Até 2017, a arquiteta Verônica Ribeiro* era pouco ativa em suas redes sociais. “Sem motivação ou tempo de sobra para usá-las”, ela só “tomou gosto” pelo universo das redes virtuais quando decidiu criar uma conta no Twitter. Umbandista, a profissional fez de sua religião o principal assunto do perfil, publicando postagens, retweets e seguindo diversas páginas referentes ao tema. O que parecia, contudo, ser algo tão inocente, logo se tornou um verdadeiro problema para sua carreira quando um dos sócios da empresa onde atuava – à época um pequeno negócio de arquitetura – passou a segui-la na rede.

“A maioria da empresa sabia sobre a minha religião e isso nunca foi um problema. Nem teria porque ser, afinal, eu não a levava para dentro do trabalho, assim como um católico não interrompia o seu expediente para rezar um terço. No entanto, logo que um dos sócios descobriu o meu perfil no Twitter, minha vida virou de ponta cabeça”, conta.

Há quase três anos na empresa, Verônica foi chamada ao RH e se surpreendeu ao ser desligada por, segundo ela, “estar distante dos valores pregados no negócio”. A arquiteta ouviu, ainda, que deveria ser mais responsável em relação a como se manifesta fora da empresa. Por fim, soube que partiu do sócio que acabara de se tornar seu seguidor a iniciativa de demiti-la.

“Assim que todo o desligamento foi feito, conversei, por fora, com uma das funcionárias do RH com quem eu tinha amizade. Por sermos amigas, ela destrinchou todo o motivo da minha demissão. Disse que um dos donos não queria uma ‘macumbeira’ dentro da empresa e que eu poderia ‘manchar seriamente a imagem da organização’. Fiquei em choque. Felizmente, não demorou para eu conseguir me recolocar no mercado, mas busquei apoio judicial”, revela a arquiteta, que entrou com um processo contra a empresa e teve ganho de causa por ter sofrido discriminação.

Toxicidade das redes sociais

O caso de Verônica está longe de ser uma unanimidade. Por mais que as redes sociais possam ser uma alavanca positiva para carreiras e negócios, elas ainda são cercadas de tabus, julgamentos e incertezas. De acordo com dados do estudo “Tracking Sintonia com a Sociedade”, 75% das pessoas já presenciaram ataques e/ou ameaças a outras pessoas nas redes por conta de discriminação. Os temas que mais motivam os ataques cibernéticos, segundo a pesquisa, são:

Ataques em redes sociais

Mas as temáticas polêmicas vão além. No atual BBB 22, por exemplo, o participante Luciano Estevan, que disse ao entrar na casa que tem o sonho de ser famoso, ao menos por ora conquistou aqui fora a tão desejada fama, mas seguramente não do jeito que gostaria. Internautas descobriram que o concorrente ao prêmio de R$ 1,5 milhão do reality show curte pornografia em suas redes sociais. Por conta disso, não é nada difícil encontrar postagens alheias que tratam o assunto da forma mais pejorativa – e, muitas vezes, odiosa – possível, um fardo que, de acordo com a consultora e especialista em Recursos Humanos, Célia Lourenço, o ‘brother’ terá que carregar por um bom tempo.

“Sem ter ideia do que está acontecendo aqui fora, Luciano cutucou um vespeiro. Pornografia é um assunto que sempre encabeça tabus e polêmicas. Ao meu ver, desde que não envolva nada que entre na esfera criminal, como adulto ele tem o direito de gostar do que bem entender. Contudo, as redes sociais dele são um prato cheio para que muitas empresas, principalmente as mais conservadoras, o deixem de fora de processos seletivos. Por estar no BBB, é possível que portas se abram e o assunto seja mais uma piada do que um problema. Entretanto, anônimos não tendem a ter a mesma sorte”, diz.

O BBB completou 20 anos. Ao longo desse período, houve situações que extrapolaram o cancelamento. Casos de assédio, intolerância religiosa e agressões já foram motivos para a polícia visitar a casa mais vigiada do Brasil. Para o advogado José Estevam Macedo Lima, especialista em direito do entretenimento, o fato do público não aprovar o comportamento de um ou outro participante, não dá o direito de usarem as redes sociais para atacá-los. 

“A internet não é uma terra sem lei. É importante ter responsabilidade e cautela ao se manifestar nas redes. A liberdade de expressão não serve de escudo para a prática de atos ilegais e moralmente vedados. Nem tudo é liberdade de expressão, há um limite que ultrapassado implica em violação. As condutas que se enquadram nos tipos penais descritos nos crimes contra a honra e também na injúria racial devem ser levadas à análise do Poder Judiciário e não devem ser justificadas pela liberdade de expressão”.

