Lidar com a discriminação e com os chamados vieses inconscientes é, ainda, um verdadeiro desafio a ser superado nos processos de recrutamento e seleção. De acordo com um levantamento realizado pelo InfoJobs, 48,7% das pessoas entre 17 a 60 anos que se consideram parte de um grupo que sofre distinção alegam ter enfrentado algum tipo de preconceito durante uma entrevista de emprego.

O levantamento revela, ainda, que para quase metade dos respondentes (47%), embora o mercado fale cada vez mais de inclusão, o conceito não passa de um discurso de marketing. Somente 40% acreditam que ter um time diverso e um ambiente inclusivo é uma preocupação alinhada ao DNA das organizações.

Perguntado aos entrevistados por qual distinção eles passam ou passaram em um processo seletivo, 31,7% responderam que se enquadram na discriminação étnica ou racial. Já 19,3% consideram parte do grupo que sofre com o preconceito social. 14,1% responderam que são alvo de discriminação por LGBTQIA+fobia, 12,3% pela religião seguida, 8,2% por serem pessoas com alguma deficiência, 5,4% por gênero e 9% preferiram não responder. O levantamento ainda questionou os participantes sobre qual diversidade eles consideram ser mais contemplada dentro das empresas: 25% destacaram a inclusão de diferentes idades, seguida por raça e etnia, com 19% das respostas, e pessoas com deficiências, com 18% dos votos.

Abordando especificamente a diversidade em relação à questão de gênero e orientação sexual, 71% acreditam que o atual cenário é mediano ou pouco inclusivo nas organizações. Já para a diversidade em relação à raça e etnia, 66% acreditam que o atual cenário também é mediano ou pouco inclusivo.

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Vieses inconscientes marcam presença e causam problemas

Ao serem questionados sobre como o processo seletivo e as empresas podem ser mais inclusivas, 50,2% dos entrevistados pontuaram a necessidade das organizações reconhecerem que aspectos físicos e biológicos não são fatores que determinam a capacidade profissional. 24,7% apontam que é preciso romper preconceitos internos e sociais.

De acordo com Ana Paula Prado, Country Manager do InfoJobs, é importante que as empresas busquem alternativas para tornar o seu processo de contratação mais ágil, digital e com estratégias que impulsionem o recrutamento de modo a torná-lo inclusivo.

“As organizações e seus respectivos setores devem se atentar às pautas levantadas na pesquisa e pela sociedade. É preciso se adaptar a essa realidade e tratar todos os profissionais da mesma forma. Para isso, a tecnologia aparece como grande aliada”, afirma.

Vale destacar, porém, que o combate à discriminação não se resume a ações que estimulem um processo imparcial de contratações. É preciso lidar com o problema internamente. Apesar das boas intenções, a  evolução do tema Diversidade & Inclusão muitas vezes acaba esbarrando nos vieses inconscientes dos colaboradores.

Crenças, preconceitos ou estereótipos são conceitos que formam os vieses inconscientes e que levam um indivíduo a fazer pré-julgamentos automaticamente. A questão é que, mesmo inconscientemente, eles podem impactar de forma negativa diversas decisões e atitudes geradas nas empresas. Segundo mapeamento do escritor Buster Benson, existem mais de 100 vieses cognitivos e todos eles impedem que as organizações sejam realmente diversas, respeitem a pluralidade e a inclusão social.

Segundo pesquisa feita pela Kantar com profissionais de 24 setores em 14 países – incluindo o Brasil -, 80% das pessoas já sofreram ou presenciaram algum ato discriminatório no trabalho. Para Carol Santana, especialista de Diversidade & Inclusão da Leo Learning Brasil, é necessário avaliar quais são os vieses inconscientes mais frequentes no dia a dia, quais consequências eles causam nas organizações e como identificá-los, a fim de superá-los. “Eles podem influenciar diretamente não só na estrutura laboral, mas também na autoestima de um funcionário, impedindo-o de trazer mudanças positivas no ambiente de trabalho”, comenta.

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E quais são tais vieses?

Muito comum na sociedade e dentro das organizações, o viés de afinidade é quando o indivíduo acaba favorecendo a pessoa com a qual tem mais afinidade no que se diz respeito a questões ideológicas, atitudes, aparência, religião etc. “A mente mapeia e aprova o igual como algo seguro, sem que provoque questionamentos muito profundos. O reverso acontece quando nos deparamos com o diferente. Dentro de uma empresa, o viés de afinidade pode afetar diretamente o processo seletivo para novos funcionários e promoções de cargo”, explica Carol.

