Futebol, religião e política não se discutem? Se houve um dia no qual os três assuntos não estiveram tão presentes dentro das organizações, é certo que, hoje, o cenário é outro. Trazer os temas ao mercado corporativo, mais do que propriamente um desejo dos gestores, se tornou uma necessidade, uma vez que a polarização de ideias só se faz crescer e de modo não muito saudável. Mas diante de três temáticas tão polêmicas, por ora seguiremos com uma delas, aquela que, talvez, seja a de maior evidência no momento: a política.
A menos de uma semana do primeiro turno das eleições brasileiras, o qual definirá, com certeza, novos deputados estaduais, federais e senadores, enquanto as disputas por presidência e governo podem contemplar um segundo turno, a expectativa de todos os lados é evidente. Com a expectativa, porém, há os excessos. Quem se abre para fora da própria bolha social sabe o quão complexo pode ser expressar uma simples opinião ou defender publicamente uma ideia.
Fato é que os desafios sociais impostos pela polarização também se tornaram um problema corporativo. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, em 2021, com mais de 23 mil pessoas de 28 países, 83% dos brasileiros acreditam que existe muito conflito entre apoiadores de diferentes países, enquanto a média global não chega aos 70%.
Uma pesquisa da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), por sua vez, identificou que entre os profissionais brasileiros que dizem já ter sofrido algum tipo de discriminação no trabalho, em 36% dos casos a orientação política foi a causa. 55% dos entrevistados alegam que já presenciaram algum tipo de preconceito em ambiente corporativo em decorrência do tema em questão. Os dados foram divulgados em 2019.
Para David Braga, CEO, board advisor e headhunter da Prime Talent Executive Search, é de vital importância que gestores e líderes percebam o quanto é necessário criar estratégias para lidar com política nas organizações. Depois de uma jornada pré-eleitoral marcada por fake news, brigas e casos de violência, a tendência é que o pós tenha ânimos tão aflorados quanto.
“Precisamos caminhar para ampliar os ambientes com sinergia, empatia e espírito de equipe, e não com embates, competições acirradas e discussões desnecessárias, uma vez que isso afeta a entrega de resultados em meio a um cenário cada vez mais competitivo entre as empresas. É preciso ter jogo de cintura para que as divergências não sejam levadas para o lado pessoal. Em nossas relações, não precisamos concordar com tudo, mas também não podemos adotar a postura de que somente o nosso ponto de vista é coerente”, diz.
O executivo destaca que é importante as empresas terem pluralidade na construção de suas equipes, assim valorizando que diferentes perfis, ideias e culturas façam parte do negócio. Todavia, para que haja, de fato, um ambiente no qual a diversidade de valores seja positiva para as empresas e não um fator de crise, as organizações devem conter excessos.
“Pessoas intolerantes podem ser desastrosas por onde passam, pois esse tipo de comportamento promove distanciamentos e pode impactar sua imagem e crescimento organizacional. Se lidamos com pessoas que têm personalidades, culturas e propósitos distintos, a maturidade emocional é fundamental para atuarmos com diplomacia e mantermos as relações já estabelecidas. Em qualquer tipo de relação, praticar a empatia, ou seja, se colocar no lugar do próximo, é sempre essencial, além de ter escuta ativa e respeito às diferenças”, orienta.
Veja mais: Como a pluralidade de perfis pode ser um fator de sucesso para o negócio?
Política é problema do RH?
Realizado em 2020, um estudo da consultoria BP levou a profissionais de Recursos Humanos o seguinte questionamento: “como deve ser o papel do RH em relação a manifestações político-ideológicas nas empresas?”. Para pouco menos da metade (48,57%), o RH deve se envolver ativamente, principalmente quando existe a preocupação com a construção de ambientes diversos e inclusivos – considerando que diversidade & inclusão pode ser interpretada como uma questão não apenas social, mas também política, como dizem 52,3% dos respondentes.
Já para 34,29% dos entrevistados, o RH deve ser um catalisador de ações que permitam a liberdade de expressão, mas sem deixar de estar alerta para manifestações conflitivas à imagem da companhia. 17,14%, no entanto, acreditam que o papel do RH é simplesmente o de não se envolver de nenhum modo.
Quando o assunto envolve eleições, mais de 70% dos respondentes manifestaram que não tratam do assunto internamente, enquanto menos de 20% permitem e um pouco mais de 10% estimulam que os profissionais se expressem sobre. Tal discrepância pode ser explicada pela falta de confiança nas lideranças. 57,14% pontuaram que não acreditam que as lideranças da empresa estão preparadas para garantir a livre manifestação.
