Saúde mental é um assunto que deve ser tratado diariamente. Contudo, no primeiro mês do ano, a temática conta com alguns ‘reforços’ para que sua importância não seja, em momento algum, esquecida. O dia 10 é anualmente marcado por ser o “Dia Mundial da Saúde Mental”, enquanto o mês por inteiro é envolvido pela campanha Janeiro Branco, que estimula a conscientização e os cuidados em relação a doenças, síndromes e transtornos que impactam o emocional.

Para 2022, a discussão em torno da saúde mental, especialmente no ambiente de trabalho, recebeu novos contornos. Desde o dia 1º, a Síndrome de Burnout entrou na categoria de doenças ocupacionais (CID-11), “oficializando” uma preocupação que RHs e lideranças não podiam e não podem deixar de lado. Além disso, com a chegada da pandemia da Covid-19, que está prestes a completar o seu segundo ano e não parece estar próxima de chegar ao final, os casos de ansiedade, insegurança, depressão, medo e outras enfermidades psicológicas explodiram, trazendo um cenário desafiador a ser gerido pelas organizações.

Não é só tratar, é prevenir

Doenças mentais são a segunda maior causa de abstenção e afastamentos no trabalho e a terceira maior em perícias médicas no INSS. O último dado da Previdência Social revela que mais de 70 mil colaboradores foram afastados por conta disso.

Na visão da psicóloga clínica Luciana Vecchio, especialista em desenvolvimento humano e parceira da Vidalink, lidar com as doenças mentais no ambiente de trabalho não é uma responsabilidade exclusiva dos empregadores, uma vez os próprios colaboradores têm a responsabilidade de se questionar sobre como lida com as pressões e os desafios profissionais e pessoais e, até mesmo, como pode auxiliar um colega ansioso.

“A qualquer momento podemos apresentar algum tipo de sofrimento psíquico desencadeado pelas mais diversas razões: estresse no trabalho, medos, problemas afetivos ou familiares, traumas, mudanças sociais, inseguranças internas. O que diferencia um problema emocional, que necessita de tratamento, de uma tristeza comum é a forma como lidamos e o quanto isso interfere em nosso equilíbrio. Quanto mais ignoramos o assunto, mais suscetíveis ficamos a uma série de doenças que envolvem o agravamento da ansiedade, do estresse e distúrbios psicológicos mais graves, responsáveis por incapacitar ou comprometer as nossas vidas, nos mais diferentes sentidos”, alerta.

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De acordo com a especialista em Recursos Humanos, Christiane Berlinck, a pandemia da Covid-19 colocou em foco a necessidade do bem-estar físico e mental se tornar uma prioridade dentro dos negócios, “algo que algumas empresas já vinham fazendo, mas que em sua maioria não se executava como um plano rigoroso, com objetivos concretos e mensurações para encontrar oportunidades de melhoria”.

Para ela, algumas ações pontuais podem ser determinantes para que as empresas consigam oferecer, de fato, apoio, empatia e fortalecer tanto o desempenho social quanto o profissional. Na IBM, por exemplo, foram implementados canais e fontes de informação, o incentivo a pausas na jornada de trabalho e a incorporação de profissionais com experiência em saúde mental.

“Saúde mental é uma área na qual colocamos um foco especial para acompanhar e estar próximo de nossa população. A organização conta com uma equipe global de psicólogos organizacionais e um sistema de gerenciamento com grupos de especialistas em riscos específicos, como os psicossociais, e por meio desses grupos estabelecemos uma estratégia global a qual nós aderimos”, pontua.

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RHs precisam se repaginar

O termo “doenças que não se vê”, empregado no título, é subjetivo quando falamos sobre doenças e transtornos mentais. Dificilmente um momento único de estresse ligará o alerta sobre um Burnout, assim como um dia emocionalmente atípico de um colaborador será interpretado como o início de uma depressão. No entanto, apesar de nem sempre ser fácil diagnosticar enfermidades emocionais no começo de sua manifestação, é possível, sim, se atentar a sinais que mostram que algo está acontecendo.

No caso do Burnout, por exemplo, a Head de People da Pipo Saúde, Marcela Ziliotto, explica que “a pessoa acometida pela Síndrome de Burnout costuma entrar em um ciclo de três fases. Inicialmente, passa por um aumento brusco de produtividade e acaba por trabalhar mais do que oito horas por dia, por exemplo. A partir disso, a segunda etapa é o surgimento de outros sintomas como taquicardia, falta de ar, dores musculares, dor de cabeça ou insônia. Nesta fase, ainda é possível notar mudanças na alimentação. Por fim, o ciclo chega à exaustão total, que pode resultar em falta ou não cumprimento de prazos”.

A especialista explica, ainda, que a síndrome pode desencadear ansiedade, depressão e outras doenças. E, como por ela esclarecido, os sintomas físicos também se fazem presentes em algum momento. Ou seja, cedo ou tarde o status “invisível” de tais doenças deixa de existir – o que pode, naturalmente, ocorrer mesmo que sintomas físicos não se manifestem – e elas se mostram com toda força.

