Depois de um primeiro dia bastante agitado, o Congresso Nacional de Gestão de Pessoas (CONARH) manteve o ritmo e ofereceu um segundo dia de evento recheado de boas atrações. O começo foi com a palestra magna “Grandes Mudanças, ampliando horizontes na capacitação e gestão de pessoas”, ministrada pelo vice-presidente do CONARH, Marcelo Pirani, que trouxe ao palco o norte-americano Scott Cawood (capa), CEO da WorldAtWork.

Scott abriu a discussão destacando o quanto as disrupções provocadas pela Covid  fizeram com que a velocidade de desenvolvimento de várias áreas, como a econômica, desacelerassem. Em contraponto, porém, o impacto corporativo da pandemia, apesar dos pesares que não podem ser ignorados – como os casos de contaminação -, criou valor fazer a transformação digital avançar. “O que antes precisava de oito, dez anos para caminhar, foi acelerado para menos de 1 ano, como a vacina em tempo recorde. Velocidade é o diferenciador”, pontuou o americano.

Tal velocidade também se faz presente no RH. Cawood  salienta que as mudanças digitais aceleraram processos de contratação, de feedback e principalmente de tomada de decisão. Uma vez que as dificuldades vão sendo superadas e os processos se tornam mais digitais e dinâmicos, a área pode fazer trabalhar a humanização de forma mais concreta. Ou seja, é possível ter um trabalho mais humano ao mesmo tempo que a tecnologia dá as caras. 

Além disso, Cawood destacou que “o mundo mudou e foram criadas novas formas de se fazer as rotinas de trabalho funcionarem”. O home office e o modelo híbrido flexibilizaram a visão de que tudo deve ocorrer em um escritório ou espaço corporativo. Tais mudanças, segundo ele, geraram um grande impacto no rendimento das pessoas e o que o RH tem que fazer é tirar o melhor delas enquanto desenvolve estratégias que potencializem a qualidade de vida.

Ao decorrer do papo, o norte-americano citou o exemplo do “salto alto” para falar sobre gerências que impõem regras que não levam a um propósito definido. “Em uma pesquisa foi compartilhado que uma empresa exigia das suas recepcionistas que elas usassem um salto alto de 3 cm. “Certo dia, uma das funcionárias, infeliz com a regra, questionou seu chefe e recebeu como resposta que era a política da empresa e não tinha como mudar. Mas no que tal política contribuiria?”. Depois do impacto da Covid-19 na saúde mental e na felicidade dos colaboradores, Cawood deixou claro que as organizações precisarão repensar modelos e regulamentos previamente estabelecidos.

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As relações mudaram

O CEO da WorldAtWord ressaltou que as pessoas, cada vez mais, estão aprendendo que relacionamentos digitais são tão importantes quanto os presenciais e que a relação entre funcionário e chefe está mudando significativamente. Se antes, a comunicação poderia ser um problema, inclusive envolvida por receios, hoje os empregados se posicionam cobrando da sua liderança ações que extrapolam o âmbito profissional e entram no social.

Os CEOs que procuraram pôr em prática iniciativas para trabalhar o social tiveram um ganho de 40% a 60% de engajamento dos seus colaboradores, de acordo com pesquisas trazidas pelo executivo. Ainda sobre, uma pesquisa da WorldAtWork identificou que 67% das pessoas que buscam um emprego procuram um empregador que tenha valores semelhantes aos seus.

Mesmo com as mudanças que os últimos anos trouxeram, nem todos os negócios podem ser movidos a distância. Ainda assim, é importante as companhias pensarem em novas estratégias para não perderem o seu poder de atração. Nos Estados Unidos, empresas como como o Bob’s, o Giraffas e o Habib’s estão dando algumas recompensas para as pessoas retornarem a trabalhar presencialmente. Alguns dos benefícios são: pagamento diário; auxílio creche; assistência aos idosos; benefícios e trabalhos voltados à saúde mental, entre outros. Programas de associação educacional, programas de mentoria e investimento em ambientes inclusivos também se tornaram mais comuns.

