mental. Quando ela deixa de promover o bem-estar, pode prejudicar a qualidade de vida de um colaborador. Por isso, além de se atentar ao básico, é necessário enxergar as necessidades dos indivíduos”, explica Vanessa.

Alinhar os colaboradores à política da empresa, promover treinamentos para orientar sobre situações que podem ser configuradas como assédio, investir em programas de diversidade, respeitar o horário de descanso e consolidar programas de inclusão são outras dicas deixadas pela dupla.

“A humanização é primordial para ajudar a prevenir o adoecimento devido ao estresse, sobrecarga, assédio moral, metas inatingíveis, cobrança excessiva e clima pesado. Para tanto, colaboradores de todos os setores devem ter espaço para se expressar, sugerir melhorias e dar feedbacks”, finaliza Vanessa.

Por Bruno Piai