Intervir na cultura do trabalho: o compartilhamento de propósito nas organizações contemporâneas.

A nível global, o atual cenário em que as organizações estão operando caracteriza-se por uma extrema interligação entre eventos que aumentam o grau de complexidade a enfrentar e torna as mudanças cada vez mais difíceis de prever.

A nível individual e comunitário, o aumento incontrolável da complexidade e da incerteza pode provocar uma diminuição de confiança na possibilidade de impactar positivamente os fenômenos, levando a uma paralisia decisória que corre o risco de se transformar em passividade e inércia.

Os dois principais atores neste contexto, os trabalhadores e as organizações, estão passando por um desenvolvimento paralelo:

  • por um lado, as pessoas procuram um estilo de vida baseado no bem-estar, moldam as suas carreiras de forma menos linear e apresentam novas expectativas ligadas sobretudo à possibilidade de expressar os próprios valores, impacto social e desenvolvimento pessoal;
  • por outro lado, as organizações vivem três transições principais (a transição sustentável, a transição tecnológico-digital e a mudança das geografias globais), para responder ao que eles têm que adaptar em suas habilidades e competências.

Assistimos a uma fase em que o mercado de trabalho ainda não compreendeu plenamente esta dupla mudança envolvendo tanto a oferta quanto a procura; de fato, as estatísticas da indústria destacam a ocorrência de fenômenos como “great resignation” ou “quiet quitting“, por um lado, e “incompatibilidade de habilidades”, por outro.

RH TopTalks 2023

Assim, é necessário reconfigurar a relação entre o indivíduo e a organização para lançar as bases de uma colaboração frutífera para ambas as partes, permitindo às empresas crescer tanto a longo prazo como a curto e médio prazo.

Ao fazê-lo, convém intervir na cultura do trabalho colocando de volta ao centro a ligação entre o trabalho realizado e o propósito que orienta a existência e o funcionamento organizacional, procurando um equilíbrio entre a eficácia e a eficiência. Isso é particularmente importante em grandes organizações desterritorializadas em larga escala, como as multinacionais, onde é necessário aumentar o grau de pertencimento dos funcionários.

Em vez disso, nas organizações culturais ou sem fins lucrativos, a conexão entre o trabalho e o propósito organizacional é bastante evidente, enquanto é necessário trabalhar para garantir a estabilidade econômica e as perspectivas de carreira e desenvolvimento.

Trabalhando sob este ponto de vista, é possível incentivar a capacitação pessoal dos colaboradores, fazendo-os compreender o impacto das iniciativas individuais na dinâmica global da empresa e dando-lhes assim a oportunidade de desenvolver e orientar a sua atividade laboral de forma mais consciente do que outros atores organizacionais e aos stakeholders da empresa.

Desta forma, a identidade profissional torna-se uma ponte entre a identidade pessoal – marcada pelos valores, atitudes, aspirações e objetivos do indivíduo – e a identidade organizacional – definida pelo DNA e pela cultura corporativa, que se desenvolvem em torno do núcleo fundamental constituído pelo propósito organizacional, visão e missão.

A cultura organizacional molda e ao mesmo tempo é moldada pelas diferentes identidades profissionais que povoam uma organização. A liderança e a gestão da empresa modulam essa troca mútua em todas as etapas da experiência de trabalho.

Em primeiro lugar, as políticas de recrutamento e seleção determinam a abrangência e as características do alvo a que os potenciais funcionários devem recorrer; em seguida, o treinamento proposto na fase de onboarding ajuda a criar alinhamento com os valores organizacionais.

Ao longo da relação contínua do “contrato psicológico” entre empregador e empregado (que acompanha a relação de trabalho desde o seu estabelecimento até a rescisão), a identificação organizacional e a interiorização da cultura empresarial são de certa forma necessárias para dar origem a uma união de intenções entre sujeito e organização; no entanto, é bom não exagerar e deixar espaços para caminhos de crescimento e desenvolvimento dos trabalhadores, evitando o surgimento de um pensamento único a nível coletivo e a falta de pensamento crítico a nível individual.

