Às vezes me pedem para analisar um currículo ou ajudar na preparação de um. Nessas últimas solicitações, enquanto me dedicava na elaboração de algo criativo, um pensamento, vindo do nada, chegou à minha mente: “por que escrever somente sobre os conhecimentos aprendidos e aplicados nas nossas experiências vividas no passado? Por que não colocar também as nossas expectativas de crescimento pessoal e profissional que não foram atendidas devido à cultura da empresa anterior, imaturidade da sua liderança ou a falta de recursos para a realização de um trabalho correto? Por que não escrever um complemento do que se deseja viver no futuro? Por que não verificar se há coerência entre o que se viveu, o que gostaria de ter vivido e o que se espera viver? Entre o que foi, o que poderia ter sido e o que poderá vir a ser?”

Mantive o silêncio e foquei minha atenção! Permaneci olhando internamente as imagens que aquele pensamento queria me dizer! Repassei palavra por palavra e depois as sentenças e tentei vislumbrar que representações, sentimentos e sensações elas produziam em mim!

Permaneci imaginando quantas pessoas seguiram por um caminho quando na verdade queriam trilhar outro! Quantas encontraram um ambiente desfavorável para o seu crescimento! Quantas foram subvertidas por mentes manipuladoras! Quantas empresas perderam a oportunidade de terem excelentes profissionais em seus quadros! Teria sido falta de oportunidade? Imaturidade? Submissão? O acaso? Descaso? Ou pouco caso?

Que força interior nos faltou neste momento para se tomar uma decisão de mudança em escrever nosso histórico de uma forma diferente! Motivação? Iniciativa? Coragem?
Pergunto se este não seria um momento único em que permitiríamos a nós mesmos desenhar nossas vidas? Livres de pressões e interferências, cujo resultado cabe só a nós avaliar? Foi bom? Não foi bom? Não importa tanto o resultado, importa que fizemos uma escolha, inconsciente ou consciente e, ao fazê-la, ganhamos experiência.

Os erros de decisão em nossas escolhas só têm sentido de benefício se eles produziram em nós um aprendizado!

Porém, ao levarmos esta reflexão para a parte prática das relações humanas caberia a simples pergunta: “quais empresas estão interessadas em receber informações sobre nossas vidas que não sejam técnicas?”

As empresas ainda estão muito preocupadas em contratar conhecimentos e práticas que lhes permitam ter e organizar as habilidades que lhes darão capacidade de concorrer no mercado. No entanto, se o contexto mudar, como mudou com a pandemia, tais habilidades poderão não mais serem suficientes para manter sua competitividade sendo necessário buscar no mercado outros profissionais com outras habilidades para que a empresa continue operando e assim será até que o contexto mude novamente! Exagero?

Voltemos à elaboração dos currículos! As empresas ao divulgar uma oportunidade de emprego normalmente pedem para o candidato informar suas capacidades e experiências técnicas que estejam em sintonia com a posição em referência. Também solicitam informações sobre capacidades específicas, importantes para estar na função, como se comunicar em uma outra língua ou dominar determinadas tecnologias. Não raramente, mencionam a importância de o candidato apresentar os famosos soft skills!

Mas, o que são soft skills?

O termo surgiu em 1972 em manuais de treinamento das forças armadas dos Estados Unidos que mencionavam a importância de humanizar os militares para que eles pudessem prestar um melhor serviço com foco no cidadão.
O interessante é que o termo continua sendo usado até hoje e, mesmo tendo passado tanto tempo, as listas de soft skills mudaram muito pouco desde a elaboração da primeira, feita para atender os desafios do contexto da época. No entanto, os hard skills mudaram profundamente neste mesmo período. Imaginem, então, a imensa lacuna desses soft skills comparados com os contextos atuais que vivemos, que são incrementados por velocidade, tecnologia, complexidade e incerteza?

