Que as soft skills estão em alta no mercado de trabalho atual, não é novidade. Segundo uma pesquisa realizada pelo palestrante Andrea Iorio, 82% das empresas estão cientes de que há gaps entre as habilidades técnicas e emocionais que precisam ser superados. Somente 42% delas, porém, contam com treinamentos especialmente voltados às soft skills.

O dado que mais chama a atenção, contudo, é que para 93% dos RHs as habilidades emocionais dos candidatos já são consideradas um diferencial. Ou seja, não é incomum encontrar processos seletivos nos quais elas já sejam mais valorizadas do que as skills técnicas.

Apesar do hype, é inevitável que, para muitos profissionais, haja uma preocupação. Será que é tão simples desenvolver habilidades comportamentais? Enquanto a técnica é potencializada com treino e repetição, as soft skills parecem exigir aquele “algo a mais”, uma “humanização” durante o processo de aprendizagem. Ainda assim, desenvolvê-las não tende a ser tão complexo.

Separamos abaixo algumas das soft skills mais procuradas pelo mercado e algumas dicas para fortalecê-las sem que haja dependência exclusiva de treinamentos corporativos. Vamos a elas:

1 – Resiliência

Uma das “queridinhas” das listas de soft skills, a resiliência, muitas vezes, tem o seu conceito deturpado. Ser resiliente não significa ser alguém que deve “engolir sapos”, mas sim ter a capacidade de tomar boas decisões mesmo em circunstâncias difíceis. Ou seja, uma pessoa resiliente deve buscar se superar diante dos problemas e não deixar se abater por eles ou perder a confiança em si mesma acreditando que não será capaz de superá-los.

“Para desenvolver a resiliência é necessário buscar ultrapassar obstáculos ao invés de deixá-los de lado. O desenvolvimento da habilidade exige gerenciamento do estresse e se potencializa quando há propósito envolvido. Em outras palavras, um ponto de partida, principalmente se você não for tão resiliente, é buscar lidar com obstáculos dentro de contextos que te deixam mais à vontade antes de partir para aqueles que o tiram da zona de conforto”, explica a psicóloga Bárbara Lima.

Atividades físicas e cognitivas auxiliam a fortalecer a resiliência. A especialista explica que a chave da resiliência é a insistência. “Se você gosta de um jogo, busque gerenciar seu estresse e seja autoconfiante para ultrapassar as fases que parecem impossíveis. Tente quantas vezes forem necessárias. Se você tem um problema, faça uma reflexão assertiva sobre quais opções você tem para superá-lo. Trabalhe a mente para que a ansiedade não supervalorize o problema”, diz.

Praticar esportes regularmente, ter hábitos saudáveis como uma dieta equilibrada e um sono regulado, e meditar são algumas ações que ajudam a gerenciar o estresse, a tomar melhores decisões e a liberar hormônios diretamente ligados à felicidade, assim ajudando a aumentar o foco.

Veja mais: Você sabe o que é e para que serve a resiliência?

2 – Empatia

Tentar enxergar algum problema alheio sob a ótica de quem o enfrenta é uma característica importante para compreender emoções e sentimentos e assumir uma postura de apoio às pessoas. Ter empatia é algo que, hoje, não pode faltar para um líder ou para um gestor.

De cara, não é possível desenvolver a habilidade se o indivíduo não se abre para entender que problemas que não são seus são, também, problemas reais. Igualmente negativo é entrar no mérito de “competir”, o famoso “isso não é nada, há pessoas que vivem adversidades piores”.

“Caso você ainda não tenha adquirido essa habilidade ao longo de sua vida, não precisa se sentir frustrado(a), pois ninguém ‘nasce empático’. A boa notícia é que a empatia pode ser desenvolvida através de alguns passos”, salienta a psicóloga Maria Cláudia Martins.

Empatia - soft skills

Para ela, três ações ajudam a fazer com que as pessoas sejam mais empáticas. A primeira delas é o mindfulness (ou atenção plena), que remete a técnicas corporais e emocionais que vão desde meditação, respiração, dieta e postura até estratégias de equilíbrio entre responsabilidade e lazer para trabalhar o fortalecimento da mente.

A segunda é a criação do hábito de não julgar. “Mantenha-se alerta para não rotular o outro e busque compreender os sentimentos que o incomoda. Existe uma infinidade de variáveis que fazem com que a gente não saiba o suficiente sobre a situação de outra pessoa a ponto de sermos capazes de julgá-las”, elucida a especialista que possui MBA em Gestão de Pessoas.

