Sobrevivemos a uma pandemia e qual o significado e importância disso? O de naturalizar os destemperos das ruas, das urnas e das arquibancadas e levá-los para nossas casas e escritórios? Qual o sentido de dedicarmos mais tempo ao trabalho do que as coisas que realmente nos dão prazer e que nos realizam e nos preenchem de alegria e afetos positivos?

Num mar de sentimentos turvos até mesmo profissionais comprometidos e que amam seus ofícios, estão vivendo um profundo conflito entre vida pessoal e profissional. Por isso, líderes e gestores de pessoas precisam ficar cada vez mais atentos a tudo que impacta o desempenho, o bem-estar e a saúde mental de seus colaboradores.

Muito já foi dito sobre absenteísmo e presenteísmo. Agora, como desdobramento do quiet quitting (desistência silenciosa), surge o movimento do resenteeism ou ressenteísmo, que descreve a sensação de permanecer no emprego apesar da frustração, revolta e ressentimentos. Segundo a RotaCloud, empresa que criou essa expressão, este sentimento pode estar presente em profissionais de mais de 30 países e, só nos EUA, já afeta mais de 20 milhões de pessoas.

Pesquisa Infojobs

Não se trata de um fenômeno novo. Trabalhar num lugar que causa raiva, decepção, frustração e desmotivação, infelizmente, não é uma realidade exclusiva da geração atual. A questão é que ele parece estar mais prevalente e ganhando contornos mais complexos, impactando indivíduos e organizações. Outro ponto a ser destacado é que, por muito tempo, abusos e dores foram normalizadas e numa sociedade que se diz civilizada e que busca ser sustentável, não há mais espaço para isso.

Geralmente o ressenteísmo está relacionado a pessoas que sentem uma sensação de desvalorização ou de injustiça, por terem “segurado a onda” e vestido a camisa enquanto a crise se agravava e as demissões aconteciam.  Inundado de sentimentos negativos, o indivíduo torna pública suas queixas profissionais e, de forma pouco sutil, manifesta aos quatro cantos suas insatisfações sobre o trabalho.

Diferente do absenteísmo e o presenteísmo, o ressenteísmo não está necessariamente ligado ao baixo rendimento do colaborador, mas ele transborda, contaminando colegas, clientes e fornecedores, podendo afetar negociações e a imagem da empresa.

Para atrair e reter talentos, uma organização não pode adoecer seus colaboradores. Para avançar e alcançar a excelência, ela precisa fomentar propósitos virtuosos e processos humanizados. No meio de tantos desafios, vale citar Guimarães Rosa: “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura”.

Ações de pequeno impacto, realizadas de forma consistentes e constantes, podem gerar melhores resultados do que grandes realizações isoladas e desconectadas do posicionamento e da realidade da empresa. Coerência é fundamental!

Muitos critérios sociais e econômicos impactam no ressenteísmo, mas uma liderança compassiva, afetiva e efetiva, que demonstra interesse genuíno por sua equipe é capaz de diminuir, neutralizar ou reverter o impacto desse movimento dentro dos seus departamentos ou da empresa como um todo.

Seguindo construtos da Psicologia Positiva (Modelo PERMA, da Universidade da Pensilvânia e SPIRE, da Universidade de Harvard), domínios FIB (Felicidade Interna Bruta) e critérios ONU para medir a felicidade no mundo (World Happiness Report), seguem algumas dicas para ajudar a rever a rota e ajudar bons profissionais que migraram do ressenteísmo em direção ao florescimento. 

  1. Apoie sua equipe: ofereça condições para que consigam manter seu bem-estar e saúde, assim como tempo e recursos para o desenvolvimento pessoal e profissional; fique atento se possuem estrutura para aplicar suas habilidades, equilibrando “desafio e habilidades”, evitando apatia ou ansiedades. 
  2. Comunicação aberta: crie um clima de segurança psicológica onde seus funcionários se sintam confiantes ​​para expressarem suas preocupações e opiniões, com espaço para os embates intelectuais e não os atritos sociais.
  3. Escuta empática: escute de forma atenta os feedbacks e, sempre que possível, melhore a experiência do funcionário dentro da empresa, isto é, transformar informação em ação.
  4. Estimule e reconheça os talentos: faça apontamentos em particular e elogie em público. Sempre reconheça as qualidades e possíveis novas habilidades apresentadas durante a realização de um trabalho. Celebre conquistas de todos os tamanhos e reconheça a importância do ordinário. Uma grande jornada começa com um pequeno passo e assim surge uma cultura de florescimento.
  5. Promova uma boa gestão do tempo: aumente a conscientização sobre o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Respeite os horários, sem ligações, envio de mensagens e e-mails em feriados, finais de semana ou fora do horário comercial. Sempre que possível, transmita a decisão da empresa para todos os stakeholders.

O treinamento é uma despesa? Tente a ignorância”. Essa frase atribuída a Andy Grove fala muito sobre a necessidade de uma gestão atenta, humanizada, e virtuosa. Sempre vale a pena estimular a consciência e promover a educação, podendo transformar um estado de murchamento numa voz potente das boas práticas de uma companhia.

Incorporar a felicidade aos processos de uma empresa é investir no capital psicológico positivo da equipe, fomentando a esperança, a autonomia, o comprometimento, a resiliência, o uso consciente e concentrado de habilidades  e o reconhecimento do potencial, individual e coletivo.

De acordo com pesquisas realizadas pela Universidade de Nebraska, micro intervenções podem gerar aumentos médios de 2% no capital psicológico positivo das equipes. Na mesma direção, estudos apontam que pessoas em estado mental positivo são 3 vezes mais inteligentes e criativas que as de estado mental neutro e ainda apresentam (46%) mais satisfação no trabalho.

Que o ano novo venha com “muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender”, contemplando intenção, tempo e espaço para a implantação de uma cultura de cuidado, transformando a realidade de acionistas, colaboradores, amigos, familiares, clientes, fornecedores, do meio ambiente e da sociedade em geral.

Que em 2024 floresça um tempo de conexões autênticas, propósito e conquistas sustentáveis, onde todos possam viver dignamente e mais felizes. 

Planos para 2024: do ressentimento ao florescimento

Por Rodrigo de Aquino. comunicólogo e especialista em bem-estar. Estuda desenvolvimento humano desde os 14 anos de idade, é professor de pós-graduação em Psicologia Positiva (UniFB) e fundador do Instituto DignaMente, que oferece mentorias e palestras para empresas, instituições  e pessoas jurídicas sobre felicidade corporativa.

 

Saiba mais sobre vida pessoal ouvindo o programa “Vida Pessoal e Profissional: há limites?” do PodCast do RHPraVocê. Nesse episódio, o CEO do Grupo TopRH, Daniel Consani, e a editora do RH Pra Você, Gabriela Ferigato, conversaram com Tiago Petreca, diretor fundador e curador chefe da Kuratore – consultoria de educação corporativa, Country Manager da getAbstract Brasil e autor do Livro “Do Mindset ao Mindflow”, sobre as principais descobertas da pesquisa. Acompanhe clicando no app abaixo:

Não se esqueça de seguir nosso podcast e interagir em nossas redes sociais:

Facebook
Instagram
LinkedIn
YouTube

Capa: Depositphotos