Quem trabalha com clientes sabe o quanto um feedback faz toda a diferença. Se em um passado não tão distante a fidelidade do público com as marcas era moldado pela qualidade dos produtos e serviços oferecidos, hoje tais fatores compartilham espaço com a demonstração de seus valores e de seu propósito, interna e externamente. Com o poder da internet em mãos, o consumidor é mais participativo e envolvido com a marca – para o bem ou para o mal – e não abre mão de ser ouvido. Realidade semelhante, dentro das particularidades envolvidas, é vivida pelas atuais lideranças.

Esqueça o líder impositivo, centralizador de decisões e que não enxerga além das metas e dos resultados. No mercado de trabalho atual, a humanização é quem dá as caras para que os líderes possam construir equipes engajadas, saudáveis e, consequentemente, mais produtivas. E torná-la parte do ecossistema corporativo de seu negócio é um dos grandes desafios do líder moderno. Para isso, ouvir o time é parte crucial do processo.

De acordo com a 21ª edição da pesquisa Carreira dos Sonhos, realizada no primeiro trimestre do ano com mais de 117 mil pessoas, sentir que é ouvido(a) foi a resposta mais citada sobre como um bom líder deve proceder para sua equipe se sentir apoiada. Em seguida, os participantes pontuaram que a oferta de autonomia no lugar do microgerenciamento, o apoio em situações difíceis e a compreensão em torno do que precisa ser desempenhado são pontos importantes para o sucesso no exercício da função de líder.

Segundo a especialista em comunicação e professora Vivian Rio Stella, fundadora da VRS Academy, os líderes do século XXI não podem abrir mão da capacidade de ouvir as pessoas. “O gestor precisa ouvir não só com os ouvidos, mas perceber o ambiente, participar das atividades da organização, circular por diferentes setores, falar com diferentes pessoas. É uma forma de exercer uma liderança mais humanizada e menos no pedestal”, diz.

Vivian Rio Stella

Vivian Rio Stella, especialista em comunicação corporativa e fundadora da VRS Academy

Para Patrícia Ansarah, master trainer e sócia fundadora do Instituto Internacional em Segurança Psicológica (IISP), o líder moderno também precisa fomentar uma cultura participativa e de aprendizado, estabelecendo dinâmicas transparentes e objetivas que integrem seu estilo de liderança. “O líder contemporâneo precisa saber ouvir, estar disponível para falar de seus erros e aprendizados, ter uma comunicação direta. Precisa saber estabelecer limites, dar feedbacks com foco no aprendizado e estabelecer relações seguras onde a confiança prevaleça”, afirma.

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Liderança em crise?

As dicas das especialistas visam mudar um preocupante cenário da liderança no Brasil. Por mais que as novas skills dos líderes sejam cada vez mais exigidas pelas empresas locais, a mudança de postura e, principalmente, de cultura, não ocorre do dia para a noite.

Pesquisa da universidade PUC/MG com 500 grandes organizações brasileiras mostra que o país enfrenta uma crise de gestão corporativa. Os dados divulgados em março revelam que 75% dos executivos entrevistados ainda se veem como “superpoderosos” e promovem gestão autocrática, sem espaço para a colaboração dos liderados.

Diante dos números, Vivian alerta que o formato de liderança ainda “tradicional” no Brasil vai na contramão do que os liderados consideram o ideal. Segundo ela, o líder contemporâneo forma sucessores, desenvolve talentos, gera resultados, cria espaços de troca, inovações e contribuição, enquanto Patrícia acrescenta que líder é alguém que facilita as relações, direciona o alcance das metas com clareza de papéis e responsabilidades.

Patrícia Ansarah, uma das fundadoras do IISP

Patrícia Ansarah, uma das fundadoras do IISP

“O líder que está num palco, arrastando multidões já não faz mais sentido na gestão moderna, e sim o líder que constrói conexões, abre espaços e inspira pelo exemplo”, ressalta Vivian, que complementa: “O líder que ainda mantém uma visão egocentrada, de segregação e não de cooperação e colaboração, pode ter funcionado num certo momento da cultura organizacional, mas hoje em dia não funciona mais”.

Patrícia avalia que o gestor ideal é focado nas pessoas e não no processo, dá voz à equipe e leva em conta diferentes opiniões para engajar e aumentar o nível de colaboração. “A boa dica é aproximar-se da equipe e estabelecer práticas e rituais que aumentam os vínculos, a confiança mútua e promovem um ambiente psicologicamente seguro”. As especialistas indicam, ainda, que a melhor maneira para um executivo gerir problemas é entender do negócio, tendo em vista a estratégia, a cultura da empresa, e envolver diferentes stakeholders (clientes, comunidade, colaboradores) nas decisões.

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Não é só humanizar

Que o líder precisa ser humanizado e versátil, você já sabe. Contudo, as expectativas em torno da liderança do futuro vão além e é fato que nem sempre atendê-las é uma tarefa tão simples, especialmente quando problemas pessoais e pensamentos negativos também integram a equação, o que consequentemente escala o desafio da missão.

“Nesses momentos se faz imprescindível o autoconhecimento. Quanto mais o líder desenvolver a habilidade da adaptabilidade e o seu coeficiente emocional (QE), mais fácil será contornar tais situações”, explica Greice Ciarrocchi, especialista em Relações Humanas e CEO da CCS Tecnologia e Serviços SA, empresa de aço.

A executiva esclarece que a liderança do futuro requer habilidades e competências diferenciadas, como a capacidade de inovar, a criatividade, o poder de adaptabilidade e também o autocontrole das emoções. “Grandes comandantes se destacam por saberem gerenciar as pressões que tal cargo demanda, usando-as como trampolim para alavancar suas ideias e projetos, juntamente com sua equipe”, salienta.

Greice Ciarrocchi, especialista em Relações Humanas e CEO da CCS Tecnologia e Serviços SA

Greice Ciarrocchi, especialista em Relações Humanas e CEO da CCS Tecnologia e Serviços SA

O mercado busca um líder que esteja consciente do seu propósito, do quanto seu estado emocional impacta positivamente ou negativamente as pessoas ao seu redor. “Ele tem a obrigação de ser melhor a cada dia, pois impacta muitas pessoas, além do negócio que está liderando. O ego e as vaidades sempre existirão, mas o líder do futuro é capaz de tirar o foco de si próprio, e se conectar verdadeiramente a um propósito maior”, ressalta Greice, que, junto com o vice-presidente da CCS, Ricardo Perez, criou o Treinamento NEXT – O Próximo Estágio da Liderança, projeto que busca treinar líderes com o que o futuro precisa: consciência, valores e humildade, para que, assim, eles possam mudar o mercado e o mundo ao seu redor.

Por fim, o líder tem que escolher ser o protagonista, assumindo os riscos e os projetos de frente. “Quando seu time não performa bem, ele deve se colocar como responsável pelo resultado e não procurar culpados e nem desculpa. Afinal, são as falhas que mostram ao time onde precisam ser feitas as melhorias”, aponta a empresária.

Capa: Via Depositphotos

Por Bruno Piai