Perguntei ao meu avô, que em breve completará sua 92ª primavera, o que significava, nos tempos em que trabalhava, ser um líder. Ele, que passou a maior parte de sua carreira em fábricas e indústrias, com raízes fincadas em algumas delas, como manda o estereotipado manual do trabalho das gerações passadas, não teve a oportunidade de assumir uma posição de liderança, mas nem por isso deixou de lado o entusiasmo para responder à pergunta.

O que a gente mais queria era ser o chefe, o encarregado. Era uma posição de respeito. Tinha que ter muito pulso, era um trabalho duro, mas todos nós queríamos ter esse trabalho. Naquela época, lá pelos anos 1950, 1960, não se recusava uma chance de crescer, de ganhar mais. Fazia muita diferença. As pessoas te olhavam diferente dentro da empresa e fora dela também. Eu estava satisfeito com o que eu fazia, com o que eu ganhava, construí toda minha vida, nunca faltou nada, mas eu encararia o desafio se tivesse a chance.”

De 1950 para cá, o conceito de liderança evoluiu. Década por década, características específicas determinavam o que se considerava ser um “bom líder”, partindo da capacidade de influenciar até a liderança empática e humanizada que marca as discussões nos dias atuais. Todavia, diferentemente do meu avô, a ambição por ser líder, hoje, não é igualmente compartilhada pelos profissionais mais jovens, principalmente os da geração do momento no mercado, a Z.

Segundo um estudo realizado por Gorick Ng, consultor de carreiras de Harvard, não mais do que 2% dos profissionais nascidos entre 1997 e 2012 almejam ocupar cargos de liderança. Pensamento natural de quem ainda dá os primeiros passos na carreira ou tendência que pode gerar dores de cabeça aos gestores?

De acordo com outro levantamento, realizado em 2022 pela consultoria McKinsey, quase 31% dos jovens entre 18 e 34 anos deixariam de lado um cargo alto para poder ter mais flexibilidade e uma rotina “menos estressante”. Entre os profissionais acima de 35 anos, a taxa foi de 14%. Embora a estatística não seja tão “extrema” quanto a trazida por Ng, ainda assim, inevitavelmente, chama atenção.

“Os jovens estão mais interessados em encontrar um trabalho que se alinhe com seus valores pessoais e que tenham uma causa, além de proporcionar equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. Apesar de muitos jovens terem a ambição de crescer profissionalmente, a ideia de assumir um cargo de liderança, de alto nível, até pela questão da pressão, não é tão atrativa, inclusive pela visão que os mais novos têm de gerações anteriores”, explica Manoel Messias, Instrutor de GTD da Call Daniel.

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Não quero mandar

Para a psicóloga Denise Assunção, que antes de atuar em clínica teve dez anos de experiência em departamento pessoal e em recrutamento & seleção, o desinteresse por cargos de liderança não é somente um fator geracional – embora haja grande peso – mas também um aspecto que se potencializou nos últimos anos, principalmente por conta da pandemia da Covid-19.

“Principalmente após a virada do século, começaram a crescer os movimentos para mudar algumas dinâmicas corporativas. As gerações que chegaram ao mercado passaram a deixar um pouco de lado aquela visão do ‘trabalho acima de tudo’, do trabalho como o maior definidor de quem somos. E a pandemia potencializou muito isso. Porque se antes crescer na carreira era um propósito universal, com o salário sendo o grande fio condutor da jornada profissional, hoje você pode simplesmente concentrar sua atenção e esforços em ter qualidade de vida e bem-estar”, explica.

Pesquisa recente do Future Forum, da Slack Technologies, traz contornos ainda maiores para justificar o desapego com cargos de comando. O estudo, que entrevistou 10 mil colaboradores nos Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, Japão, Austrália e Alemanha, identificou que a média liderança é a área empresarial mais suscetível à ter Burnout. 43% dos gestores intermediários se dizem esgotados, enquanto 37% dos líderes sêniores se encontram na mesma situação.

