Tudo começou na China, onde funcionários sobrecarregados e esgotados em todo o país chegaram simultaneamente à conclusão de que o trabalho não vale o sacrifício contínuo de sua saúde e bem-estar. Lá, ele recebeu o nome de tang ping ou ‘deitado’ – onde ‘plano’ é realmente o padrão, nem mais nem menos do que se espera que alguém faça em sua função.

Por outro lado, ‘levantar’ significa colocar esforço adicional para se destacar. Vale a pena notar que em chinês, a palavra para ‘plano’ também significa pacífico e harmonioso.

Então, um pouco no início de 2022, um vídeo do TikTok chamou de ‘quiet quitting‘, e o termo decolou nas mídias sociais, onde desde então se tornou sinônimo de direito ou limites saudáveis, dependendo de quem está comentando. Mas a própria frase “desistir silenciosamente” ou “demissão silenciosa” é um equívoco grosseiro.

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Os funcionários que optam por não ir além estão, na verdade, ainda fazendo seu trabalho – o que são pagos para fazer. Eles não pararam de trabalhar, nem a qualidade de seu trabalho mudou. Eles não estão fazendo menos do que é exigido de sua função. A maioria deles nem perdeu o interesse em seus empregos. Em outras palavras, eles não desistiram.

Portanto, não é de surpreender que o debate nas mídias sociais envolve uma quantidade considerável de resistência por parte dos funcionários que decidiram ‘ficar quietos‘. Do outro lado do debate, as pessoas que são mais contra a prática de ‘deitar-se’ tendem a discordar da ideia de que os funcionários não querem fazer mais do que aquilo para o qual são pagos.

Em um negócio com fins lucrativos, um funcionário que vai além – que oferece mais valor do que o salário justifica – certamente será altamente desejável. E se esse funcionário parar repentinamente de fornecer esse valor extra não pago, o empregador obviamente não ficará feliz – porque agora terá que pagar mais para obter a mesma quantidade de trabalho.

Isso é compreensível: é da natureza humana recuar quando se recebe algo de graça e de repente lhe é retirado. Entretanto, quando esse algo gratuito é o trabalho de outra pessoa, que, além disso, reverte para seus próprios lucros sem nenhum retorno para eles, não é fácil justificar o retrocesso.

Em vez disso, os empregadores ou gerentes têm todo o direito de acreditar que devem sempre receber mais do que estão pagando. Ir além é um presente que um funcionário dá a uma empresa, e se o funcionário optar por parar de dar – seja porque se sente não recompensado ou simplesmente porque não é mais capaz de dar – seria nada menos que mesquinho denegrir e rotular erroneamente o funcionário, ao invés de apreciar o que ele deu até agora.

Como bons gerentes e líderes, é hora de recuperar uma noção adequada de quanto vale o tempo e o trabalho dos funcionários e entender que fazer o que alguém é pago para fazer é, na verdade, o padrão.

É hora de parar de tomar como certo o valor extra que nossos semelhantes fornecem. Começando, talvez, com o reconhecimento de que as pessoas que ‘ficam deitadas’ ainda estão fazendo seu trabalho.

O fenômeno da demissão silenciosa

Por Adriano da Silva Santos, jornalista e escritor. Reconhecido pelos prêmios de Excelência em webjornalismo e jornalismo impresso, é comentarista do podcast “Abaixa a Bola” e colunista de editorias de criptomoedas, economia, investimentos, sustentabilidade e tecnologia voltada à medicina.

 

Ouça também o PodCast RHPraVocê, episódio 90, “Burnout como doença do trabalho: o que muda?” com Marcela Ziliotto, Head de People na Pipo Saúde e José Ricardo Amaro, diretor de RH da Ticket. Clicando diretamente no app abaixo:

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