Para muitas pessoas, a demissão por justa causa está relacionada a questões que pareçam extremas ou absurdas, como o espaço do café ser usado de ringue para funcionários que desejam resolver suas diferenças ou colaboradores cansados sapatearem na mesa do chefe enquanto ditam “poesias” para o mesmo.
Brincadeiras à parte, o fato é que, segundo a CLT, hoje, são 14 as razões que justificam um desligamento por justa causa. Você está por dentro de todas? Vamos à lista:
1) Improbidade
Os chamados atos de improbidade são, por exemplo, as fraudes. Em linhas gerais, representam as condutas desonestas dos colaboradores, o que inclui roubos, falsificação de documentos e afins para ganho pessoal ou de terceiros.
2) Jogos de azar
Se, durante o horário de almoço os colaboradores se reunirem para jogar cartas – em um local que não atrapalhe quem estiver trabalhando ou seu rendimento -, não há problemas. A justa causa se configura quando existe a constância e os jogos de azar são levados para a organização de modo que atrapalhe tanto o negócio quanto a produtividade do colaborador. Não são incomuns casos internos de apostas ou situações do tipo que se configuram em problemas posteriores.
3) Incontinência de conduta ou mau procedimento
Uma importante ressalva a se fazer sobre o primeiro item desta lista é que, nos casos de improbidade, não necessariamente é preciso aplicar advertências ou suspensões antes do desligamento por justa causa. Aqui, a regra adotada também pode ser a mesma. Neste item estamos falando sobre condutas de assédio, obscenas, libidinosas e afins.
4) Lesões da honra ou da boa fama, ou ofensas físicas contra outras pessoas (público, colegas, etc)
Ataques psicológicos, assédio, ofensas à moral e semelhantes também justificam uma justa causa. É aqui que se enquadram os casos de difamação, calúnia e injúria. E não custa reforçar que a punição para tais atos não necessariamente se resume ao desligamento, uma vez que os casos podem ser levados à Justiça e se configurar em processos tanto contra a empresa quanto contra o responsável pelas ofensas.
Agressões – exceto em casos no qual se configure legítima defesa – podem, do mesmo modo, levar ao desligamento.
5) Condenação criminal
Aqui é importante reforçar que, para a justa causa se configurar, é necessária a condenação de fato. Ou seja, uma vez que o colaborador não tenha mais nenhuma possibilidade de recorrer à Justiça após ser condenado criminalmente, seu contrato pode ser encerrado.
6) Ações que representam atentados à segurança nacional
Ressaltando o óbvio: se um inquérito administrativo comprovar que o trabalhador é responsável por atos que atentam contra a segurança nacional, a demissão pode ser imediata. Importar armamentos, sabotar informações e/ou equipamentos militares são alguns exemplos.
7) Perda da habilitação profissional
Muitas profissões têm regulamentação em lei a respeito de documentos que devem existir para que elas sejam realizadas. Aqui vou citar dois exemplos. Um motorista que perde a sua CNH por motivos de dolo pode ser desligado por justa causa de sua função. O mesmo vale para um médico que, ao ser denunciado por alguma conduta irregular, perde o seu CRM.
8) Abandono de emprego
Que as famosas “faltas” justificam uma demissão, todos sabem. O que muitas pessoas nem sempre se atentam é que elas podem ser a razão de um desligamento por justa causa. 30 dias sem comparecimento ao trabalho e não justificados caracterizam o abandono de emprego e a consequente demissão imediata.
9) Desídia no desempenho das funções
Sabe aquelas famosas “gambiarras” que funcionam tão bem em algumas situações do nosso dia a dia? Evite-as no trabalho. O termo desídia remete ao relaxamento ou à negligência na realização das atividades respectivas à função de trabalho. Tentar resolver as coisas de qualquer jeito, apresentar má vontade, não tem a preocupação em chegar no trabalho no horário certo levam o empregado à demissão. Mas é bom ressaltar a importância do empregador ter bom senso, uma vez que neste caso conversar e aplicar advertências devem ser as primeiras ações a se tomar antes de chegar a uma justa causa.
