Analista de Sistemas de uma pequena startup carioca, Lucas Nestor, 31, se define como “enfim, talvez, realizado”. Sua jornada de trabalho é flexível, o escritório é uma pequena mesa ao lado da janela do quarto e o salário, apesar de não ser o maior já recebido, garante o conforto necessário.

Quem vê sua realidade atual, mal sabe que, mesmo jovem, seu currículo é preenchido por algumas das principais empresas de tecnologia instaladas no Brasil. Dono de conhecimentos bastante específicos na área de TI, Nestor nunca teve problemas para encontrar emprego, inclusive nas companhias que, para ele, eram vistas como verdadeiros sonhos profissionais.

E o cenário era de sonho mesmo. Em sua última experiência, ganhava um salário acima da média do mercado. Sobre os benefícios, que iam desde assistência médica até um vale alimentação bem recheado, não havia do que reclamar. O bônus? Um verdadeiro tesouro. Os colegas de trabalho, por sua vez, eram bastante prestativos.

Todavia, a realidade, cedo ou tarde, bate à porta. O sonho do profissional de TI esbarrava em dois problemas nada incomuns no mercado de trabalho: um ritmo de trabalho enlouquecedor – que chegava a 16 horas por dia – e uma liderança ruim, que aumentava a pressão. Resultado: Burnout, quadros intensos de ansiedade e, o que foi a gota d’água para mudar a forma como enxergava o mercado, sua presença em uma demissão coletiva, destas recentes que vêm chamando atenção nas grandes empresas de tecnologia.

“É um sentimento difícil de explicar. De fora, nos encantamos com as empresas por conta do salário que oferecem, dos benefícios. Almejamos aquilo, queremos estar ali. Só que, com o tempo, você começa a entender que por trás do nome e do tamanho de algumas empresas, o preço pago é a saúde de muita gente”, diz. “Estou, hoje, em uma empresa pequena, longe do glamour do alto salário, mas com meu emocional muito melhor. Não acredito mais em ‘empresas dos sonhos’, mas em equilíbrio, em bem-estar. Não abro mais mão disso”, acrescenta.

Veja mais: 12 sinais que indicam que você pode ter um Burnout

Mudança de perspectiva

Segundo a Pesquisa Carreira dos Sonhos, de 2022, realizada pela Cia de Talentos, 75% das pessoas jovens têm uma empresa dos sonhos. Entre a média gestão e a alta liderança, as porcentagens são de 80% e 82%, respectivamente.

Apesar de inovação ser um tema bastante em alta, ela não é decisiva na hora das pessoas escolherem uma empresa dos sonhos. Para o público jovem e para a média gestão, o desenvolvimento de carreira foi o principal motivo de escolha, entre a alta liderança o desenvolvimento ficou na 2ª posição.

De acordo com o consultor de RH, Cézar Salvador, o conceito de “empresas dos sonhos” de hoje não é o mesmo das gerações passadas. Enquanto, antes, fatores como salário, porte do negócio e benefícios eram determinantes, atualmente há diversos outros pontos que fazem parte da equação.

“Principalmente por conta das mídias sociais, as marcas precisam proteger sua imagem a todo instante. O profissional de hoje consegue identificar quais são genuínas com suas boas práticas e quais tentam mostrar ser o que não são. Organizações ruins sempre serão expostas. Uma empresa dos sonhos hoje precisa cuidar da carreira das pessoas, do emocional delas, da diversidade, da saúde e do bem-estar. Embora as grandes companhias sempre façam parte do topo das listas de empresas dos sonhos, organizações menores que oferecem tudo isso também têm o seu destaque”, revela.

RH TopTalks 2023

De volta ao levantamento, as redes sociais e o site da empresa foram a escolha de 42% dos jovens quando questionados sobre como se informam a respeito das empresas onde sonham trabalhar. Já para o perfil de média gestão, o formato escolhido foi ‘conhecer alguém que trabalha na empresa’, ou ‘já ter trabalhado nessa empresa’ (34%). Para a alta liderança, a informação relevante para a escolha é ‘trabalhar atualmente’ ou ‘já ter trabalhado na empresa ideal’ (44%).

Todos esses dados têm contribuído para que as empresas conheçam melhor os interesses das pessoas, principalmente após a pandemia. “Cabe à liderança conhecer as diferentes realidades e demandas do time de trabalho, compreendendo que hoje são mais vulneráveis ao esgotamento devido ao estresse da pandemia, ao ambiente político e econômico incerto e à necessidade de mudança e adaptação constantes que fazem parte do mundo atual. Para a pesquisa de 2023, vamos avançar sobre os sentimentos que o trabalho tem despertado nos profissionais”,  afirma Danilca Galdini, head de pesquisa e sócia da Cia de Talentos.

Veja mais: 80% da Geração Z quer mudar de emprego em 2023, diz LinkedIn

Novos paradigmas

Falar sobre empresas dos sonhos no presente e no futuro é falar, também, sobre o social. Um estudo da Accenture, por exemplo, revela que 88% dos brasileiros de 15 a 39 anos sonham, nos próximos 10 anos, em trabalhar com a chamada “economia verde”. Assim como a sustentabilidade ganha força, a agenda ESG – ambiental, social e governamental – como um todo começa a emplacar sua força no quesito da atração.

“As novas gerações querem fazer a diferença. Entendo que é cansativo sempre bater na tecla do propósito, afinal, para muitas pessoas o simples fato de ter um trabalho e um salário na conta já é um propósito mais do que suficiente para estar em uma empresa. Mas é fato que os gestores devem olhar com cada vez mais atenção para o tema, pois a expectativa investida nas organizações de todos os portes vai muito além do corporativo. Ou elas se renovam ou elas perderão totalmente a sua competitividade”, pontua Salvador.

Por Bruno Piai