Com o avanço da vacinação, a volta aos escritórios já está acontecendo. Algumas um tanto aceleradas, outras mais graduais, mas a verdade é que, independentemente da velocidade, não estávamos preparados para esse retorno, assim como, um ano e meio atrás, não havíamos nos planejado ou criado protocolos que dessem conta do home office instaurado com o alastramento global da Covid-19.

Segundo dados da corretora It’sSeg, 62% das companhias pretendem voltar ainda este ano. Uma outra pesquisa, realizada pela McKinsey, complementa o cenário global e traz pistas: dos executivos entrevistados, nove em cada dez afirmaram que suas empresas serão espaços híbridos.

Apesar disso, 68% deles não têm um plano de execução para fazer isso acontecer. Estamos, de novo, naquele mesmo cenário incerto — embora bem menos volátil —, de março passado.

Cruzado o primeiro aniversário do isolamento social, algumas pesquisas apontam caminhos.

Um estudo da Fundação Dom Cabral em parceria com a Grant Thornton e a ELyon Business School mostrou que, no País, 58% dos entrevistados dizem ser mais produtivo em home office, em comparação aos 44% que afirmaram o mesmo na primeira pesquisa realizada em 2020.

O estudo foi além ao apontar que nem sempre a ideia de produtividade e da continuidade do teletrabalho vem atrelada à percepção de bem-estar do empregado: 24% apontam maior volume de horas trabalhadas, seguido por maior dificuldade de comunicação (16%) e piora no equilíbrio com demandas pessoais (14%). Há, ainda, a falta de convívio social, apontada por 20,6% como um problema.

Ou seja, as lideranças têm uma tarefa desafiadora pela frente, de mapear quais pontos devem ser foco de atenção nas relações de trabalho a partir de agora, já que o tema tem gerado, globalmente, bastante inquietação para todas as partes envolvidas.

Um estudo realizado pela Korn Ferry aponta que 70% dos profissionais dizem que o home office é o novo normal e que o retorno ao modo presencial será “difícil” e “estranho”.

Mal assimilamos o trabalho remoto e teremos, de novo, de reaprender a trabalhar em escritórios. E não estamos falando apenas de rotina. Há novas tensões que precisam ser dissipadas, ajustes e alinhamentos relacionais que precisarão ser feitos. Entre os respondentes da pesquisa da Korn Ferry, 55% dizem que a ideia do retorno os deixa estressados. E se 58% afirmam que admitir ao chefe a preferência por continuar trabalhando de casa pode prejudicar as chances de ascensão profissional, 49% admitem que recusariam uma oferta de emprego se fossem obrigados a trabalhar presencialmente em tempo integral.

Parece um consenso: muitos funcionários sentem que são mais produtivos no modelo de home office e que há um certo grau de conforto proporcionado pela prática — menos tempo se deslocando, mais tempo com a família, menos pressão social.

Por outro lado, lideranças avaliam perdas consideráveis, como menos colaboração, falhas no trabalho em equipe, uma gestão distanciada e, principalmente, enfraquecimento de uma cultura organizacional criativa, colaborativa e corporativa.

Nesse cenário, formas diferentes de trabalhar despontam como possibilidades.

O remote first, marcado pelo trabalho remoto como prioridade, e o remote only, definido como único formato e aplicado principalmente por startups e pequenas empresas, são alguns dos exemplos. Saber exatamente qual funcionará para suas equipes é a descoberta da mina de ouro.

Vai depender dos objetivos e da estrutura de cada organização, certamente, mas já há uma convicção em curso: não há retorno ao “velho normal”. Algo diferente se desenha. E é preciso olhar com atenção para as suas peculiaridades.

A era dos “sem mesa” vem aí

Híbrido e enxuto. Eis o futuro que se inicia a partir de agora. A redução já começa pelo número de escritórios. Não são raros os casos de grandes empresas que entregaram parte de suas sedes e concentraram suas operações. Já entre as de médio ou pequeno porte, o movimento é, muitas vezes, rumo ao coworking.

Entre as organizações que voltam aos endereços corporativos, há mudanças na logística. Saem as famosas estações fixas de trabalho e entram os espaços compartilhados. Aquela mesa para chamar de sua? Provavelmente não estará mais lá. Muitas empresas estão optando pela rotatividade de equipes, com agendamento prévio e, consequentemente, revezamento das famosas baias.