Precisamos de um outro conceito em que tais soft skills se constituam em redes neurais ativas, que guardam uma memória viva de conhecimentos adicionados de comportamentos, alimentados por pensamentos e sentimentos conscientes, abstraídos dos valores que regem a vida, e que constroem atitudes de aprendizado que se sustém através dos desafios de mudanças que alteram os contextos que definem a realidade objetiva. Complicado?

Chamamos este potencial conceito de capacidades humanas duradouras que são atributos humanos que são demonstrados independentes de contextos. São a fonte da capacidade dos trabalhadores de realizar atividades e criar resultados que gerem valor de maior nível para si mesmos, suas organizações e os ecossistemas em que participam.

Como todos os trabalhadores possuem essas capacidades, que são inatas e independentes do contexto, elas se multiplicam quando eles realizam atividades e criam resultados que proporcionam valor.

Além disso, muito do que as organizações percebem como alto potencial e alto desempenho se deve à força relativa dessas capacidades. Essa força, que é o resultado da combinação entre o indivíduo, a natureza do seu trabalho e do seu ambiente.

Essas capacidades não expiram e podem ser nutridas e fortalecidas com a prática, experiência e exposição. Por outro lado, sem nutrição, elas podem atrofiar. É por isso que seus pontos fortes variam diferentemente entre as pessoas.

Ainda, são recursos que não estão vinculados a tarefas específicas, prazos ou resultados. Novamente, vale a pena frisar: são demonstradas independente do contexto! Algumas delas se nos apresentam como criatividade, resiliência, empatia, curiosidade, criação de significados entre vários outros atributos.

A diferença entre as capacidades humanas duradouras e o soft skills é que enquanto a primeira junta as experiências emocionais em uma cadeia de aprendizados que impulsiona cada vez mais os seres humanos na conquista de virtudes, o soft skills, tal com é hoje, reside apenas na existência de comportamentos desconectados entre si e o contexto onde estão presentes, e que são vividos mais por sua definição do que por uma experiência sentida na própria essência.

No livro “Imunidade à Mudança” os seus autores Robert Kegan e Lisa Laskow Lahey, afirmam que após vários estudos feitos por renomados psicólogos se concluiu que quando queremos mudar, e o ingrediente principal de nossa mudança é conhecimento, do tipo hard skills, basta estudarmos este conhecimento para aprendê-lo e utilizá-lo em nossas vidas. Já quando o fundamento de nossa mudança é um comportamento, não será possível assimilá-lo somente através do conhecimento, mas sim de um processo de adaptabilidade que nos permita vivenciá-lo emocionalmente até que ele se incorpore à nossa consciência e transcenda a nossa habitual biblioteca mental.

Mas, voltemos a elaboração do nosso currículo! Tenhamos em mente que hard skills se aprende e que soft skills se vive! Então, ao termos a oportunidade de refletir sobre nossas vidas, procuremos introduzir na nossa biografia não só o que aprendemos tecnicamente, mas também o que vivenciamos em nossa experiência e deixou marcas indeléveis em nossa consciência. Permitir que no momento de nossa reflexão de quem somos possamos encontrar nossas mais preciosas forças para nos ajudar na difícil travessia entre o material e o essencial!

E estejamos preparados, na medida em que temos a oportunidade de estarmos frente à frente com o nosso entrevistador, de considerar expor nossa opinião sobre as capacidades humanas duradouras e como elas são relevantes no contexto empresarial, das relações humanas, da capacidade de entregar resultados, contribuir com a sociedade, fortalecer vínculos familiares e de amizades e, mostrar, que os verdadeiros e longevos valores humanos já estão dentro de cada um de nós bastando um justo ambiente de trabalho para potencializá-los!

Os líderes responsáveis nas empresas pela aquisição de talentos

de capacidades humanas duradouras e todas as informações que eles receberem abordando o tema serão muito bem vindas, mesmo porque a disseminação de sua natureza será de grande valia para a formação de sua linguagem na sociedade e apoio ao seu desenvolvimento.

Por Vicente Picarelli, sócio-diretor da Picarelli Human Consulting. É um dos colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.