O primeiro mês do ano reserva uma atenção especial ao debate em torno de ações para melhorar a saúde mental das pessoas. Sob a tutela da campanha Janeiro Branco, diversas empresas e entidades aumentam o ritmo das iniciativas de conscientização sobre a importância de cuidar do bem-estar emocional, especialmente por conta do aumento das enfermidades mentais nos últimos anos.
Uma pesquisa recente da Vital Strategies e da Universidade Federal de Pelotas, revela que os índices de depressão, por exemplo, chegaram a 13,5% em 2022. Antes da pandemia, a taxa era de 9,6%. Além disso, segundo relatório de 2017 da Organização Mundial da Saúde, nenhum país do mundo é tão ansioso quanto o Brasil (9,3%) da população. E a OMS revela, ainda, que cerca de 12 mil pessoas tiram a própria vida anualmente em território brasileiro.
O panorama deixa cada vez mais evidente a necessidade do mundo corporativo se envolver nas discussões referentes à saúde emocional. Se, por muito tempo, as empresas não se viram obrigadas a ter um papel ativo para conscientizar, prevenir e auxiliar a tratar um problema tão pessoal e outrora tão estigmatizado, hoje a lógica é simples: companhias que não olham para a saúde mental perdem cada vez mais competitividade, capacidade de atrair e reter talentos e, consequentemente, passam a ser menos lucrativas, além de sofrer com afastamentos e índices de turnover acima da média.
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Ansiedade, depressão e Burnout no pódio
De acordo com uma pesquisa realizada pela VR, encomendada ao Instituto Locomotiva, a principal queixa de saúde mental detectada por empresas que relatam aumento de casos no período pandêmico é a ansiedade, que atinge 84% dos colaboradores. Na sequência estão depressão e Burnout, com 52% e 21%, respectivamente. A síndrome do pânico também foi consideravelmente citada, atingindo quase um a cada cinco colaboradores (19%).
Apesar disso, o mesmo estudo revela que apenas 12% das organizações possuem algum programa para lidar com enfermidades relacionadas à saúde mental. Entre as ações implementadas destacam-se programas de apoio psicológico (54%) e palestras sobre o tema (51%). Reduzir a jornada de trabalho e proporcionar dias de folga também estão entre as alternativas mais usadas pelas companhias.
Essa discrepância entre os altos índices de problemas relatados pelos trabalhadores e o número de empresas que estão preparadas para acolher seus colaboradores mostra que há bastante espaço para as companhias evoluírem nas iniciativas de saúde mental.
Para Juliana Alencar, CEO e Fundadora da W.G Weird Garage, as organizações efetivamente preocupadas com o cuidado emocional precisam, antes de criar iniciativas específicas, corrigir alguns gaps que fazem parte da rotina de trabalho. Falta de organização, ausência de alinhamento de prioridades, falta de preparo da liderança, inexistência de clareza, transparência e coerência nas informações, líderes que tentam ser super-heróis (não compartilham vulnerabilidades e não permitem que seus colaboradores também o façam) são alguns dos problemas citados por ela.
A executiva salienta que reconhecimentos atrelados ao que denomina “cultura de sofrimento” também contribuem para a saúde mental sofrer impacto negativo. “Seu time busca mais resultados ou esforços? Pelo que ele será reconhecido? Quando não há um reconhecimento claro por resultados, entramos na margem sombria da politicagem, fazendo com que os times percam foco no que interessa para focar em relações que não irão mudar o ponteiro da empresa e podem trazer uma insegurança dos que não têm uma proximidade tão grande com as lideranças (apenas por falta de empatia e sinergia)”, diz.
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Humor sob demanda
Uma pesquisa realizada pelo Empregos.com.br apontou que, nos últimos dois anos, houve um aumento de 49,4% no interesse das empresas em implantar ações de saúde e bem-estar na rotina de seus colaboradores. Segundo a plataforma, 1/4 das empresas afastaram de um a cinco funcionários por adoecimento mental nos últimos 12 meses.
Outro dado relevante foi trazido pelo Conselho Federal de Farmácia, que levantou que, entre 2017 e 2021, a venda de antidepressivos e estabilizadores de humor aumentou em 58% no Brasil. Para Alex Araújo, CEO da 4Life Prime Saúde Ocupacional, por mais que a pandemia não seja a culpada exclusiva dos casos de doenças emocionais, suas sequelas ainda permanecem.