Parece ser um sonho um tanto quanto distante imaginar 100% do quadro de funcionários reunidos em um mesmo lugar. Cautela parece ser a palavra de ordem para o retorno. Uso de máscara, espaçamento entre os postos de trabalho e a própria flexibilização de horários serão imprescindíveis para garantir segurança física (e emocional) dentro dos escritórios. Caberá aos gestores entender, junto com suas equipes, qual a melhor forma de atuar presencialmente daqui para frente.

Um exemplo desse movimento é a C&A. Se antes da pandemia o escritório central da empresa era ocupado por 1.500 funcionários, hoje, a capacidade máxima permitida é de 700 funcionários — embora, atualmente, apenas 350 estações de trabalho estejam liberadas, garantindo maior distanciamento social. As mesas são rotativas e os funcionários devem reservá-las via agendamento por aplicativo.

Armários são disponibilizados para que cada um guarde suas coisas e evite deixá-las em cima dos espaços compartilhados. Reuniões continuam sendo realizadas apenas por videoconferência e o refeitório permite somente duas pessoas por mesa — refeições são, aliás, o único momento em que é permitido ficar sem máscara. Por fim, os protocolos básicos: álcool em gel disponibilizado nos ambientes, tapete sanitizante na entrada e padrão hospitalar de higienização dos banheiros.

Independente do formato escolhido e de seus manejos, certamente vingarão os modelos híbridos, aqueles mais maleáveis e adequados tanto às empresas quanto às pessoas, com flexibilidade laboral e benefícios mútuos.

E, por aqui, o Brasil parece já ter entendido essa ideia. Segundo a corretora It’sSeg, 82% dos empresários ouvidos em pesquisa afirmaram que seus funcionários irão trabalhar de forma híbrida, enquanto 16% voltarão totalmente presencial e 2% permanecerão totalmente em home office.

Por fim, mas não menos importante, fica outra lição do isolamento: precisaremos prezar pela saúde mental dos nossos times.

A pesquisa “Saúde em Foco: como estão os trabalhadores brasileiros em época de pandemia?”, feita pela Vittude e pelo Opinion Box, revelou que 47% das companhias não adotaram nenhum procedimento de cuidado à saúde mental durante a pandemia. O dado tem impacto para empregadores e empregados, uma vez que as pessoas podem vir a retornar aos seus postos físicos mais estressados, ansiosos, desanimados e cansados.

É preciso que líderes, gestores e CEOs considerem essa preocupação ao planejarem o retorno aos escritórios. Será imprescindível que compreendam que estarão retornando funcionários inseguros com o cenário pandêmico.

A vacina está aí, claro, mas vale lembrar que mesmo imunizados ainda podemos contrair e transmitir a Covid-19. Olhar para a saúde mental de nossos funcionários é uma aposta ganha-ganha: quanto mais seguros, acolhidos e amparados estiverem nossas equipes, mais integradas, criativas e produtivas serão.

Apesar dos tropeços, temos certa experiência acumulada em navegar na imprevisibilidade. As culturas organizacionais foram submetidas, em março do ano passado, a uma mudança brusca e aquelas que conseguiram cruzar a tempestade se adaptaram, na medida do possível.

Agora, com os pés fincados em um chão mais firme, é hora de reavaliar rotas antigas e traçar novos mapas. Se o objetivo final é manter o engajamento dos funcionários, presencial ou remotamente, só haverá uma direção: preservar o bem-estar na gestão do capital humano.

E o modelo de trabalho híbrido, mais flexível e adaptado aos anseios dos profissionais, é uma excelente oportunidade de fazer isso acontecer.

O futuro do trabalho será híbrido

Por Mariana Achutti, fundadora e CEO da SPUTNiK. Empreendedora, vem ajudando a provocar mudanças no universo corporativo por meio de uma educação criativa e disruptiva em empresas como Google, Facebook, Globo, Boticário, Ambev, entre outras. Mariana atuou durante anos como gestora da Perestroika, escola de atividades criativas destacada como “uma das nove empresas da nova economia brasileira”. Em 2014, intraempreendeu e criou a SPUTNiK, o braço in company da Perestroika.

 

 

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