10) Negociações sem permissão e para vantagem própria
A melhor forma de explicar é exemplificar. Imagine que você trabalha em uma loja de roupas, mas também é proprietário de uma. Se, ao invés de promover um atendimento que beneficie a empresa para qual você trabalha, a opção é por angariar os clientes e seduzi-los a comprar na sua própria loja, a demissão por justa causa pode acontecer. Qualquer ação do tipo, como coletar clientes para si em determinadas circunstâncias, deve ter autorização do empregador.
11) Embriaguez
A embriaguez é uma tema polêmico, pois sempre cerca o debate ‘doença x justa causa’.
O advogado especializado em Direitos Trabalhistas, Felipe Meireles, explica, então, que a embriaguez só é caso de justa causa quando “a síndrome da dependência do álcool, o que popularmente conhecemos como a doença do alcoolismo, não é determinada por um médico. Ou seja, se o colaborador chega embriagado ou consome álcool durante o expediente, assim causando danos a ele próprio e à empresa, a demissão pode ocorrer de imediato desde que a doença não seja comprovada. A recomendação, portanto, é não tomar a decisão sem antes ter aval médico”.
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12) Violação de segredo da empresa
Mais uma vez um caso de dispensa imediata, mas que precisa de cuidado por parte do empregador. Aqui estamos falando, basicamente, do desligamento por justa causa como consequência aos colaboradores que vazarem informações sigilosas do negócio. Mas para que a justa causa possa ser a opção adotada, é necessário que a empresa consiga provar que a divulgação das informações foi feita de má fé e não de modo acidental ou por desinformação. Se a empresa não puder provar e ainda assim optar pela justa causa, a tendência é a chegada de um processo trabalhista.
13) Lesões da honra ou da boa fama, ou ofensas físicas contra superiores na hierarquia
Assim como no item 4, remete aos ataques verbais e físicos. A particularidade é que aqui o ato é contra o empregador ou contra superiores na hierarquia do negócio.
14) Atos de indisciplina ou insubordinação
Por fim, o último item da lista também não é tão desconhecido do público. Os famosos atos de indisciplina ou insubordinação, como não respeitar as regras da empresa ou o não acatamento de ordens podem terminar em justa causa.
Vacina da Covid-19 é fator determinante para justa causa?
A pandemia fez com que o trabalho remoto se tornasse realidade em todo o mundo. No Brasil não foi diferente. Em muitos casos, as empresas aderiram ao home office por tempo indeterminado. Outras optaram pelo retorno, aos poucos, ao regime presencial. E é justamente aí que surgem questões que precisam ser observadas, principalmente diante do momento excepcional de crise sanitária. A mais polêmica de todas, sem dúvidas, é a obrigatoriedade da vacinação contra a COVID-19. Os empregadores, nesse caso, poderiam exigir dos colaboradores o comprovante de imunização sob o risco de eles serem demitidos?
De acordo com o guia técnico emitido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), a orientação é para que as empresas invistam na conscientização, mas o entendimento é o mesmo ratificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da compulsoriedade na vacinação e indiretamente que a recusa injustificada à vacina pode até acarretar desligamento por justa causa, uma vez que ninguém teria a prerrogativa de colocar em risco a saúde dos demais colaboradores.
Mas, o que diz a Constituição sobre direitos fundamentais, sejam eles individuais ou coletivos? E como eles são aplicados quando, aparentemente, há contradição? A resposta para essa questão é: não há direito absoluto. Em certas situações os direitos individuais de liberdade, vida privada e intimidade podem ser limitados em prol do bem-estar coletivo, assim como o inverso, sendo obrigatório dizer que nas condições normais o direito coletivo de proteção à saúde e bem estar da coletividade deve se sobrepor aos direitos individuais mencionados.
Ou seja, quando um trabalhador se recusa a ser imunizado para retornar ao regime presencial, está colocando em risco todo o ambiente de trabalho. E isso é o que vem sendo entendido pela Justiça, como afirma o advogado João Pacheco Galvão de França Filho, especialista em Direito Trabalhista, do escritório SFCB Advogados.
“Em condições normais, pelo respeito à solidariedade, objetivo da República inscrito no artigo 3º da Constituição Federal, e da proteção da saúde da coletividade, aplica-se a compulsoriedade na vacinação, sendo que a recusa injustificada poderá acarretar em dispensa por justa causa. Os tribunais já se posicionaram neste sentido, sobretudo quando os empregadores conscientizam os colaboradores e, mesmo assim, permanece a recusa na vacinação.”