Já a terceira dica é a escuta ativa. Maria Cláudia explica que se trata de um método eficiente e claro de dialogar. “Dessa forma, o ouvinte é capaz de compreender e assimilar verdadeiramente tudo o que está sendo dito pelo interlocutor. Às vezes o silêncio grita. Se, cognitivamente, entendemos como funciona a capacidade de prestar atenção e deduzir os estados afetivos e emocionais dos outros, percebemos a necessidade de ser observador e de compreender seus estados emocionais de maneira imparcial e sem julgamentos. Não julgar é difícil e requer prática e uma vigilância constante de seus pensamentos”, orienta.

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3 – Criatividade

A criatividade é aquela habilidade que muitos acreditam que não se desenvolve, mas que se nasce com ela. Quem nunca se surpreendeu com a capacidade das pessoas em criar melodias, pratos, invenções, esportes, tecnologias e outros tantos afins, não é mesmo? Pois bem, ser criativo, tanto na vida pessoal quanto profissional, é algo que todos podem alcançar.

“Ser criativo é ser capaz de enxergar situações de ângulos novos, de conectar entre si ideias à primeira vista não relacionadas e de encontrar soluções para problemas complexos”, diz Bruna Ruschel, instrutora de criatividade e design na Udemy.

De acordo com ela, para quem busca ser uma pessoa mais criativa, algumas técnicas podem ajudar. Primeiramente, é importante investir no conhecimento e nas experiências. “A criatividade não pode ser gerada a partir de um quadro em branco, por isso é importante estar sempre aprendendo”. Se uma pessoa tem o hábito de ler, assistir filmes, séries ou novelas, ela tende a ser mais criativa ao elaborar histórias. O mesmo vale para quem se habitua a cozinhar, uma vez que conhecer novos sabores estimulará diferentes misturas. Procurar “sair da caixa” e estar em diferentes contextos ajuda a florescer novas ideias.

Outra recomendação da instrutora é a organização de brainstormings e a prática de networkings. São mecanismos que abrem a mente para novos pensamentos. “Além disso, o encontro para criar entre vários funcionários possibilita que ideias diferentes sejam fundidas numa só, o que pode ser muito valioso”, diz. Não é à toa, por exemplo, que tanto se prega a importância de ter times diversos e inclusivos, já que a pluralidade de perfis estimula diferentes idealizações.

Por fim, Bruna destaca a importância de se trabalhar a flexibilidade. Assim como existem algumas atitudes que ajudam os profissionais a exercitar a criatividade, existem outras que atrapalham. “Pensar que já se sabe o suficiente, restringir-se a apenas um tipo de conhecimento, ser preconceituoso, escolher sempre a primeira solução e ser inflexível são algumas delas”, comenta.

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4 – Ética

Há diversas atribuições existentes ao conceito de “ser ético”. Em linhas gerais, a ética trata do bem-estar coletivo, da capacidade de agir pensando não só em si mesmo, mas também no todo. Recentemente, por exemplo, a Johnson Controls foi eleita pela 15ª vez uma das empresas mais éticas do mundo pelo instituto Ethisphers. 

“Respeito, integridade, diversidade, inclusão e sustentabilidade estão no centro de nossa cultura e por trás dos valores de nossa empresa. Nosso compromisso de sempre fazer a coisa certa é o que estimula o engajamento e a produtividade dos colaboradores que buscam impulsionar o desempenho do negócio”, afirmou George Oliver, presidente e CEO da Johnson Controls.

Para Bárbara Lima, a ética não é uma característica por si só, mas um conjunto que, quando somado, a forma. “Você é considerado ético se for leal, honesto, respeitoso, empático, etc. São várias habilidades em uma só. Para se tornar o que a sociedade chama de ético, há um contexto envolvido. Há quem considere ético auxiliar na alimentação de pessoas em situação de rua, enquanto outros acreditam que a postura ética seria fazer exatamente o contrário para que eles busquem alternativas para sair das ruas – como se fosse tão simples assim”, aponta.

O desenvolvimento da ética depende da postura adotada. Um líder ético precisa ser imparcial, confiável e responsável a ponto de cumprir as normas do negócio e seguir os valores estabelecidos. “É importante estar alinhado com o time e ter uma conduta que não privilegie um em relação a outro. Ser um líder humanizado não significa ser um líder parcial. A ética passa pela autocrítica e ela é desenvolvida nas experiências que temos ao longo da vida. Recomendo até mesmo terapia para ajudar nesse processo, pois não é necessário que uma pessoa perca sua essência para ser ética sob a visão alheia. Cada um tem a sua própria ética e é importante compreender o quanto ela impacta coletivamente”, diz a psicóloga. 