Com base na assimilação não criteriosa, que reforça estereótipos sem base concreta em fatos, aquilo é que visto como dedução a partir do achismo é chamado viés de percepção. A especialista ressalta que essa predisposição muitas vezes vem de alguma influência. “Um exemplo disso é o machismo reproduzido através de falas como ‘lugar de mulher é na cozinha’ ou ‘mulher no volante perigo constante’”, explica.

Há também o viés de confirmação, que ocorre quando um indivíduo olha para uma determinada situação e impõe uma verdade absoluta a partir das suas próprias ideias ou crenças, desconsiderando qualquer outra visão contrária. Muitas vezes essas pessoas selecionam partes da informação que confirmam seus conceitos prévios.

Segundo a especialista, quando ocorre a avaliação precipitada de um indivíduo a partir de uma única característica, isso é chamado de efeito auréola ou halo. “Quantas vezes já atribuímos características positivas a um ator ou atriz apenas por sua beleza? É exatamente o que define esse viés”, aponta.

Por fim, há o efeito grupo, cujas características são as de seguir e adotar a mesma conduta padrão de um grupo para se sentir pertencente a ele. Um exemplo disso é quando grande parte dos colegas de trabalho de um indivíduo começam a usar uma determinada rede social e ele passa a usar também como forma de se sentir integrado a esse grupo.

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Como lidar com o problema?

Ana Paula Prado salienta que o respeito às diferentes características das pessoas deve começar no anúncio na vaga. “Os empregadores precisam compreender que é preciso aprimorar pessoas, estrutura, contratos e tudo o que for necessário para que todo o time esteja em sua plenitude. Isso vai desde onde está sendo veiculada a vaga em aberto, porque ela também precisa ser plural e atender as necessidades desses grupos, e também deve se manter respeitosa e equilibrada até o final da jornada dentro da companhia”, diz.

Já para Carol é fundamental que, antes de qualquer ação prática ser tomada, seja assumido que todos os indivíduos carregam consigo algum preconceito. É algo primordial que deve vir antes da longa caminhada que teremos. Depois disso, é necessário criar um programa que reflita sobre os motivos que levam as pessoas a agirem dessa forma. Eles se encaixam com os valores pessoais e organizacionais que você gostaria de ter e transmitir para outras pessoas?”, sugere.

Outra atividade interessante é aplicar um teste de associação implícita. Por meio de algumas dinâmicas é possível mapear quais são os vieses e com feedbacks e ações ajudar o colaborador a ajustá-los. “É muito importante compreender quais são os vieses da empresa, assim eles podem ser destacados dentro dos valores da organização”, elucida a especialista.

No pacote de mudanças, reforçando o que disse Ana Paula sobre a tecnologia ser aliada, é importante que as empresas reavaliem as ferramentas que utilizam em suas dinâmicas de seleção. Marcelo Souza, CEO do Grupo Soulan e Country Manager da Thomas International no Brasil, esclarece que “com o apoio de ferramentas de avaliações psicométricas é possível focar no que há de melhor em um candidato ou em um profissional, de forma global”.

Uma pesquisa feita em 2017 pela Robert Walters revelou que 45% dos empregadores não enxergavam eficácia para atrair talentos com suas ferramentas atuais de recrutamento. 

“No processo seletivo, se o RH considerar apenas a experiência profissional, as chances de conseguirmos prever o desempenho de um profissional em um novo cargo ou função é de apenas 16%, enquanto ao lançar mão do uso de avaliações preditivas as chances sobem para até 65%. Além de reduzir os vieses inconscientes e aumentar a diversidade, o uso dessas ferramentas [de avaliações psicométricas] reduz o tempo e a energia gastos com processos seletivos, já que as chances de acertar na escolha do profissional que possui as características necessárias para obter o sucesso no cargo procurado é muito maior.”

O executivo destaca, ainda, que os processos seletivos, quando mal realizados, podem trazer sérios problemas à empresa não somente no que diz respeito à promoção de um ambiente diverso e inclusivo.

“Processos seletivos com falhas podem custar até 30% do salário anual da função para a empresa. Acrescente a esse prejuízo a disrupção que isso traz para a equipe e a empresa e você poderá imaginar o tamanho do problema. Selecionar o perfil correto para as vagas é um dos pontos críticos para o sucesso de qualquer organização que busca se posicionar de forma responsável com a diversidade em seus setores de atuação”, finaliza.

Por Bruno Piai