A humanização das empresas é uma tendência natural em todo o mundo com o objetivo de gerar mais qualidade de vida e, consequentemente, engajamento entre os colaboradores. Tornou-se um desafio constante dos recursos humanos, especialmente com a chegada da pandemia da Covid-19, transformar as corporações em locais de trabalho onde a abertura é o padrão para a comunicação, a voz do colaborador é ouvida e os integrantes de cada equipe se sentem significativos e conectados.
Flexibilidade de horários, reuniões de feedback, home office, folga no dia do aniversário, mesa de bilhar, happy hours, trabalho com saúde mental e levar o pet para o trabalho são algumas características de organizações que se preocupam com atração de talentos e buscam firmar uma relação mais humana com os profissionais. Como qualquer processo de mudança de mindset dentro de uma corporação, no entanto, a prática exige cautela, pois realizada sem equilíbrio pode causar o efeito inverso do desejado, prejudicando a produtividade dos profissionais.
A especialista em desenvolvimento humano Susanne Andrade, autora do livro “O Segredo do Sucesso é Ser Humano”, explica que embora concentrar-se nos aspectos humanos seja fundamental para que os colaboradores se sintam valorizados, as empresas precisam tomar cuidado para não pecar pela humanização por si só, perdendo o foco do resultado. “Isso pode fazer com que a produtividade dos colaboradores caia, ou colocar em risco o limite entre o que é vida profissional e o que é vida pessoal. Esses dois aspectos devem ser integrados, mas não misturados”, destacou.
O RH Pra Você conversou com Susanne e desvendou os segredos de um processo de humanização bem sucedido. Confira:
RPV: Você é especialista em humanização dentro das empresas, mas vem enfatizando os cuidados em relação ao tema. Tem visto muitos casos em que o processo de humanização seguiu um mau caminho dentro das empresas? Quais são os principais erros cometidos?
Susanne: Eu não diria que conheço um processo de humanização que seguiu um mau caminho. Escuto muitas pessoas falando que muita humanização vai prejudicar a empresa. Eu, na verdade, não vejo humanizar demais como algo prejudicial. Eu diria que o que pode prejudicar é ter falta de equilíbrio nesse processo. A humanização pode acontecer de forma inadequada e pode causar alguns erros. Um deles é esquecer qual o propósito de estar fazendo algum tipo de trabalho, esquecer qual é o fim. É preciso manter o foco nos resultados e lembrar que não dá para ficar na diversão pela diversão.
As pessoas precisam entender que isso tudo faz parte de um amadurecimento, de desenvolvimento pessoal que vai impactar nos resultados também. É importante ter um processo de humanização que potencializa o autoconhecimento, como um programa de meditação na empresa, ajudando o ser humano a se conhecer mais e encontrar o equilíbrio para trazer mais resultados.
Outro ponto que também considero um erro é começar o processo de humanização e parar no meio do caminho, pois gera frustração, perde credibilidade. Se não for dar uma continuidade, dar uma devolutiva para as pessoas e realmente implementar algo, não vai adiantar. Eu mesma já me frustrei em empresas que começaram de alguma forma o processo e desistiram. Essa prática é uma nova forma de fazer o trabalho em busca de mais resultados, cuidando das pessoas no meio do caminho.
Esquecer de fazer um trabalho de conscientização para que as pessoas sejam protagonistas e assumam mais responsabilidades eu também considero um erro. Isso porque, se eu sei que vou ter um espaço no meu trabalho em que posso me divertir um pouco, preciso ter maturidade para isso. Já vi empresas com um espaço para se socializar, como um bar, em que alguns funcionários misturavam a vida pessoal com a profissional e bebiam demais. Por isso, é preciso realizar um trabalho de conscientização junto com os profissionais.
RPV: Como a humanização realizada de forma inadequada pode prejudicar as empresas?