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Ainda no embalo dos assuntos tabus, 2022 promete dar força – não que os anos anteriores já não tenham feito isso – a mais um deles: política. Em ano eleitoral, a polarização nas redes sociais promete ser intensa. Discurso de ódio, notícias inverídicas, ataques a pessoas e empresas com visão política diferente são só alguns dos conteúdos que devem marcar as redes sociais e se estender para além delas.

“A maioria das pessoas têm sua posição partidária, mas se tratando de empregabilidade, explanar e compartilhar discurso de ódio e fake news sobre os candidatos à eleição pode ser um tiro no pé. Isso porque os recrutadores analisam esse tipo de perfil com assuntos polêmicos e podem enxergar o candidato como uma pessoa que pode causar controvérsias em diversos campos discursivos dentro da própria organização. É válido falar que essa dica também é importante no momento da entrevista, jamais aponte quais são suas escolhas partidárias ou qualquer outro assunto conhecido por gerar polêmica”, orienta Richard Vasconcelos, CEO da LEO Learning Brasil.

Cancelamento

E a liberdade de expressão, como fica?

Para o advogado Marcos Rocha, especialista em Direito Administrativo, o conceito de ‘liberdade de expressão’ exige cautela quando se fala das redes sociais. O especialista salienta que o ambiente virtual se tornou tão propício a ódio, ataques pessoais e críticas que passam do ponto, que por conta disso as pessoas sentem que realmente podem falar o que bem entendem sem que qualquer consequência possa ocorrer.

“O que vemos nas redes sociais é assustador. Há ofensas de todos os tipos, ataques à honra, comentários discriminatórios e uma série de outras situações que podem e devem ser categorizadas como crime. Quando questionados sobre, os indivíduos se sentem censurados e manifestam que são somente ‘opiniões’. Mas quem passa do ponto não está livre de enfrentar problemas judiciais”, comenta.

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O advogado deixa claro que o ambiente insalubre das redes não justifica que as empresas percam o discernimento no momento de contratar ou demitir com base nas redes sociais do profissional.

“Se você é uma pessoa que usa as redes sociais para estimular discursos mentirosos ou ofensivos à honra, reclamar ostensivamente do seu empregador ou expor preconceitos, a empresa tem todo o direito de te desligar por conta disso, inclusive, em alguns casos, por justa causa. O que a empresa não tem o direito de fazer é ser discriminatória. Posso perfeitamente usar minhas redes sociais para publicar conteúdos da minha religião sem, em momento algum, atacar uma outra. Se isso, como no caso da arquiteta, for um motivo direto para desligamento, minha recomendação é procurar por apoio jurídico”, elucida o advogado.

Use as redes sociais a seu favor 

Uma pesquisa do Global Digital Statshot, feita em 2020, revelou que estamos mais interligados do que nunca, já que grande parte da população mundial possui perfil em redes sociais. Dessa forma, pela primeira vez na história, o número de usuários que usam as mídias superou o número de pessoas que não usam – e a maior parte tem entre 16 e 36 anos, ou seja, estão em um período de formação de carreira. É, portanto, cada vez mais natural que as redes sociais tenham um caráter decisivo em processos seletivos, o que torna o uso delas mais vantajoso ou prejudicial.

“Que imagem você está passando com suas postagens? Cheque notícias antes de compartilhar, prefira se informar por sites confiáveis e conhecidos, evite um tom pessimista sobre a vida e mantenha o respeito pelo outro”, orienta Uranio Bonoldi, especialista em cargos de alta gestão.

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Uma pessoa engajada, atualizada com o que acontece no mundo, que demonstra positividade, que valoriza seus hobbies e aqueles ao seu redor, ganha pontos. “Mostrar o que faz no tempo livre: que faz algum esporte, que curte cinema, que gosta de ler, que se preocupa com o outro e está por dentro das atualidades é algo que conta a favor do candidato”, explica.

Profissionais devem ter cuidados com suas redes sociais

Já para a especialista em Gente, Gestão & Estratégia, Janaina Manfredini, outras recomendações que devem ser seguidas para que as redes sociais sejam uma solução e não um transtorno profissional são:

  • Evitar fazer das redes sociais um diário público;
  • Ter cuidado com fotos em festas, uma vez que elas podem passar uma impressão errada;
  • Defender suas bandeiras com sabedoria e embasamento, sem deixar de respeitar as bandeiras alheias;
  • Procurar não fazer postagens constantes que possam demonstrar insatisfação com o trabalho, como “já chegou o fim de semana?”;
  • Não falar mal dos empregos anteriores.

“Todos têm o direito de compartilhar o que quiser, mas entenda que a organização também terá o direito de não concordar com a sua visão e não te selecionar por causa disso. Isso pode ser bom ou ruim, vai depender da sua vontade de estar naquele lugar”, finaliza.

* A personagem pediu para substituirmos seu sobrenome a fim de preservar sua imagem.

Por Bruno Piai