Denise esclarece que, mesmo com os debates e ações empresariais em torno da saúde mental, as lideranças são, muitas vezes, deixadas de lado. Ou seja, elas e o RH têm a responsabilidade no fomento de iniciativas de bem-estar emocional para os colaboradores em geral, mas nem sempre são igualmente impactadas por elas.

“Mesmo no mais saudável dos ambientes, alguma pressão sempre vai existir, por menor que ela seja. Todo colaborador precisa entregar resultado e isso, mais do que naturalmente, é a ‘pena de Anúbis’ da balança corporativa. O líder tem uma responsabilidade ainda maior nessa entrega e nem sempre ele está preparado para isso. Muitos líderes não são minimamente capacitados para lidar com situações difíceis e com o impacto que eles têm tanto nos números empresariais como também na vida dos colaboradores. Um comentário mal feito pode colocar em xeque sua carreira e reputação”, pontua a psicóloga.

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Como tornar desejável um cargo de liderança?

Em artigo, Andréa Müssnich, coach, consultora e mentora de desenvolvimento de lideranças, destaca que as jornadas da liderança podem ir na contramão do equilíbrio entre vida profissional e pessoal tão buscada pelas novas gerações. Além disso, as redes sociais também contribuem para o aumento da pressão sentida.

“Com as redes sociais e a sociedade cada vez mais exigente, os jovens sentem-se sobrecarregados pela possibilidade de não corresponderem às expectativas, o que pode levar à falta de confiança em suas próprias habilidades”, elucida.

RH TopSync

Mayra Oliveira, supervisora de pessoas e cultura na G2, corrobora que o aumento do interesse está diretamente relacionado com o desenvolvimento de habilidades. Há um cartilha de skills a ser seguida pelo líder moderno, que vai desde as habilidades técnicas até todo um conjunto de skills comportamentais, que envolve comunicação, empatia, capacidade de engajar, tomada de decisões, entre outras. Com a necessidade de preparo ainda maior, as vagas para liderança podem causar um afastamento.

“Para isso, é essencial adotar uma abordagem flexível e inclusiva, oferecendo programas de desenvolvimento de liderança que se adaptem às suas preferências, como mentorias, rotações de emprego e projetos desafiadores. Esses elementos podem ajudá-los a adquirir habilidades gerenciais e a desenvolver seu potencial de liderança”, orienta.

Além disso, Mayra aconselha que as organizações busquem se adaptar às novas gerações. Em vez de se apegar a estereótipos para encontrar culpados, como reclamar do fato de que os jovens não têm o objetivo de passar anos no mesmo trabalho, é responsabilidade delas encontrar as melhores soluções para que talentos de todas as gerações queiram fazer parte do negócio e desempenhem da melhor forma possível enquanto assim o fizerem.

“Em suma, a preparar a Geração Z para se tornarem os líderes de amanhã dependerá de uma relação de via dupla, na qual os gestores experientes e que já percorreram o ‘caminho das pedras’ possam contribuir para a construção profissional destes novos profissionais, compartilhando conhecimentos, orientando esses jovens, e fornecendo insights valiosos sobre a carreira e o desenvolvimento profissional.”

Cultura de Feedback

Manoel Messias comenta que as novas gerações valorizam mais a colaboração e o trabalho em equipe do que a competição entre colegas. Por isso, e por suas crenças em relação ao quanto as empresas precisam melhorar suas políticas de diversidade e inclusão – além de oferecer possibilidades para que todos tenham possibilidades iguais de se destacar e crescer –, os cargos de liderança podem ser redesenhados para ser mais atrativos.

“Os cargos de liderança, hoje, precisam estar cheios de estresse e de sobrecarga? Os líderes mais antenados atuam de forma a ter mais qualidade em seu trabalho. Há treinamentos para isso. Esse é um líder atual. Os líderes que trabalham sob pressão e estresse estão ficando para trás. A nova geração, assumindo cargos de liderança – porque querendo ou não, isso vai acontecer – vai também conseguir atuar de forma diferente ao que se tem de referência do passado, trazendo uma nova remessa de líderes que fazem o negócio crescer e têm qualidade de vida”, finaliza.

Por Bruno Piai