Veja mais: Como promover a ética no ambiente de trabalho?

5 – Lógica

Existe um certo “estereótipo” que rivaliza a lógica e a criatividade. Enquanto a segunda é mais “floreada”, a primeira remete à objetividade, a ir direto ao ponto. Segundo a psicóloga Nilce Freitas, não é bem assim.

“Pensando na alavanca profissional e na realização de um bom trabalho de liderança, pessoas criativas precisam ser lógicas e pessoas lógicas precisam desenvolver sua criatividade. Um apoia o outro e ambos estimulam o cérebro a pensar de forma mais assertiva e ágil na busca por soluções de fato eficientes”, elucida.

Lógica - soft skills

A especialista explica que a lógica está mais ligada à racionalidade e que deve ser constantemente treinada. “Leitura, escrita, palavras cruzadas, quebra-cabeças, resolução de testes e jogos de tabuleiro ou eletrônicos ajudam a potencializar o raciocínio lógico. Entretanto, engana-se quem acredita que a capacidade lógica é melhorada somente com estímulos à mente. É mais do que necessário ter os hábitos de fazer exercícios físicos, se alimentar bem e descansar. Propriedades específicas de diversos alimentos mais o aumento do fluxo sanguíneo obtido pela prática de atividades físicas ajudam a melhorar a memória, o raciocínio e, consequentemente, a capacidade lógica de quem a treina”.

6 – Oratória

Falar em público com tranquilidade e fazer apresentações sem deixar com que o nervosismo tome conta são metas desejadas por uma parcela significativa de profissionais. De acordo com uma pesquisa do Programa de Pós-graduação em Ciências Fonoaudiológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), quase 60% dos estudantes universitários brasileiros têm medo de falar em público. Medo este que, em alguns casos, se torna uma fobia.

“A única diferença entre chegar cheio de medo para uma apresentação em público ou pensando com alegria que a plateia quer te ouvir é a preparação e oratória. Esse não é um dom de alguns, e sim uma habilidade que todos podem desenvolver”, conta Sirley Maciel, professora de oratória e presidente do Instituto Intrepeds. Segundo a especialista, oito passos podem fazer a diferença para lidar com o problema.

– Demonstre confiança, determinação e alegria! Na postura, nos gestos, na expressão fisionômica e na voz. Tudo com muita naturalidade e espontaneidade. Lembre-se: o momento é seu. Dê o seu melhor!

Tenha controle e consciência sobre seus movimentos. Não deixe os movimentos involuntários, tiques e cacoetes tomarem conta de você. Controle a emoção e conseguirá controlar as reações fisiológicas.

– Deixe os gestos acompanhar a fala naturalmente. Não prenda as mãos, não coloque elas nos bolsos e não use muletas. Deixe-as livres; elas sabem o que fazer!

Veja mais: Oratória é um desafio extra para os executivos

– Cuide com a sua voz, projetando, articulando bem as palavras. Atenção para o ritmo adequado de fala. Nem rápido nem lento, mas, com emoção.

– Respirar com consciência e qualidade. A respiração é fundamental para a produção adequada da fala e para o autocontrole.

– Fuja dos vícios de linguagem como, “só, né”, “tipo” ou “né?” entre outros.

– Aposte no storytelling e crie uma narrativa lógica e coerente. Essa técnica é a melhor maneira de ensinar ou passar algo ao público sem que pareça uma aula maçante.

– Interaja com seu público! Olhe nos olhos e faça perguntas, mesmo que seja difícil no começo. Com a boa oratória, o público irá cooperar.

Oratória - soft skills

“Não ter medo e saber controlar o discurso, a estrutura, a voz e o comportamento, é a chave para o seu sucesso. Todos conseguem com a prática, mesmo os que acreditam serem tímidos”, finaliza Sirley.

Além disso, a psicóloga Nilce Freitas estimula que as apresentações sejam anteriormente treinadas em frente a pessoas de confiança. “Não improvise. Treine, tenha noção do que vai ser dito e peça feedbacks sinceros às pessoas que podem te ajudar. Falar em público é uma habilidade que um líder não pode deixar de ter. Em casos sérios, principalmente nos quais o medo é, na verdade, uma fobia, é muito importante procurar auxílio psicológico e/ou psiquiátrico”, finaliza.

Por Bruno Piai