De acordo com um estudo realizado pelo Cegos Group, empresa internacional de T&D, para 75% das organizações brasileiras o racismo é a discriminação mais comum nos negócios do país. O levantamento, nomeado “Diversidade & Inclusão no local de trabalho: os desafios de habilidades de uma transformação cultural”, foi feito com 4 mil funcionários e profissionais de RH de sete países, entre eles o Brasil.

O tópico discriminação em geral foi listado como o problema mais presente na arena profissional. No Brasil, além do racismo, 42% dos participantes manifestaram que se sentem ofendidos por conta de opiniões políticas e 37% alegaram que julgamentos contra a aparência física também são recorrentes no mercado de trabalho atual.

Por outro lado, 83% dos stakeholders brasileiros sabem que o corpo social de sua organização reflete a diversidade da sociedade. Apesar da estatística, de acordo com Arthur Diniz, CEO da Crescimentum, empresa de educação corporativa especializada em liderança e parte do Cegos Group, mesmo com as políticas públicas já existentes a comunicação contínua sobre inclusão precisa ser melhorada.

“Diversidade e inclusão é um conceito estrutural que exige urgentemente uma transformação cultural e social. As organizações que não se atrevem ou não sabem como compreender essas questões perderão a essência, especialmente se não levarem em conta as expectativas e demandas da geração Z”, salienta.

Empresas precisam reagir contra o racismo

Com uma representatividade de 55% da população brasileira, homens e mulheres negras ainda enfrentam vários desafios para conquistarem a equidade necessária nos postos de trabalho. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) apresenta alguns números que reforçam essa condição.

No segundo trimestre de 2021, o número de pessoas brancas ocupadas em cargos de direção era o dobro das negras. Além disso, enquanto 6,4% dos homens brancos lideravam equipes, 1,9% eram negros. Entre as mulheres, proporção semelhante: 5% das mulheres brancas em cargos de gestão contra 1,9% de mulheres negras.

Por outro lado, esforços conjuntos do setor empresarial estão atuando para promover mudanças positivas quanto à equidade racial no país. Uma das iniciativas é o Pacto de Promoção da Equidade Racial, projeto que tem objetivo de implementar um protocolo ESG (Environmental, Social and Governance – Ambiental. Social e Governança) racial no Brasil. O objetivo central é incentivar a adoção de ações afirmativas por parte das empresas participantes, em relação aos trabalhadores(as) negros (as).

ESG três letras para o futuro

Ainda assim, apesar da diversidade, da equidade e da inclusão serem temas cada vez mais debatidos social e corporativamente, os desafios ainda são maiores do que os avanços. Priscila Fonseca, técnica de desenvolvimento profissional no Senac São Paulo, salienta que um dos fatores que justifica tal cenário está nas empresas ainda reproduzirem uma estrutura social marcada por desigualdades e pelo racismo estrutural.

“Ainda que modestamente, algumas iniciativas buscam ser mais igualitárias, diversas e inclusivas. Por exemplo: empresas que elaboram programas de contratação específicos para pessoas negras, que adotam cotas raciais para além da obrigatoriedade legal, que oferecem programas de mentoria e aceleração de carreira para funcionários/as negros/as”, argumenta a especialista.

Em meio ao panorama, a especialista reforça que é necessário o desenvolvimento de um trabalho consistente de educação antirracismo, o que pode não apenas promover importantes impactos sociais, como também trazer ganhos expressivos às organizações, uma vez que boas práticas de inclusão estimulam a participação coletiva, a descoberta, atração e manutenção de bons talentos e a melhora do ambiente organizacional.

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O RH tem o seu papel

A técnica de desenvolvimento profissional pondera que ações de combate à discriminação racial podem e devem ser desenvolvidas em parceria entre os setores do negócio. “Para implementar um trabalho de educação antirracista com foco na equidade entre os funcionários e, essencialmente, promover uma cultura de igualdade racial, cujo valor ‘diversidade’ é vivenciado e valorizado na corporação”, diz.

O trabalho conjunto pode reunir as seguintes questões: elaboração de uma política de diversidade e inclusão, estabelecimento de metas para contratação e formação de lideranças entre os profissionais negros, adequação da comunicação interna entre os colaboradores e a externa, na busca de talentos pretos e pretas, suporte à saúde física e mental do trabalhador, entre outras. 

As ações educacionais e afirmativas são fundamentais para a conquista de resultados, em termos de cultura organizacional e conscientização da equipe. Na avaliação da representante do Senac São Paulo, espaços até então ocupados por uma grande maioria branca começam a ser concorridos por grupos diversos e compreender que isso não é caridade, e sim oportunizar cada vez mais, que as equipes sejam plurais e com isso tenham alta capacidade de inovação, minimiza possíveis conflitos e fomenta o trabalho colaborativo entre os grupos”. 

