Nesta época de alta intensidade de redes sociais parece haver uma necessidade exacerbada de arrebanhar seguidores por meio de alter-egos exuberantes e perfeitos denominados ‘top-voice’ , ‘top-influencer’, ou algo semelhante.

É apenas mais uma expansão do modelo de negócios da vitrine pessoal, porém expandido e intensificado à potência de um vírus.

O mundo da liderança é especialmente fértil para ser o receptáculo de uma miríade de mensagens destas figuras explicando como se tornar um grande líder, afinal, presumivelmente, é algo que a maior parte dos trabalhadores em algum grau deseja.

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A estética dominante é semelhante ao marketing de um supermercado ou de uma cadeia de lanchonetes. Ao que parece basta escolher uma frase curta, colocar em letras garrafais, emoldurar com cores brilhantes, e assinar com seu nome em uma fonte descolada, para tornar uma obviedade em um aparente grande ensinamento.

Exemplos não faltam:

  • “Pessoas apaixonadas fazem o impossível acontecer”,
  • “Líderes não cuidam de resultados, líderes cuidam de pessoas e pessoas geram resultados”,
  • “Seja totalmente acessível, você é um líder, não um astro”,
  • “Todo mundo tem a semente do sucesso dentro de si”, e por aí afora.

De alguma maneira os algoritmos atiçam nossa mente a ponto de termos vontade de ler uma única frase e acreditarmos que de fato pode haver alguma ‘bala de prata’ que nos levará adiante como líderes.

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Isto seria apenas um tema das redes e marcas pessoais, não fosse o transbordamento deste modo de abordar o desenvolvimento de lideranças para as empresas. Este modelo mental simplista e intelectualmente desonesto acaba percolando pelas estratégias e orçamentos de RH e ao final reforça (talvez de forma sub-consciente) uma forma desbalanceada de desenvolvimento de lideranças que privilegia a formação de competências individuais.

Líderes  treinados em determinadas competências serão capazes de conduzir as equipes no sentido desejado. Embora pareça a fazer sentido, competências individuais são uma condição necessária, porém não suficiente, para uma atuação coerente da liderança. 

O que é a coerência da liderança?

De modo direto significa que o impacto esperado da ação da liderança é viabilizar a estratégia (almejada) praticando a cultura (desejada). E isto não será alcançado apenas por meio de competências individuais.

O ambiente em que a liderança atua tem um papel fundamental. Práticas, processos, forma de reconhecimento, autonomia de decisão, a maneira de avaliar desempenho e potencial, tem um peso enorme na maneira como a liderança atua.

Somos seres movidos e condicionados pelo meio em que atuamos, e a força destes motivadores do ambiente é suficientemente grande para arrastar e enviesar competências de liderança individuais ensinadas com boas intenções. Em muitos casos o desalinhamento entre a experiência real das práticas percebidas no ambiente organizacional e a teoria das competências de liderança ensinadas gera um estado de desorientação e desgaste mental para os indivíduos envolvidos, uma bipolaridade perniciosa.

Um exemplo bastante simples a título de ilustração: a empresa propaga a colaboração como pilar de sua cultura e treinamentos, entretanto os bônus são concedidos por meio de avaliação de metas individuais.

Para uma empresa do século XX orientada pela crença mecanicista, e que tem como alvo funcionar como uma máquina – um relógio em que cada peça tem seu lugar na engrenagem – a liderança é executora, e deve fazer a máquina funcionar (vejam como as denominações “executivos” e “funcionários” ganham sentido adicional).

Já para uma empresa do século XXI, orientada pela crença no organismo que precisa se adaptar dadas as crescentes mudanças no contexto competitivo, a liderança deve ser inspirada e guiada pela necessidade de transformar o própria sistema em que opera.

Se não for a liderança a efetuar a transformação da organização, quem será?

Por isso é necessário que as organizações, em especial as lideranças que almejam construir um RH estratégico de fato, se dediquem a um processo de design intencional do ambiente de liderança.

Isto exigirá que se busque alinhamento entre o contexto competitivo (desafios estratégicos, competências essenciais, objetivos) por um lado, e o contexto de cultura (princípios, visão de mundo, propósito) por outro.

Exigirá que se discuta o significado e o impacto das práticas, processos, politicas e estruturas até que se encontre uma solução provavelmente única, própria, inovadora e de altíssimo impacto para o desenvolvimento da organização. Serão soluções que impulsionarão de maneira coerente a ação da liderança. 

A armadilha do líder inspirador que habita o universo de slogans simplistas e frases motivacionais carentes de significado pragmático poderá custar muito caro para empresas que não estejam aptas a compreender, desenhar e implementar sua própria visão coerente de liderança. 

O risco da memeficação da liderança nas empresas

Por Marcos Thiele, sócio da Adigo Consultoria é formado em  engenharia de produção pela Escola Politécnica da USP, mestre em administração pela Faculdade de Economia e Administração da USP. Atuou por mais de 18 anos como executivo de grandes instituições financeiras globais, nas áreas de tesouraria, riscos, finanças, planejamento e estratégia. Coordenou projetos institucionais de integração pós-fusão/aquisição, assim como projetos de transformação de larga escala. 

Ouça o PodCast RHPraVocê Cast, episódio 106, “Segundou” na “força do ódio”: o humor chega aos perfis corporativos” com Raphael Palazzo, criado e administrador da página Entrevistamento. Clique no app abaixo:

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Capa: Deposithphotos