Outro ponto abordado durante a palestra foi uma das “discussões da moda”: será que estamos perdendo espaços para robôs e inteligências artificiais? Para Scott Cawood, a resposta é sim, e também não. “Teremos uma grande mudança com a automação, o que fará com que muitas possam acabar perdendo os seus empregos, mas outros serão criados. Chegamos a um ponto de nossas vidas no qual é difícil dizer que algo não é impactado pela automação. Algumas das habilidades humanas atuais serão substituídas pelo trabalho das máquinas, mas haverá a exigência para que as pessoas aprendam novas”, pontua.

Para ele, o RH é quem estará à frente das transformações do presente e do futuro do trabalho, especialmente no que diz respeito à criação de programas de capacitação alinhados com as novas necessidades. Cawood salienta que “nunca houve melhor momento para estar na área de RH como hoje, embora isso dependa, claro, da cultura organizacional dos negócios. Empresas inovadoras, vibrantes e saudáveis sempre terão os melhores talentos do mercado”.

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Novas habilidades para uma nova era do trabalho

A segunda palestra acompanhada pelo RH Pra Você, desta vez uma das simultâneas do evento, trouxe como tema “Upskilling, Reskilling e Lifelong Learning”. O papo foi comandado pela vice-presidente de RH da Latam Puratos, Danielle Arraes, e contou com as presenças do Diretor Geral da Thales no Brasil, Luciano Macaferri Rodrigues, e da gerente de Programas de Recrutamento de Diversidade, Equidade e Inclusão – América Latina no Google, Lisiane Lemos.

Lisiane - CONARH

Lisiane, listada na Forbes Under 30 de 2017 como uma das profissionais mais bem sucedidas, trouxe um pouco de sua vivência para destacar a importância das pessoas buscarem sempre se atualizarem, aprendendo habilidades novas e reforçando seus pontos fortes e aqueles que precisam ser melhorados.

Vinda de uma família inteira de educadoras, a executiva é formada em advocacia, ciência e tecnologia, mas encontrou no RH – mais especificamente no recrutamento e no trabalho com diversidade – o seu lugar. “Para me tornar dona de minha carreira, cheguei a conclusão que é necessário estudar, estudar e estudar”. Para ela, uma das melhores formas de aprender e desenvolver skills é quando, ao mesmo tempo, se ensina outras pessoas. Ela ressaltou, também, que para saber quais habilidades desenvolver e o que deve ser priorizado, é fundamental criar o hábito de fazer networking para nunca perder de vista “para onde o mercado está indo”.

Macaferri, por sua vez, relatou que a empresa francesa Thales, por trabalhar com as mais diversas tecnologias, de satélites a submarinos, cartões de créditos e cibersegurança, já tem em sua cultura interna o embasamento de que o profissional moderno precisa estar preparado para o futuro. O Diretor Geral declarou que existe uma grande carência de profissionais no ramo da tecnologia por conta da falta de capacitação de pessoas. Para ele, a aprendizagem precisa se adaptar às mudanças. “O aprendizado não é linear, é expositivo”, afirmou.

Luciano Macaferri

Os dois palestrantes concordaram que precisa existir uma motivação para as pessoas em um médio a longo prazo de tempo, para focar no que cada indivíduo prefere para si. E que a função do RH é, também, saber perguntar e fornecer diversos canais e plataformas para que as pessoas possam ter acesso à aprendizagem. A dupla expôs que os líderes precisam se inteirar e se envolver por inteiro nas culturas, sinais e símbolos que são entregues a cada um.

“Aprendemos a aprender durante a pandemia. Não devemos mais contar somente com um modelo de ensino, mas adaptá-lo para cada pessoa. É importante que ela tenha alternativas e meios para aprender”, elucidou Luciano.

