Um levantamento recente realizado pela Intelligent, revista online destinada a universitários, chamou atenção ao identificar alguns padrões de comportamento de jovens estadunidenses durante processos seletivos. Entre eles, um dado que levantou debates nas redes sociais foi a presença de ao menos um dos pais nas entrevistas de emprego, prática adotada por 20% dos recém-formados.

Para a especialista em Recursos Humanos e Recrutamento & Seleção, Fernanda Lopes, para avaliar se a ação é positiva ou negativa, é necessário entender os diferentes contextos envolvidos.

“Ao mesmo tempo que assuntos como saúde mental e bem-estar são tão amplamente discutidos, ainda existem tabus quando falamos de apoio emocional. O senso comum nos leva ao pensamento estigmatizado de avaliar o jovem atual como ‘fraco’, pouco resiliente, despreparado para a ‘realidade do mercado’, entre outras visões preconceituosas. Se um parente ou amigo tem disponibilidade para acompanhar um candidato e isso contribui favoravelmente, por que criar um problema em torno disso?”, questiona.

Só não pode exagerar

Apesar de ter uma visão favorável à presença de acompanhantes, Fernanda salienta que é preciso criar alguns limites. Em sua experiência, ela diz já ter enfrentado situações nas quais os pais fizeram questão de participar das entrevistas, chegando a falar mais do que o próprio entrevistado.

“É entendível a preocupação dos pais para que tudo dê certo, mas o processo seletivo é uma etapa na qual eles precisam entender até que ponto seu envolvimento é saudável. Já passei por casos de familiares estressados por não participarem da entrevista em si, pois eu não permito que o papel de acompanhar chegue a tal ponto, uma vez que já o fiz e o pai ou a mãe falou mais que o candidato. A intenção deles é boa, que fique claro, mas muitas vezes isso acarreta em mais pressão e nervosismo para o candidato. Isso pode mais atrapalhar do que ajudar de algum modo”, explica.

Temos um problema

A pesquisa da Intelligent revelou que quase metade dos jovens entrevistados tinha dificuldades para conseguir fazer contato visual com o recrutador. Parcela semelhante não se vestia de maneira adequada para os “padrões esperados” em uma jornada de seleção.

Fernanda destaca que um recrutador que faz a diferença não tem apenas o papel de avaliar, mas também de educar, especialmente quando se fala de candidatos que ainda não têm experiência corporativa. Além disso, o impacto da pandemia da Covid-19 não pode ser deixado de lado.

“O home office pode ter sido a única experimentação corporativa de muitos novos profissionais. Você trabalha online, faz reuniões a distância, fala com as pessoas sempre por telefone, mensagem ou aplicativos. Isso contribui para que algumas dificuldades se potencializem quando os mais jovens encaram uma entrevista presencial. Por isso bato na tecla que o recrutador tem que educar e dar feedbacks, independentemente de contratar ou não aquele candidato. Isso vale para a questão do contato visual, para o dress code, etc.”, diz.

Sobre os feedbacks, o relatório mostrou que os recrutadores não estão muito felizes com a assimilação da Geração Z dos Estados Unidos. 58% destacaram que alguns jovens são incapazes de receber avaliações, pois têm problemas com sua habilidade de comunicação e se sentem ofendidos com facilidade.

Cultura de Feedback

Mais ação, menos demonização

Fernanda elucida que, em diversas ocasiões, o público jovem tem a si atribuídos problemas que, na verdade, são dos recrutadores. Para ela, muitos profissionais não se preparam para atender as novas gerações – e até mesmo as mais velhas – e por isso mergulham em estereótipos para justificar eventuais fracassos.

“A cada nova geração que entra no mercado, adaptações precisam ser feitas, isso é regra. E isso é bom. Imagine se estivéssemos buscando skills de uso de máquinas de escrever. Só que quando os jovens trazem a sua visão de mundo, seus anseios, os líderes, recrutadores e empregadores se sentem desconfortáveis. Então é mais fácil criticar, achar razões para dizer que ‘eles mal chegaram e já querem sentar na janela’, do que de fato integrar suas ideias, entender como as mudanças podem impactar favoravelmente.”

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O levantamento foi realizado em dezembro de 2023 com 800 gerentes, diretores e executivos envolvidos em contratações.

Por Bruno Piai