Doenças e transtornos mentais cresceram no ambiente de trabalho

Por conta disso, segundo a psicóloga clínica e organizacional Jocely Figueiredo, O RH tem participação fundamental para gerir a transformação que a pandemia trouxe à relação entre empresas e colaboradores, especialmente no que diz respeito a uma cultura de cuidados com o bem-estar.

“A preocupação com a saúde mental dentro das organizações tende a aumentar e isso abre novas perspectivas e desafios no setor de RH. Os profissionais do setor já tiveram que se adaptar e trabalhar com novos formatos desde o início da pandemia, para engajar e manter o convívio entre colaboradores. A tendência é que sigam em busca dessa construção de um ambiente de trabalho mais saudável e adequado ao momento atual”, avalia.

Jocely deixa claro que a gestão do clima organizacional será uma das maiores missões da área de Recursos Humanos em 2022. Entrar em contato regularmente e verificar se todos os membros da equipe estão bem se tornou algo imprescindível, principalmente à distância. Com tantas pessoas optando por seguir trabalhando em casa, pode ser ainda mais difícil notar sinais de que alguém está com problemas. “É importante ter uma escuta empática e encorajar perguntas e demonstrações de preocupação. Quando um colaborador se sente ouvido e acolhido, forma-se um ambiente saudável de trabalho e as pessoas se tornam mais produtivas”.

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Home office não é cura

Em artigo intitulado “Home Office: Do Preventivo ao Perpétuo”, o autor Fábio Akiyama, fisioterapeuta que atua com microfisioterapia (terapia que estimula a autocura através do toque), lista uma série de problemas físicos que podem se manifestar no home office, especialmente em decorrência de má postura ou de detalhes que mal notamos, mas que impactam nossa saúde.

“Como profissional fisioterapeuta, percebo a grande quantidade de pessoas que têm sido vítimas do home office. Isso aconteceu porque boa parte passou a trabalhar mais horas e em um ambiente impróprio. E acabam tendo muitas dores na região lombar, cervical ou cefaleias tensionais que são rebeldes aos tratamentos medicamentosos, além da famosa coluna ‘travada’. Percebi que estava em uma batalha injusta, as pessoas passam uma hora por semana comigo, e o resto do tempo em seu posto de trabalho, que muitas vezes é em uma mesa de jantar com uma cadeira de altura inapropriada, e com o computador fora do alcance de seus olhos.”

Os problemas do trabalho a distância, porém, não se resumem à ergonomia. Mandar colaboradores para trabalhar de casa ou de outro lugar tornou- se um hábito não só para enfrentar a pandemia, mas para, na crença de muitos gestores, “aliviar” os funcionários. Todavia, em determinadas situações, o home office pode contribuir mais a favor das doenças mentais do que efetivamente contra elas.

A rigidez é inimiga da flexibilidade do home office. As pessoas perfeccionistas, que se cobram muito, não querem aparecer na videoconferência com barulho de crianças e cachorro no fundo, aqueles que não se adaptaram ao novo momento, podem adoecer”, exemplifica a psiquiatra Alexandrina Meleiro, membro do Conselho Científico da ABRATA (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos).

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O profissional em risco é aquele que passa a mostrar um comportamento de pouca interação cibernética. Alguns indicativos são motivo de preocupação, como ficar muito tempo nas reuniões com a câmera desligada, não interagir com a equipe como antes, mostrar semblante mais triste e inexpressivo, às vezes, irritabilidade, deixar de cuidar da aparência, ter insônia, queda na produtividade e na qualidade do trabalho, além de perder o prazo das entregas. A indicação para casos desse tipo é sugerir a busca por apoio psicológico e abrir um canal de diálogo.

Esse contexto de isolamento e sobrecarga de tarefas em casa gera uma percepção de falta de tempo livre, o que favorece os sentimentos de ansiedade e angústia, e pode causar o aumento do consumo de alimentos inapropriados, além de bebidas alcoólicas ou outras drogas. Por isso, de acordo com Alexandrina os gestores e os RHs podem lidar com a situação da seguinte forma:

  • Ter uma conversa leve com o colaborador, deixando as cobranças de lado e buscando compreender quais são as questões que atrapalham seu desempenho. É importante auxiliar para que uma solução seja encontrada;
  • Se necessário, dar uma licença ou reduzir o horário do expediente momentaneamente, diminuir a cobrança, a quantidade de trabalho e o grau de responsabilidade na empresa até que a pessoa se recupere;
  • Muitas vezes o colaborador não vai se abrir com o gestor por medo de perder o emprego e de sofrer discriminação dos colegas. O grau de intensidade da depressão e a possibilidade de cruzamento com uso intenso de álcool e drogas também podem dificultar o diálogo. Se houver um colega do trabalho muito próximo ao colaborador, pode ser a pessoa mais indicada para o gestor procurar para conseguir um contexto sobre a situação da pessoa e, se for o caso, para fazer esse primeiro contato de apoio a ela.

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“Os profissionais que estão em home office devem buscar manter ao máximo a rotina, com horários e locais bem definidos dentro do lar para trabalhar. Realizar atividades de lazer com a família ou por vídeo, para aqueles que vivem sozinhos, é outra medida que pode ajudar”, finaliza.

Por Bruno Piai