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Por dentro do mundo BANI

A próxima palestra que nos chamou a atenção, intitulada “Liderança: O impacto da liderança e o Mundo BANI”, foi guiada pelo sócio e chief da Escola do Caos, Alberto Roitman. Os convidados foram o consultor em diversidade Paulo Rogério Nunes, e o norte-americano Jamais Cascio, autor, escritor e um dos futuristas mais influentes do mundo.

O Mundo BANI é uma forma de entender a estrutura de um mundo de caos. A sigla representa Brittle, Anxious, Nonlinear and Incomprehensible (Frágil, Ansioso, Não linear e Incompreensível) e está, de fato, ligada a uma estrutura caótica.

Os palestrantes iniciaram o papo com a provocação de como é necessário se pensar em como a tecnologia pode ser importante tanto para o bem quanto para o mal. A concepção de um “mundo caótico”, segundo Cascio, está entre o que pode, ao mesmo tempo, causar um grande impacto positivo e um perigo extremo, um cataclisma. O futurista usou a questão do clima como exemplo para falar sobre a necessidade das empresas começarem a mergulhar fundo em questões que não envolvem só a sobrevivência do negócio, mas a sobrevivência como um todo.

Jamais Cascio é considerado um dos principais futuristas do mundo e marcou presença no CONARH

Cascio, em tom dividido entre o moderado e o alarmista, alertou que embora a conexão das pessoas em um mundo cada vez mais virtual seja comum, os perigos não podem ser ignorados. “Como uma doença, conceitos e ideais nocivos se espalham, mas não podemos ignorar o fato de que a conexão das pessoas pode se tornar uma rede de esperança; Tudo depende de um coletivo para proporcionar opiniões, gestos e ações positivas para a sociedade”.

O escritor também falou sobre o impacto das IAs. Ele citou como exemplo em sua abordagem o mito de John Henry, considerado o “mais forte de todos os trabalhadores”, até surgir a ferrovia. Henry apostou uma corrida com a máquina e no começo até estabeleceu certa vantagem, mas não resistiu ao esforço que precisou fazer e acabou por falecer. A moral da história? Na corrida entre a automação e o trabalho humano, a raça humana eventualmente perderá. “E isso é inevitável, infelizmente”.

Atualmente, segundo ele, vivemos o “longo presente”, no qual temos pessoas trabalhando em casa, conquistando bons benefícios e obtendo conforto diante das facilidades digitais. Entretanto, existe uma parcela de profissionais que realizam trabalhos extremamente perigosos e que ganham apenas centavos por eles. “Nem todos os trabalhos serão felizes, alguns impactam diretamente a alma. O prognóstico da perda de empregos e automação de máquinas pode causar algo perigoso, como reforçar ainda mais o poder na mão de poucas pessoas”.

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Dentro disso, o ‘BANI’ é o mundo que estamos hoje, cerceado pela estrutura de caos que favorece alguns grupos e prejudica drasticamente outros. Entretanto, segundo os palestrantes, há quatro pilares importantes que podem ajudar a minimizar o impacto do conceito: resiliência, empatia, improvisação e intuição. Temos também como lidar com o BANI nos preparando para o inesperado, reconhecendo e compartilhando a nossa humanidade, permitindo fazer escolhas melhores e selecionando o que será melhor com o tempo”, acrescentou Nunes.

Rogério Nunes

O consultor de diversidade elencou pontos importantes aos quais as lideranças devem se atentar. Entre eles está a criação de políticas empresariais concretas pensadas para engajar o líder e seus liderados. “O saber aprender é importante, mas temos que entender que o não saber não necessariamente é algo ruim e que a liderança inspiradora tem que ter um norte”, destaca Rogério, que completa: “O foco deve estar nos mais vulneráveis. A diversidade precisa ser notada”.

Fotos por: Helcio Nagamini / Argosfoto

Por Felipe Guerra Conte