De acordo com o Ministério da Saúde (MS), hoje, no Brasil, é estimado que cerca de 920 mil pessoas vivem com o HIV (vírus da imunodeficiência humana). Todavia, apesar da estatística, o assunto não somente é, ainda, estigmatizado e até mesmo tratado como um tabu na sociedade, como também pouco dá as caras no mercado de trabalho, seja nos programas de diversidade & inclusão ou em campanhas de conscientização. Do mesmo modo, o desconhecimento sobre a questão causa dúvidas relacionadas aos direitos dos profissionais com HIV e/ou AIDS.

Combatendo o desconhecimento

Antes de tudo, é importante ressaltar que ter HIV não necessariamente significa ter AIDS. A doença representa o estágio mais avançado da infecção pelo HIV. Pessoas soropositivas podem viver anos com o vírus sem apresentar qualquer sinal da doença. Independentemente do cenário, toda e qualquer pessoa com HIV e/ou AIDS têm seus direitos e obrigações previstos na legislação brasileira. No entanto, a falta de informação aliada ao preconceito muitas vezes não garante que os direitos sejam respeitados.

Pensando nisso, em prol da informação e da conscientização o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, a Unaids, a AHF Brasil e a Tauil & Chequer Advogados elaboraram a cartilha “Direito de Profissionais que vivem com HIV/AIDS”, lançada neste ano para orientar pessoas que vivem com HIV sobre direitos garantidos pela Constituição. 

A cartilha é um importante guia para as empresas saberem como lidar com o tema. O documento esclarece alguns dos questionamentos referentes aos direitos trabalhistas dos profissionais soropositivos. Um dos principais diz respeito à poder ou não demitir o público em questão. Assim como no caso de outras doenças, o colaborador não pode ser demitido pelo fato de viver com HIV/AIDS. “A Constituição Federal prevê a proteção da relação de emprego contra demissão arbitrária ou sem justa causa e a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão de profissionais vivendo com HIV/AIDS”, explica o documento.

De acordo com a publicação, a demissão motivada pela existência do vírus ou da doença pode ser caracterizada como discriminatória. A discriminação contra pessoas com HIV/AIDS faz parte de uma lei especial em vigor desde 2014. “Negar emprego ou trabalho, exonerar ou demitir de cargo ou emprego, segregar no ambiente de trabalho ou divulgar a sorologia de quem vive com HIV/ AIDS com o intuito de ofender sua dignidade humana são condutas discriminatórias que constituem crimes puníveis com reclusão de 1 a 4 anos, e multa, na forma da Lei Federal nº 12.984/2014”, pontua a cartilha.

Vale destacar, também, que pessoas com HIV/AIDS podem ter direito à Previdência Social. Por lei, o público tem direito a um salário mínimo mensal independentemente de haver ou não a contribuição, desde que um Laudo Médico de Avaliação e a perícia do INSS determine comprovação de que a pessoa “não possui meios de prover a própria manutenção”.

Além disso, o documento recorda que é possibilitado o saque integral do FGTS, direito igualmente concedido a pessoas com diabetes, hepatites, síndrome de Down, insuficiência renal, derrame cerebral, AIDS e outras que são consideradas graves.

Entre outros fatores, a cartilha, que pode ser acessada aqui, traz orientações legais sobre plano de saúde, Lei Geral de Proteção de Dados e recrutamento. O texto esclarece que a pessoa que vive com HIV/AIDS não tem a obrigação de compartilhar a sua sorologia com o empregador. Da mesma forma, uma vez que seja uma informação de conhecimento da empresa, ela não pode revelar sem consentimento. Se feito, se enquadra em esfera criminal de acordo com a Lei Federal nº 12.984/2014.

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RH deve promover conscientização

Segundo o Índice de Estigma Brasil 2019 (último realizado), do Unaids Brasil, 64,1% dos entrevistados disseram já ter sofrido alguma discriminação pelo fato de viverem com HIV. Outras formas de discriminação também foram mapeadas pela pesquisa, como assédio verbal (25,3%), perda de fonte de renda ou emprego (19,6%) e agressões físicas (6%). 

“Apesar de ser um tema importante, é raro vermos empresas preocupadas em lidar com a situação. A saúde mental dos profissionais que vivem com HIV não deve ser negligenciada. É importante entender que essas pessoas já sofreram e sofrem com o preconceito em outras esferas de sua vida e é preciso evitar que o local de trabalho seja mais um deles. Todos os profissionais precisam encontrar acolhimento e proteção em seu ambiente de trabalho, onde deve ser orientado e acolhido. Inclusive, se sentir feliz e seguro na empresa reflete também em produtividade e queda do absenteísmo”, explica Luciene Bandeira, psicóloga e cofundadora da Psicologia Viva.  

Em geral, as pessoas que convivem com HIV precisam também enfrentar diariamente o medo de ter a sua condição revelada no ambiente corporativo. A legitimidade dessa preocupação se revela em números, já que 13,3% dos entrevistados do Índice de Estigma Brasil tiveram a natureza de seu trabalho alterada ou uma promoção negada, 7% foram forçadas a fazer um teste de HIV ou revelar seu estado para se candidatar a um emprego ou se aposentar e 19% nem chegam a se candidatar a uma vaga. 

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“É importante frisar que a pessoa não é obrigada a compartilhar a sua sorologia com sua empresa empregadora e informações sobre a saúde dos funcionários só podem ser compartilhadas com a anuência da própria pessoa. Além disso, é garantido por lei que essas informações não podem ser utilizadas para fins difamatórios ou de segregação. É papel do RH realizar campanhas para que todos os profissionais entendam essas questões e se empoderem com informações.” 

Apesar de ser um tema a ser debatido o ano todo, uma estratégia de abordagem pode ser realizar campanhas de RH com o mote do mês Dezembro Vermelho, campanha de conscientização criada pelo Ministério da Saúde em razão do Dia Mundial de Combate à AIDS, lembrado mundialmente em 1º de dezembro.

Por Bruno Piai