Foi noticiada nas últimas semanas, por diversos veículos de comunicação brasileiros, a possibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) retomar no primeiro semestre de 2023 o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.625, referente à validade do decreto assinado em 1996 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Em linhas gerais, a decisão do ex-governante retirou o Brasil da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece regras para o encerramento da relação de trabalho por iniciativa do empregador. Um dos pontos “polêmicos” da convenção, responsável pela interpretação de que uma eventual posição do STF poderia culminar na impossibilidade de demissões sem justa causa, diz que um empregado não pode ser demitido sem “causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”.

“O objeto do julgamento vem sendo equivocadamente interpretado, uma vez que a questão em pauta não é a proibição da rescisão sem justa causa”, explica Jonathan Bueno, advogado especializado em relações do trabalho do Ricardo Trotta Sociedade de Advogados.

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O julgamento

A ADI 1.625 chegou ao Supremo em 1997. Proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores (CONTAG), a ação levou ao Tribunal a discussão sobre um presidente em exercício poder ou não suspender a adesão a um tratado internacional sem passar pela aprovação do Congresso Nacional.

Desde então, em decorrência de pedidos de vista do processo por parte de ministros, o julgamento foi adiado por 25 anos. Por tal, vale destacar que votos de ministros aposentados ou falecidos seguem tendo validade legal no processo. “Caso o STF decida que a revogação foi inconstitucional, a Convenção 158 da OIT poderia passar a valer no Brasil”, salienta Bueno.

Segundo Ana Carolina Vasconcelos, advogada trabalhista do escritório Marcos Martins Advogados, “na prática, se derrubado o veto presidencial da época, a convenção voltará a vigorar, ou seja, possivelmente, a demissão unilateral, sem justa causa, por meio do empregador, deverá ter ‘causa justificada’, seja de ordem econômica, técnica ou mesmo de desempenho, por exemplo”.

Ainda assim, a especialista explica que uma eventual decisão contrária ao veto não impediria que as organizações continuassem promovendo desligamentos sem justa causa.

“Importa dizer que a demissão ‘sem justa causa’ ou demissão unilateral, regularmente prevista na nossa constituição e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não deixará de existir mesmo se derrubado o veto presidencial, mas o empregador necessitaria evidenciar o motivo do desligamento, o que não necessariamente fundamentaria uma justa causa.”

Portanto, ainda que possivelmente exista a necessidade de uma causa justificada para demissão unilateral, a modalidade do desligamento não sofreria qualquer tipo de alteração, “nem os direitos já previstos aos funcionários, como o seguro-desemprego, ou mesmo a multa de 40% sobre o saldo do FGTS, até pelo fato da demissão por justa causa já estar regulada pelo artigo 482 da CLT, com rol taxativo”, elucida.

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Ao longo das duas décadas e meia, os ministros Nelson Jobim, Dias Toffoli e Teori Zavascki reconheceram a constitucionalidade da medida. Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa, por sua vez, votaram a favor da queda do veto imposto por FHC. Maurício Corrêa e Ayres Britto votaram para que o Congresso analise a validade do decreto, enquanto André Mendonça, Gilmar Mendes e Nunes Marques ainda não proferiram seus votos.

“Todavia, entre tantas especulações, não há nada sedimentado, pois ainda que a revogação da convenção 158 da OIT seja julgada inconstitucional, para que não se crie inseguranças jurídicas, a sua aplicação possivelmente será condicionada a modulações, que só virão com o julgamento do STF, que deve acontecer ainda no primeiro semestre deste ano”, finaliza Ana Carolina.

Por Bruno Piai