Ainda, de acordo com o advogado, a orientação é de que as demissões ocorram apenas como última alternativa depois de reiteradas tentativas de convencimento por parte do empregador da importância da imunização em massa.
Contudo, ainda não há uma resposta “definitiva” à pergunta. A advogada trabalhista Fernanda de Paula A. Garcia, do escritório Zürcher Advogados, também orienta as empresas no sentido de que a conscientização é a melhor maneira de vencer a resistência dos colaboradores contrários à imunização.
Ela ressalta a importância da orientação do MPT de que as empresas incluam o risco de contágio pela Covid-19 no ambiente de trabalho em seu Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) e Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO). Neste, a vacinação pode ser incluída como um dos itens. “É muito relevante, ainda, manter os protocolos para evitar a contaminação: uso de máscaras, distanciamento mínimo de 1,5 metro entre as pessoas e disponibilização e uso de álcool em gel 70%”.
Especialistas também pontuam que se a empresa não documentar que a imunização é um dever do trabalhador, a justa causa não deve acontecer, como orienta a advogada Maria Lucia Benhame, sócia do Benhame Sociedade de Advogados, que falou detalhadamente a respeito em matéria para o RH Pra Você. “O que o empregador pode fazer é conscientizar sobre a importância de se vacinar, tanto para saúde individual quanto coletiva. Mas jamais promover ação à força”, diz.
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Justa causa não é regra
De acordo com André Leonardo Couto, gestor da ALC advogados com mais de 25 anos de experiência na área jurídica, todas as situações que podem ensejar a demissão por justa causa estão elencadas no artigo 482 da CLT. “O texto é bem claro para que não ocorra dúvidas em empregados e empregadores”, comenta.
O advogado recomenda ao empregador que, antes de demitir o seu funcionário por justa causa, proceda com algumas medidas, como advertência e suspensão, para depois aplicar a lei conforme o artigo 482 da CLT. “Sugere-se que seja adotada a gradação das penas, aplicação inicialmente as de advertências, depois suspensões, para somente como a última pena, a justa causa. Agora, se a falta foi muito grave, pode-se aplicar a justa causa de imediato. Tem que ser formalizado um comunicado com a causa da dispensa e colhida a assinatura do empregado e caso ele recuse a assinar, a assinatura de duas testemunhas da referida recusa no citado comunicado”, explica.
Na hipótese de uma justa causa indevida, caso o funcionário perceba que foi demitido sem um motivo justificável, é possível ajuizar uma causa trabalhista. “Quando inexistentes algumas das hipóteses do artigo 482 da CLT e quando a falta não for grave o suficiente, ou seja, pode a falta ser penalizada com uma advertência e/ou suspensão, por exemplo, o empregado pode recusar a assinar o comunicado da dispensa por justa causa e ajuizar uma ação de reclamação trabalhista questionando a sua demissão”, comenta.
O especialista da ALC Advogados adiciona que caso ocorra algum ato ilícito por parte da empresa, o empregado pode pedir ruptura contratual, numa espécie de justa causa do funcionário para o empregador. “Se o contratante violar alguma norma legal ou contratual, pode o contratado lhe atribuir a justa causa para a ruptura contratual, mediante a rescisão indireta do contrato de trabalho, prevista no artigo 483 da CLT”.
Uma situação muito séria, e que acontece em muitas empresas, é o desvio de valores financeiros. Neste caso o advogado adverte que pode ser feito por parte do empresário, ou mesmo empresa, uma representação criminal. “A organização pode efetuar uma representação criminal e ainda, postular em ação competente e/ou procedimento legal o ressarcimento dos valores desviados pelo funcionário”, salienta.
Além disso, ele explica, que caso o empregado for displicente em suas atribuições e isso for determinante para causar perdas à organização, o empregador pode pedir a reparação. “Se o funcionário não cumprir suas funções e se o prejuízo ficar satisfatoriamente comprovado, mediante laudo de auditoria por exemplo, e for atribuído exclusivamente a uma determinada pessoa, pode haver sim a dispensa por justa causa e, ainda ação de indenização por parte do empregador”, completa.
Por Bruno Piai