Saúde mental evidenciada e os reflexos da fadiga pandêmica: o desafio empático da reconexão sociocultural
Nunca falamos tanto sobre saúde mental. E não é para menos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os transtornos psicológicos são responsáveis por incapacitar um terço da população nas Américas.
Só no Brasil, a ansiedade afeta 18,6 milhões de indivíduos, situação essa que se agravou com a chegada da crise sanitária de Covid-19.
Para se ter ideia, a entidade publicou no começo deste mês um documento que aponta que a pandemia de coronavírus fez aumentar em mais de 25% os casos de depressão e ansiedade, mundialmente, em 2020.
Pessoas que, até então, nunca haviam demonstrado sinais de perturbação mental, passaram a experienciar o que os especialistas e a OMS chamam de fadiga pandêmica, que nada mais é do que o cansaço e esgotamento, tanto psicológico, quanto físico, que sentimos com as restrições da vida social, além de outros problemas ocasionados pelo novo coronavírus.
Dentre os gatilhos estão o estresse causado pelo isolamento social, o luto pela perda de entes e amigos, medo de infecção e novas variantes e preocupações financeiras, por exemplo.
E quando passamos a experimentar a esperança de dias melhores, acabamos sendo bombardeados com notícias angustiantes, seja pelo número de positivados voltando a subir ou pessoas que não querem se vacinar, colocando a saúde de outros indivíduos em risco, o que aumenta a nossa ansiedade.
O Brasil sustenta o maior índice mundial de pessoas com transtornos de ansiedade. Em 2017, já eram quase 19 milhões de brasileiros sofrendo com a doença. O distúrbio compromete a qualidade de vida, nos deixa estagnados, sem perspectiva, motivação ou propósito, diminui nossa taxa de rendimento, concentração e criatividade.
Aqui no país, esta é a terceira maior causa de afastamento no trabalho, enquanto nos Estados Unidos, é o principal motivo de incapacitação para o desempenho das funções corporativas entre os grupos de 15 a 44 anos, o que causa um custo anual de US$ 250 bilhões.
E é certo que precisamos de interação com outras pessoas, não apenas com as do nosso convívio mais íntimo, mas com turmas mais expandidas. Porém, até a forma que ressignificamos estes espaços para reinventar nossas relações interpessoais, têm nos gerado problemas psicológicos, como é o caso do uso excessivo das mídias sociais.
Nesses meios, somos invadidos por conteúdos de indivíduos que parecem estar vivendo em um universo paralelo, no qual a Covid-19 nunca existiu. É, completamente, maléfico, no sentido psicológico, acompanhar a vida de alguém que, enquanto viaja pelos países europeus, bebendo vinhos caríssimos e comendo caviar, diz que você deve ser grato pela vida.
Inclusive, essa afirmação constante de que devemos ser felizes o tempo todo resulta em frustração, estresse, culpa e, novamente, ansiedade. Reconhecer e aceitar a gravidade do que estamos vivendo é também um recurso de aprendizado para aprimorarmos essa boa disposição.
É um exercício empático identificarmos e respeitarmos nossos sofrimentos naquele momento, porque só assim podemos gerar o bem-estar em seu sentido genuíno, de conexão própria e com os demais, de forma a gerar aprendizados que favoreçam na hora de lidar com diversas situações.
E quando olhamos para o grupo feminino, de quem é cobrado muito mais essa constância de bem-estar e alegria, elas foram as que mais sofreram danos à saúde mental durante a pandemia, conforme um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A pesquisa concluiu que as mulheres tiveram quatro horas a mais de trabalhos domésticos do que os homens, em média, com o isolamento. Tudo isso resulta em esgotamento e aflição psíquica.
Outro grupo que foi muito atingido foi a comunidade LGBTQIA+. A Fiocruz revelou em outra análise, feita em 2021, com mais de sete mil pessoas, que 55% dos entrevistados foram diagnosticados com risco de depressão severa, oito pontos percentuais a mais do que em 2020.
Como os impactos na massa são acentuados por marcadores sociais, como gênero, raça, classe social, entre outros, certamente, as pessoas foram afetadas de forma diferente. O que, obviamente, deve ser levado em consideração ao oferecer cuidados formais para o equilíbrio mental dessas pessoas.
Uma coisa é certa:
Esse atual cenário trouxe muitos impactos e implicações para a saúde mental.
Além do medo, tivemos desde mudanças comportamentais — como o aumento da higiene e proteção individual, maior utilização da internet, seja para consumir produtos das plataformas de streaming ou para utilizar com muito mais frequência o e-commerce, por exemplo, — até mudanças sociais, — como evitar ao máximo reuniões com familiares e amigos ou cumprimentar alguém de longe, sem encostar, — situações estas que foram de difícil adaptação para nós brasileiros, sempre tão acostumados com a receptividade e contato humano.
Outra consequência que podemos observar é a mudança dos espaços físicos após a pandemia, pensados para distanciar as pessoas umas das outras. Fora as repercussões futuras que ainda nem conhecemos.
Por isso, a reconexão com as outras pessoas é o primeiro passo para estabelecer uma saúde mental, novamente. E para nos gerar segurança e tranquilidade, podemos observar a taxa de redução de internação e mortalidade de Covid-19 em adultos e crianças, graças à vacinação.
É possível afirmar que ao passo que caminhamos para um quadro de maior cobertura vacinal, alcançamos também um panorama de menor transmissibilidade da doença.
Logo, o nosso foco agora deve ser reduzir os resultados negativos na saúde mental da população, adequando a assistência primária à saúde e capacitando todos os profissionais para o desafio do cuidado durante e pós pandemia.
Por Luís Guilherme Mendonça, Gerente Médico da 3778, healthtech de saúde corporativa. Médico de Família e Comunidade com experiência em serviços de Saúde Pública e Privada, com forte atuação em Atenção Primária. Experiências em jornadas centradas na pessoas, linhas de cuidado e interoperabilidade em saúde.
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