A cultura organizacional é um conjunto de noções e comportamentos que, adquiridos e experimentados graças à experiência de campo, são particularmente eficazes para responder a problemas de adaptação externa (as exigências e desafios colocados pelo mercado) e de integração interna (a dinâmica relacional voltada para a colaboração em torno do objetivo do negócio); se validadas pelo sucesso ao longo do tempo, essas normas comportamentais se consolidam e se codificam em processos e estruturas operacionais – referentes às tarefas atribuídas para o cumprimento da finalidade organizacional – e relacionais – concernentes aos mecanismos de interação entre funções e papéis que se configuram para perseguir o resultado.

No cotidiano das operações, a cultura corporativa é moldada pelas interações entre os diversos atores organizacionais, que atribuem diferentes significados e interpretações às práticas de trabalho (busca pelo propósito). A negociação do propósito pode ser mais fechada e, portanto, centralizada nos níveis gerenciais, ou mais aberta e compartilhada de forma ramificada em vários níveis do organograma. 

No segundo caso, o compartilhamento do propósito organizacional leva cada um dos trabalhadores a desenvolver uma leitura crítica do trabalho realizado e a avaliar o impacto prático e potencial que este tem nas outras unidades organizacionais e nos stakeholders da empresa.

Isto leva a uma ação mais consciente e, quando necessário, a questionar práticas organizacionais (operacionais ou relacionais) que já não respondem eficazmente às necessidades de adaptação externa e integração interna, tornando-se ‘atores’ organizacionais em vez de espectadores passivos.

Portanto, compartilhar significado permite que os funcionários aprimorem suas habilidades, uma vez que proporciona exposição a insumos maiores e mais diversificados; promove a aprendizagem coletiva, que se torna um processo participativo multinível; permite-nos enfrentar melhor o contexto atual complexo e incerto, pois contrasta com a inércia estrutural e cultural que muitas vezes acompanha as fases de sucesso de um negócio; por fim, permite a geração de oportunidades de inovação e cocriação de valor, tanto dentro da organização quanto em sua rede de stakeholders.

A gestão mais ou menos partilhada do processo de criação de propósito deve levar em conta vários fatores:

. em primeiro lugar, o setor de atuação, que determina a natureza e o tipo de objeto de trabalho que a empresa deve processar; 

. a fase do ciclo de vida organizacional que a empresa atravessa, pois implica necessidades específicas e, consequentemente, um estilo de gestão adequado; 

. e o nível do sistema organizacional sobre o qual se pretende atuar (a negociação é mais fácil para aspectos práticos como a configuração do grupo de trabalho, enquanto se torna mais elaborada para questões relativas ao sistema técnico-estrutural). Neste processo é fundamental que a liderança intervenha como mediadora, gerindo uma cultura organizacional suficientemente flexível para deixar margens de desenvolvimento e inovação e suficientemente rígida para manter a estabilidade da identidade organizacional ao longo do tempo.

Esta gestão reflete-se no desenho da proposta de valor do colaborador e de toda a estratégia de Employer Branding: onde se introduzem práticas de escuta das necessidades dos colaboradores e implementação de soluções partilhadas.

O Employer Branding constitui um meio de responder de forma autêntica às novas exigências do mercado de trabalho e reunir necessidades pessoais e organizacionais.

Artigo publicado originalmente na HR ONLine nr 7 de abril de 2023 da AIDP – ‘Associazione Italiana per la Direzione del Personale‘.

Intervir na cultura do trabalho: o compartilhamento de propósito

Por Alessandra Monti, Mestre em Economia e Gestão do Patrimônio Cultural e do Entretenimento. Na obtenção desse mestrado aprofundei as disciplinas humanístico-artísticas a par das competências de gestão económica, com especial incidência no setor cultural. A redação da dissertação de mestrado deu-me a oportunidade de me aproximar do universo da formação empresarial como chave de intervenção nos processos operacionais e relacionais que dão origem às práticas de trabalho e à comunicação interna, de forma a facilitar a gestão dos processos organizacionais mudança em um contexto em que é necessário responder ativamente às complexidades que caracterizam o ambiente externo. 

Ouça também o PodCast RHPraVocê, episódio 92, “Como fortalecer a cultura organizacional em modelos flexíveis de trabalho?” com Bianca Carmignani, Head de Recursos Humanos da Nespresso no Brasil e Daniela Gartner, Sr Human Resources Director LATAM at NTT Ltd. Clique no app abaixo:

Não se esqueça de seguir nosso podcast e interagir em nossas redes sociais:

Facebook
Instagram
LinkedIn
YouTube

Capa: Depositphotos