Susanne: Hoje a humanização virou modismo, em função das startups, que realmente têm sucesso e atingem resultados. Há empresas que têm crescido exponencialmente por terem em sua essência a humanização e às vezes aparecem com um outro nome, como colaboração ou ambiente de confiança. Há organizações que querem copiar só a parte da “diversão junto com o trabalho” e levar como modelo. Desta forma, não dá certo, pois não mexe na cultura da empresarial.
Já fui fazer trabalho em instituições que apresentam puffs ou jogos para as pessoas se divertirem e percebemos que não tem ninguém nos puffs nem usando os jogos, porque não existe um alinhamento daqueles materiais com a cultura do lugar. E realmente não funciona, já que em alguns casos a pessoa vai usar o jogo e é chamada atenção ou a liderança fecha a cara. Ou seja, não tem um alinhamento de propósito. Se o trabalho for realizado sem isso, fica sem sentido.
Isso não se aplica somente a jogos e atividades. Existem casos em que líderes falam que os funcionários precisam ser mais colaborativos, pelo simples fato de estar na moda. Mas, na prática, a gestão é por conflito, em que os profissionais se jogam um contra o outro, atuando em forma de comando e controle, ao invés de ter uma liderança mais humanizada. Então, não adianta eu dizer que vou realizar a humanização na minha empresa só por uma questão de marketing. Quando acontece dessa forma, realmente não tem resultado. Os decisores precisam estar alinhados com todo o time, precisam caminhar no sentido único de um propósito em comum.
Humanização aplicada de forma inadequada pode prejudicar a empresa com despesas desnecessárias, com investimento em equipamentos ou até em treinamentos para a equipe e, na hora da prática, o funcionário quer trabalhar com mais colaboração, mas não consegue, pois a cultura da empresa não permite. A pessoa fica remando contra a maré. Com isso, ocorrem expectativas sem retorno, frustração entre as pessoas, perda de credibilidade, desmotivando os colaboradores. Além disso, pode causar o rompimento da relação de confiança que, uma vez rompido, prejudica os resultados da empresa.
RPV: E quando bem-sucedida, o quanto processos mais humanizados contribuem a favor dos profissionais e do negócio?
Susanne: Trabalhando a mudança de mindset dos profissionais, é possível ter humanização em sintonia com o resultado. As pessoas começam a entender que a humanização não é antagônica em relação ao resultado, e sim um caminho para ele, em que os profissionais ficam mais engajados.
Existe uma melhoria no relacionamento tanto com clientes, como internamente na equipe, ou seja, aquelas empresas que proporcionam a humanização ficam com um clima maior de felicidade. E o mais importante: empresa é movida por resultados, então, tem mais agilidade na entrega e aumento de produtividade, já que os funcionários estão mais motivados.
RPV: Como deve ser realizada a humanização de maneira adequada?
Susanne: O primeiro passo é entender o propósito de realizar cada ação, cada intervenção. É importante que este propósito esteja relacionado aos resultados. Conforme já pontuei, a empresa é movida a resultados e a humanização é um caminho importantíssimo para trazer este resultado. Ter foco em pessoas, foco nos relacionamentos e na forma das pessoas trabalharem. É isso que eu trago no livro “O Poder da Simplicidade no Mundo Ágil”, pois quando falamos de um Mundo Ágil, as pessoas acham que é um mundo de correria, mas é o contrário. É um mundo em que se dá foco nas pessoas, na forma de se trabalhar e esse é o caminho para trazer resultados mais rápidos em menor tempo. Eu tenho um método que aborda esses pontos e desenvolve habilidades nos profissionais a partir de sete passos:
- Identificar o propósito;
- Investir na inteligência emocional tanto do profissional como da empresa e estar atento a desenvolver essa inteligência;
- A importância de assumir o protagonismo;
- Construir ambiente colaborativo;
- Importância da liderança acontecer de forma humanizada;
- A importância de flexibilizar e inovar;
- Encantar os clientes.
É isso que eu considero uma nova atitude mental, em que as pessoas alimentam o dia a dia com felicidade. Todos ganham nesse processo. Tanto os profissionais como as empresas.
Por Bruno Piai