“O líder precisa dar o exemplo e colocar em prática todas as suas principais competências e habilidades – as chamadas soft skills – em prol de criar um ambiente que traga resultados, felicidade e conexão de todos com seus propósitos. Cada vez mais é exigido dos líderes a alta performance, seja ela de atitude ou seja ela mental. Além de gerenciar projetos e processos, é preciso gerenciar pessoas com diversidade em seus variados aspectos”, salienta David Braga.
O CEO reforça, ainda, que assim como as lideranças, o RH tem a missão de estimular uma cultura colaborativa e de coparticipação, com respeito a ideias e posicionamentos contrários. Tal visão é corroborada pela consultora empresarial Natasha Ferreira, que deixa claro que o RH precisa se envolver em assuntos políticos e estar atento a como os colaboradores se manifestam externamente.
“Particularmente, não sou a pessoa mais favorável à tomada de decisões com base no que os profissionais fazem em suas redes sociais. É um espaço pessoal no qual eles podem se manifestar livremente. Mas há casos que passam dos limites. A política, muitas vezes, é um gatilho para manifestações violentas, preconceituosas e perigosas. Não é incomum encontrar no ambiente virtual brigas acentuadas entre colegas de trabalho, e elas podem ser levadas para o ambiente de trabalho e contaminar quem está ao redor. Nesse momento o RH precisa agir”, diz.
Natasha acrescenta que as empresas devem ter uma postura ativa para educar politicamente, oferecendo treinamentos que falem sobre fake news, polarização, compliance e outros temas relevantes que podem impactar a cultura organizacional.
“Que fique claro que tais treinamentos não devem ter vieses. Não é bater na tecla de que defender um lado é certo e o outro é errado, pelo contrário. A intenção é promover um ambiente de respeito e assertividade para lidar com valores e opiniões diferentes. Ir pelo caminho fácil de montar times com pessoas que pensam de forma semelhante não é mais vantajoso para nenhum negócio. A pluralidade, hoje, permite que as organizações tenham horizontes maiores e ampliem seus públicos. Portanto, praticar o respeito é essencial”, elucida.
Veja mais: Os empregadores devem enfrentar as fake news no ambiente de trabalho?
Cuidado com o fanatismo
Assim como gestores, líderes e RHs devem ter cuidado ao lidar com temas eleitorais, os profissionais em geral também precisam se policiar para ter tal cautela, segundo Braga. Em artigo, o executivo da da Prime Talent expõe que muitas pessoas se sentem pressionadas a terem uma posição assumida publicamente.
“Nas mídias sociais, se você se posiciona sobre qualquer assunto, é bombardeado e pode até ‘virar meme’. Se não diz nada, é porque está ‘em cima do muro’ e não tem opinião própria. Em resumo: estamos vivenciando um momento delicado em que muitos buscam agradar as pessoas e não se posicionam, enquanto outros querem partir para o confronto, doa a quem doer, sem refletir sobre as relações pessoais e, muitas vezes, até colocando sua credibilidade em risco”, comenta.
É na tecla da credibilidade que Natasha bate ao destacar que se permitem levar pela toxicidade das redes. Para ela, o clima de ódio evidenciado nas redes incentiva as pessoas a generalizarem visões opostas como vilãs, inimigas, assim motivando-as a “escolher um lado dentro de um ambiente virtual de guerra e fazer de tudo para defendê-lo”.
“Só que o fazer de tudo pode ter sérias consequências profissionais. Nós somos observados a todo o instante. Se você compartilha discursos de ódio, fake news, conteúdos ofensivos e agressivos, você está mostrando às empresas a sua postura para lidar com situações que não o favorecem. Muitas vezes é automático, queremos fazer justiça – a nossa, no caso -, acreditamos que estamos fazendo o certo, mas essa falta de senso crítico e de percepção pode impactar a carreira. Você fecha muitas portas não por ser defensor de um partido ou político em específico, embora isso ocorra em alguns casos, mas pela incapacidade de demonstrar respeito e educação ao dialogar”, acentua.
Por fim, David Braga reforça que tanto para essa semana pré-eleitoral quanto o pós-eleição, deve-se haver um exercício diário de autocontrole e autoconhecimento. “Busque não entrar em discussões acaloradas ou radicais demais. Podemos e devemos nos posicionar, mas no ambiente de trabalho, ter discrição é importante para não sairmos do controle, ofender ou questionar um colega ou até o gestor. Expressar ideias com base nos planos e propostas socioeconômicas e de desenvolvimento para o país – dos próximos governantes e dos candidatos ao Legislativo – é saudável e um exercício de cidadania da nossa parte. Isso sim gera debates frutíferos e uma conversa mais proveitosa de ideias”, finaliza.
Por Bruno Piai