Durante muitos anos, o ritmo acelerado de trabalho foi exaltado, em uma relação que, não raramente, proporcionava aos colaboradores inúmeras horas extras e carga adicional sem remuneração. O trabalho à exaustão provocou nas pessoas – e ainda provoca – cenários de sobrecarga emocional e até problemas diretos à saúde, como o conhecido aumento nos casos de burnout.
Na contramão dessa realidade, o período pandêmico despertou uma necessidade nos profissionais, que passaram a buscar por mais qualidade de vida profissional e familiar, especialmente no que diz respeito à saúde mental.
Essa recorrente busca modificou a forma como as pessoas olham para o trabalho e para os seus propósitos de vida. E um dos resultados desse movimento, entre outros tantos, é o aumento do número de pedidos de demissão – tudo diante da alta taxa de desemprego no país.
No Brasil, 2,9 milhões de pessoas pediram demissão de seus empregos entre janeiro e maio de 2022, segundo levantamento feito pela Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) com base em dados do Caged. É o maior índice desde 2005. O estudo ainda mostra que 48% desses trabalhadores têm alto nível de escolaridade.
Esse cenário, visto em diversos países, faz parte de um movimento que passou a ser conhecido no mercado de trabalho como quiet quitting. Mas engana-se quem ficar preso à tradução literal para interpretá-lo: o quiet quitting, na prática, não se refere a uma “desistência silenciosa”, mas prega a execução das atividades profissionais conforme preveem os contratos de trabalho. Em outras palavras, é uma manifestação contra a cultura do trabalho excessivo, além do combinado, além do expediente, além da remuneração.
Soma-se a isso o fato, apontado por diversos especialistas ao redor do mundo, de que a falta de engajamento está diretamente ligada à falta de remuneração ou reconhecimento e também ao home office, que fez com que muitos percebessem a ausência de limites entre o trabalho e a vida pessoal.
Do mesmo modo, empresas que optam pela retomada 100% presencial aos escritórios estão sendo mal vistas pelos colaboradores que defendem o trabalho remoto. Com tanta discordância a respeito da grande disruptura vivida pelo mercado, existe um caminho a seguir? Como as empresas devem se posicionar? Até que ponto os colaboradores têm razão?
Para responder a essas perguntas, é preciso entender que a cultura de trabalho excessivo, em que termos como “trabalhe enquanto eles dormem” e “tenha sangue nos olhos”, além da romantização da ausência de descanso em troca de inúmeras horas de expediente, transformam movimentos como o quiet quitting em uma causa nobre. Afinal, estamos na busca da remodelação dos formatos e da relação de trabalho, da elaboração de práticas e processos humanizados nas organizações, prezando pelos limites da saúde mental e da relação “vida pessoal X vida profissional”.
Mais do que nunca, os profissionais estão atentos e com sede de mudança. Mas é necessário que haja equilíbrio para reconhecer que determinadas movimentações podem repercutir pejorativamente no mercado diante das transformações aceleradas que temos visto.
Para que todas as partes envolvidas atuem em harmonia, as organizações precisam remodelar as relações com os colaboradores. Cabe aos líderes a função de enxergar e tratar as pessoas como pessoas, e não como meros robôs que respondem a processos automatizados. Pessoas carregam sonhos, emoções, inspirações, necessidades. Somente como um modelo de gestão horizontal, os líderes podem atuar próximos ao time, desenvolver a escuta ativa, promover o engajamento e garantir que todos trabalhem satisfeitos e felizes.
Por Luiz França, especialista em Gestão de Pessoas, humanizador de empresas e autor do livro “Cultura de confiança: A arte do engajamento para times fortes e que geram resultados”.
Ouça também o PodCast RHPraVocê, episódio 90, “Burnout como doença do trabalho: o que muda?” com Marcela Ziliotto, Head de People na Pipo Saúde e José Ricardo Amaro, diretor de RH da Ticket. Clicando diretamente no app abaixo:
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