Popularmente se diz que quem não faz não comete erros e também que se aprende com os erros cometidos: mas o instinto mais difundido quando há um erro é encontrar aqueles que cometeram esses erros, o bode expiatório.

“Bode expiatório” vem do rito judaico realizado no dia da expiação, quando, precisamente, um bode com todos os pecados do povo foi carregado pelo sumo sacerdote e depois enviado para o deserto. Esse costume foi também conhecido pelos babilônios e assírios, pelos gregos e depois transmitido à nossa cultura, onde permaneceu firmemente estabelecido: basta pensar na fórmula litúrgica «ecce Agnus Dei, ecce qui tollit peccatum mundi».

Uma situação quase normal, na verdade eu diria necessária: o bode expiatório, assumindo ou levando a culpa, liberta o resto da tribo de qualquer situação negativa; ao afastar-se do grupo, ele a alivia de sentimentos de inadequação.

Então, quando se comete um erro na “tribo corporativa” hoje em dia, você naturalmente se pergunta quem errou e não porque cometeu o erro ou como evitar cometer erros no futuro. Aqueles que cometem o erro são muitas vezes afastados: excluídos de um grupo de trabalho e realocados ou mesmo demitidos, perpetuando o mecanismo de perseguição e sacrifício que vem de longe.


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A metáfora do sacrifício na empresa é fácil de encontrar e é “normal” que acontece também nas organizações modernas e estruturadas de hoje, porque faz parte da nossa cultura, história e ritual. Em vez disso, pode-se pensar que é menos “normal” afirmar que:

  • o “bom líder” assume a responsabilidade e defende a sua equipe nos erros; 
  • as pessoas aprendem com o erro;
  • o chefe deve ser capaz de dar feedback construtivo, especialmente quando o colaborador comete erros;
  • as organizações evoluem aprendendo com os erros cometidos;
  • se tiver medo de dizer que cometeu um erro, então o ambiente de trabalho é tóxico;
  • pedir desculpa por um erro cometido é um sinal de força e não de fraqueza;
  • as escolhas devem ser feitas sem medo de errar;
  • no erro as pessoas devem ser motivadas, não humilhadas.

A lista poderia continuar: basta pegar a literatura de RH e “Organização Eficaz” dos últimos vinte anos e talvez até mais. 

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Mas este é precisamente o ponto: há quase trinta anos que as pessoas têm pregado sobre a mudança de uma cultura corporativa de culpa para uma cultura de consciência e há uma tendência para continuar.. Parece-me claro que não nos libertamos do que temos como parte antropológica da “Tribo/Companhia” e das próprias pessoas: a necessidade de um “bode expiatório”.

Por que, então, ficamos persistimos?

Vamos tentar racionalizar com algumas reflexões:

  • Se o erro cometido for tal que comprometa os resultados dos negócios, talvez seja certo “alienar” aqueles que os cometeram para a segurança da empresa!
  • Se as empresas continuam o ritual de bode expiatório e nesses anos ainda estão no mercado com bons resultados, por que deveriam mudar?
  • Se os objetivos a curto prazo são mais importantes do que os de médio prazo, o erro não é aceitável!
  • Se o sistema educacional continua a ser baseado em noções e não no processo de aprendizagem, tanto que, quando os alunos não as aprendem, são punidos, continuaremos a gerar futuros trabalhadores habituados ao rito do bode expiatório ligado ao binômio “julgamento/ expiação da culpa”.
  • Se continuarmos a regulamentar a gestão do desempenho que visa a excelência, então é correto considerar o erro como uma vergonha.
  • Se continuarmos a pensar que as distorções e anomalias em relação aos cânones definidos são aberrantes e não portadores de inovação, então quem erra deve pagar!

Quanto mais penso nisso, mais percebo que há uma situação bipolar (prefiro pensar assim do que de forma hipócrita), entre o que idealizamos e o que colocamos em prática com as práticas da empresa. 

O que fazer então?

E se começarmos a educar os gestores para dar à equipe, formada por pessoas competentes, a oportunidade de resolver problemas sem eles?

E se começarmos a pensar que ser um grande gestor não significa apenas ser capaz de resolver problemas, mas também permitir que seus funcionários resolvam problemas por conta própria?

Significaria delegar mais e dar responsabilidade individual na tomada de cada decisão sem o medo de que, se ele estiver errado, o chefe seja forçado a encontrar alguém para expiar as falhas do erro..  

O caminho não é fácil, porque você deve primeiro construir na confiança do gestor na capacidade das pessoas em seu grupo para resolver problemas e, em seguida, comunicar essa confiança de forma explícita, autêntica e sem demora.

Permitir que a equipe “falhe” (e aprenda) de forma independente facilitaria um crescimento da consciência, responsabilidade e confiança e não manteria mais todos sob controle, julgando e punindo.

O líder deve ser capaz de criar uma cultura de equipe otimista, adotando uma mentalidade de crescimento coletivo. Quer se trate de questões técnicas ou interpessoais, a principal tarefa do líder é ajudar os funcionários a desenvolver opções para administrar a situação – sem ele – agora e no futuro. 

Não é o papel banal e repetitivo do “líder servidor”, hoje um antigo exemplo de literatura de RH. Nesta proposição não há nada “servil”, pelo contrário. Ele se torna um promotor do crescimento das pessoas, de seu senso de responsabilidade, do uso de seus talentos, da valorização trazendo valor agregado à empresa. Ele é um líder que exige, que estimula, que empurra para a melhoria: uma visão completamente diferente da ideia melosa de ser “legal”. 

Nem servo, nem gentil, mas estimulador e pretensioso. Quando a equipe ganha porque cresceu, o líder também pode se afastar para outros desafios. Se perder, ele será o “bode expiatório da era moderna”, assim como deveria ser.

Artigo publicado originalmente em 2023 na HR ONLine da AIDP – ‘Associazione Italiana per la Direzione del Personale‘.

A tentação maligna de buscar um bode expiatório

Por Nicola Ladisa, HR & Organization Holding De Agostini Group. Apaixonado por inovação, transformação digital, foco nas pessoas e desenvolvimento de modelo de liderança em linha com a rápida mudança da situação do mercado. Como Diretor de RH e Organização, desenvolve e lidera iniciativas inovadoras de aprimoramento do Capital Humano e Design de Organização eficaz destinadas a garantir resultados de negócios sustentáveis e perspectivas de longo prazo para a empresa e as partes interessadas. Trabalhou em projetos envolvendo vários países (EUA, Japão, Austrália, China, Brasil e Europa), lidando com “diversidade cultural” e abordando diferentes estilos gerenciais e de liderança.

Ouça o episódio 149, “Líder, já colocou a empatia no seu currículo?“. Na busca por uma gestão mais humanizada e em um momento em que o perfil das lideranças vem passando por transformações, a empatia surge como uma habilidade-chave para os líderes. Mas o que significa, na prática, ser um profissional empático? Como desenvolver essa habilidade? A pandemia e os períodos de crise também evidenciam a importância das soft skills no ambiente organizacional. Como o RH pode contribuir para que esse conceito faça parte da cultura da empresa? Conversamos com Vivian Laube, Especialista em Liderança e Comportamento Organizacional, e Priscila Monaco, Diretora Senior de RH da Visa. Acompanhe!

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