Desde o dia 1º de janeiro deste ano, a Síndrome de Burnout – também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional -, passou a fazer parte da 11ª versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11). Ou seja, o Burnout foi oficializado como uma doença ocupacional, mais especificamente como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”.
A nova classificação relaciona, enfim e definitivamente, a síndrome ao ambiente de trabalho, o que consequentemente aumenta a responsabilidade direta e indireta das empresas pela saúde emocional dos colaboradores. De acordo com Aier Adriano Costa (foto abaixo), especialista em Medicina do Trabalho e Médico Responsável Técnico da Docway, empresa de soluções de saúde digital, a decisão tomada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) acompanha as mudanças nas relações de trabalho, uma vez que modelos de trabalho como o híbrido e o remoto, que se “popularizaram” durante a pandemia da Covid-19, assim como a jornada presencial não estão isentos de oferecer problemas que afetam a saúde emocional do trabalhador.
“O reconhecimento de uma nova doença (ou síndrome, no caso do Burnout) facilita a gestão de dados médicos para que seja possível observar de forma mais clara e precisa a condição de um paciente, facilitando a classificação de síndromes crônicas. Isso não significa que vai aumentar ou diminuir o número de trabalhadores atingidos pelo problema, mas sim que ele será reconhecido com mais facilidade e, consequentemente, será possível acompanhar o crescimento dos dados de forma mais apurada. Afinal, enquanto não existia a opção de classificação da doença, o paciente era incluído nas estatísticas de outro problema qualquer”, explica.
Brasil é um dos países mais afetados pelo Burnout
Segundo uma pesquisa realizada pela Microsoft, nos últimos anos os casos da síndrome aumentaram em 44% no Brasil. A ISMA-BR (International Stress Management Association) divulgou que o profissional brasileiro é o segundo mais afetado pelo Burnout no mundo, atrás somente dos japoneses. Além disso, com a chegada da pandemia, alguns grupos se tornaram suscetíveis a alavancar a estatística. Na área da saúde, por exemplo, pesquisas revelam que 79% dos médicos apresentaram sintomas da síndrome, enquanto 74% dos enfermeiros e 64% dos técnicos de enfermagem vivem a mesma situação.
“A Síndrome de Burnout, consequência do excesso ou sobrecarga de trabalho, se agravou na pandemia. Nesta condição, a pessoa se sente literalmente exausta, esgotada física e psicologicamente, seja por causa do número de horas trabalhadas, seja pelo estresse provocado pelas condições de trabalho”, explica a Dra. Danielle H. Admoni, psiquiatra na Escola Paulista de Medicina UNIFESP e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
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Mas não é só esse ponto que exige atenção. Segundo o Índice de Bem-Estar Corporativo (IBC), criado pelo Zenklub com times de psicologia e educação corporativa para que as empresas tenham um panorama da saúde mental de seus funcionários, o Índice Geral de Bem-Estar Corporativo do mercado brasileiro ainda é médio – 49,25 em uma escala de 0 a 100, cujo índice ideal seria de, no mínimo, 78.
Quando falamos em Burnout, o índice é de 58,75. Neste caso, quanto menor for a pontuação, melhor o índice de Burnout e, consequentemente, de bem-estar. Ou seja, o resultado também traz um alerta para as empresas quanto ao risco de estafa de seus colaboradores. O IBC avaliou cinco dimensões: ambiente de trabalho, Burnout, adição de trabalho, relacionamento com colegas e líderes e volume e controle de demanda.
Como lidar com o Burnout
De acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o número de solicitações de auxílio-doença quintuplicou entre março e abril de 2020. Estes foram os dois meses de evolução do contágio da covid-19 no Brasil. Os dados apontam que entre um mês e outro, os pedidos saltaram de 100 mil para 500 mil.
“De fato, o número de requerimentos de benefícios previdenciários no INSS de natureza psiquiátrica está entre os primeiros colocados. Os pedidos de auxílio-doença e benefícios assistenciais, em decorrência de transtornos mentais, só possuem menor incidência em relação aos de natureza ortopédica”, diz Carla Benedetti, advogada, mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP e associada ao IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário).
Outros dados, desta vez de um levantamento internacional, apontam que os executivos brasileiros estão entre os mais insatisfeitos do mundo com o equilíbrio entre vida familiar e dedicação profissional. Não é necessário ser executivo para se identificar com o estresse no trabalho, mas, entre eles, o nível de estresse patológico chega a 44%.
Segundo a gestora empresarial Andrea Deis, o executivo está sendo cada vez mais exigido no que diz respeito à produtividade e à resiliência. Gerenciar as emoções também é necessário para a redução do estresse. Para ela, alguns pontos importantes devem ser seguidos para que os profissionais consigam gerir melhor sua saúde emocional, tais como administração de tempo, estabelecimento de prioridades, aceitação das frustrações e capacidade de superá-las, boa administração de situações conflitivas e reflexão a respeito de como valores pessoais e profissionais estão sendo trabalhados.
Em relação ao home office, ao contrário da crença popular de que o trabalho a distância pode amenizar o estresse, a verdade é que ele pode ser tão nocivo quanto o modelo presencial a depender de como colaboradores, líderes e gestores gerenciam o trabalho. Por diversas razões, nem todos os trabalhadores se adaptaram à rotina trabalhista de casa, o que, segundo o Dr. Adiel Rios, pesquisador no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), pode resultar em desânimo, dificuldade de raciocínio, ansiedade, irritação, sensação de incapacidade, entre outros sintomas.
“A privação do sono também é um forte gatilho para a Síndrome de Burnout. “Quando o profissional não dorme o suficiente para ser produtivo ou trabalha até tarde da noite, prejudica a rotina do sono, desregulando seu relógio biológico. Isso resulta em uma extrema exaustão, pois o organismo, que já está habituado com um determinado padrão de sono, sofre um forte impacto, precisando de tempo e resistência para se adequar às mudanças”, salienta.
Para Aier Costa, a entrada do Burnout no CID-11 é um fator a mais que tende a contribuir para as organizações olharem com maior atenção para ações de prevenção e cuidado com a saúde. A síndrome pode levar meses para ser tratada, porém pode não ser motivo para um afastamento caso seja brevemente identificada e submetida ao acompanhamento adequado. “O grande desafio agora é quebrar o paradigma cultural brasileiro de resistência e preconceito com tratamentos psicológicos. Muitas pessoas querem economizar com a saúde, mas poucas percebem que, dessa forma, vão ter um custo muito mais elevado com a doença”, diz.
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Nos casos em que a Síndrome de Burnout já está instalada, recomenda-se buscar auxílio médico especializado para avaliação do quadro e orientação quanto ao tratamento. “Especialmente no caso das pessoas cujas características de personalidade as tornam mais propensas ao Burnout, a psicoterapia é um complemento importante, pois o problema está, muitas vezes, dentro da pessoa, e não tanto em suas condições de trabalho”, finaliza Monica Machado, psicóloga fundadora da Clínica Ame.C.
Por Bruno Piai