“O isolamento social proporcionou diversas mudanças na rotina das pessoas. Uma das relações mais afetadas foi entre o trabalho e a vida pessoal, modificada, principalmente, com a utilização do home office como novo modelo de trabalho. Viver imerso em uma rotina, sem uma clara separação e com pouco contato humano, aumentou a quantidade de casos de ansiedade entre os colaboradores, prejudicando não somente a produtividade, como a vida pessoal dos mesmos”, explica.
Para Alexandre Valverde, psiquiatra da Unifesp e especialista em comportamento e doenças psíquicas, independente da causa ou do conjunto de situações que levam uma pessoa a desenvolver uma condição que afete sua mente, falta às organizações um olhar mais atento em relação à saúde psíquica trabalhador.
“A questão dos problemas psiquiátricos é que eles são problemas invisíveis. Eles não estão evidentes aos olhos e os efeitos prejudiciais que eles provocam acontecem a médio ou longo prazo. Estes efeitos estão manifestos nas ações, nas falas dos funcionários, e isso vai ter uma implicação direta na produtividade, na interação dessas pessoas com seus pares e também nos comportamentos de autocuidado e auto preservação desse indivíduo”, diz.
Valverde acrescenta que o estigma ainda existente sobre as doenças mentais, embora menor do que há alguns anos, contribui para a ausência do cuidado. “O que fica mais evidente para a empresa é que essa pessoa adoecida produz menos, ela não interage também com seus pares e passa a ser descuidada com ela mesma. Isso muitas vezes é avaliado pelo campo moral, pelo campo do julgamento. As pessoas têm pouca afinidade a pensar que esse tipo de dificuldade pode estar ligada a um sofrimento mental, embora essa cultura já esteja mais difundida”, salienta.
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Gestores precisam ser mais humanizados
Diante da “invisibilidade” das doenças, ponto trazido pelo psiquiatra, é fundamental, segundo ele, que gestores, RHs e lideranças enxerguem o colaborador além da produtividade. Um erro muito comum nas organizações pouco preparadas a lidar com problemas de saúde mental é optar pela demissão das pessoas ao invés de tentar entender o que, de fato, é o causador das enfermidades – especialmente nos casos de Burnout, quando sua responsabilidade é ainda maior.
“Não adianta só aproveitar o Janeiro Branco para colocar adesivinhos, falar dessa situação com mensagens de efeito sem ações efetivas de busca ativa de pacientes, de ações in loco com profissionais da área que façam ações tanto de psicoeducação quanto de avaliação e diagnóstico precoce e intervenção em equipes”, elucida.
Tanto que o aspecto financeiro, que costuma ser um “susto inicial” para as empresas que buscam investir em saúde mental, também é potencializada quando a prevenção faz parte da cultura do negócio. “Os custos podem se tornar elevados no sentido dos profissionais que vão estar envolvidos nessa psicoeducação, nessa avaliação dos funcionários, mas certamente é mais baixo do que o custo de turnover. Isso é uma informação da OMS: para cada dólar investido em tratamento de depressão e ansiedade, quatro dólares voltam para a economia”, acrescenta.
Para que as empresas possam ser mais assertivas em suas ações, Valverde recomenda a importância de difundir e divulgar materiais educacionais, contratar palestrantes, incentivar práticas de atividades físicas e motivar que os funcionários façam uma busca ativa para entender mais sobre o tema da saúde mental. Além disso, oferecer condições e remuneração justas de trabalho devem estar em pauta, pois são elementos fundamentais para o bem-estar.
“Estamos falando primeiro de salários adequados, porque os salários aviltantes que as pessoas recebem para trabalhar muito mais do que 40 horas semanais já predispõe a pessoa ao sofrimento mental, pois não há quem aguente trabalhar tanto e ainda receber um salário que mal consegue completar as contas das necessidades do mês. E temos que falar sobre isso, sim, porque essa questão das remunerações que não são adequadas levam a grandes níveis de sofrimento. Além dessa questão do reajuste salarial, a adequação das posições das pessoas às suas capacidades também é fundamental para a pessoa se sentir valorizada e reconhecida no trabalho dela”, orienta.
Por Bruno Piai