Outro fator importante é a formação de uma cultura organizacional que privilegie e valorize a diversidade. As lideranças e o RH são fontes genuínas de inspiração para suas equipes. A diversidade precisa ser percebida, sentida, vivenciada como um valor nas organizações.

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Na prática

Em prol da construção de um ambiente de trabalho antirracista, a Nestlé Brasil – que marcou presença em um episódio sobre no luto no RH Pra Você Cast – lançou em junho o 1º Letramento Racial para seus colaboradores. A iniciativa traz conceitos e temas pertinentes ao debate sobre o combate ao racismo e reflexões que devem se transformar em ações, valorizando a igualdade, a equidade e a representatividade. A ideia foi motivada por um dos grupos de afinidade da empresa, o Nesblack, e representa o pilar Raça dentro da companhia, em parceria com o centro de competência de Diversidade e Inclusão.

“Essa iniciativa pretende desconstruir formas de pensar e disseminar conhecimento e conceitos que façam as pessoas refletirem sobre o quanto é preciso caminhar para termos igualdade e representatividade”, destaca Helen Andrade, head de Diversidade & Inclusão na Nestlé Brasil.

São quatro vídeos que impactam pelo poder dos depoimentos, por trazer à tona conceitos reais de quem atua no combate ao racismo, mas também por convidarem quem assiste a absorver aquele conteúdo e parar para pensar em como é importante falar sobre a questão racial. “Todo o conteúdo foi produzido por quatro colaboradores da Nestlé que integram o Nesblack. Eles deram voz a temas que precisam extrapolar muros e fóruns e serem levados a todos os colaboradores. Isso é disseminar não só conhecimento e reflexão, mas também atuar para que sejam multiplicadores dessas questões”, complementa Helen. 

A iniciativa foi lançada ao público interno por meio de uma live que contou com a exibição do vídeo “Afinal, o que é o viés racial” e que fez um convite para que os colaboradores refletissem sobre atitudes inconscientes, formas de pensar e de agir, que muitas vezes resultam de hábitos e atalhos mentais que impactam em julgamentos e atitudes sobre raças específicas, em especial, negros. A apresentação foi de Valdir Nascimento, gerente executivo de Marketing Cafés.

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Antirracismo presente na cultura organizacional

A efetividade das propostas de educação antirracismo dependerá do nível de maturidade das organizações a respeito da diversidade. Sendo assim, é preciso entender como o assunto é percebido pelos gestores e equipe de recursos humanos da empresa. 

Para iniciar um levantamento do cenário organizacional, Priscila Fonseca sugere a elaboração de um “checklist prático” e que auxiliará a equipe de RH a ter uma compreensão de como está o assunto internamente. Confira:

– A organização que você trabalha tem colaboradores/as negros e negras nos diversos níveis hierárquicos, na mesma proporção que essa população representa na sociedade? 

– Os/As profissionais negros e negras passam por processo de seleção e recrutamento que lhes garante a mesma oportunidade dada aos profissionais brancos? 

– As pessoas brancas da sua organização se reconhecem como pessoas brancas racializadas? 

– Compreender com os funcionários qual o nível de conhecimento sobre fatos históricos da escravidão no Brasil e o que entendem por racismo estrutural.


Uma das pautas mais importantes do momento, a diversidade estará em discussão no TopRH Sync 2022. O evento, gratuito e online, contará com dezenas de palestras comandadas pelos indicados ao 25º Top of Mind de RH. Serão quatro dias de muito conteúdo entre os dias 15 e 18 de agosto. Saiba mais em https://toprhsync.com.br/ e faça agora mesmo a sua inscrição.

TopRH Sync - Gratuito, evento traz quatro dias de palestras 'escolhidas' pelo RH


Tão importante quanto fomentar um ambiente diverso é contar com gestores preparados para gerenciar as demandas do ambiente organizacional. Desse modo, o entendimento sobre racismo requer estudo e trocas com outros profissionais. Outra consideração relevante é a criação de comitês corporativos, que podem atuar como multiplicadores de uma cultura organizacional diversa. 

“Sem sombra de dúvidas, comitês, grupos, equipes ou qualquer outro nome que possamos utilizar, são uma das estratégias para o processo de conscientização dos funcionários e gestores. Pensar estratégias para transformar vulnerabilidades em potencialidades deve ser a ideia central de quem pensa e trabalha diversidade. Mas, tão importante quanto a criação do comitê, é absorver suas demandas, pautas e endereçar de forma proativa suas propostas”, finaliza.

Por Bruno Piai