Nesta quarta-feira (27), aconteceu o segundo e último dia do HR4results 2022, evento em formato híbrido promovido pela Gupy. A atual edição trouxe diversas personalidades do RH para tratarem de assuntos como inovação, diversidade, benefícios, tecnologia e outras agendas importantes do RH moderno.

Marcaram presença também nomes bastante conhecidos do público, como Miguel Falabella, Tadeu Schmidt e Djamila Ribeiro. A ela, inclusive, ficou a missão de encerrar o evento. Filósofa, fundadora da Feminismos Plurais e uma das 100 mulheres mais influentes do mundo – segundo a BBC -, Djamila trouxe importantes reflexões sobre inclusão social e profissional. O RH Pra Você acompanhou a palestra da autora do “Pequeno Manual Antirracista” e traz os principais insights levados ao palco pela escritora. Confira:

O que é necessário para a construção de uma nova realidade?

A pergunta acima, título da apresentação da filósofa, não tem uma resposta simples. Para falar de políticas diversas, equitativas e inclusivas no mercado de trabalho, Djamila abriu sua fala contextualizando o histórico de racismo estrutural e desigualdades no Brasil, levantando dados, fatos dos 520 anos de pós-descobrimento do país e compartilhando experiências de sua trajetória de vida.

“Temos que discutir sobre as desigualdades. Quando nós compreendermos como elas foram construídas historicamente, entenderemos por que se precisa falar sobre diversidade. O Brasil foi um dos últimos países da América a abolir a escravidão, após quase quatro séculos. Tivemos mais tempo com a escravidão do que sem ela nestes mais de 500 anos. E como isso impacta na construção da sociedade? Foi um sistema que estruturou o racismo no Brasil”, disse.

Durante o relato, Djamila trouxe, além da pauta do quanto o racismo ainda é um divisor social e mercadológico, o cenário de desigualdade e preconceito que também marca a trajetória de muitas mulheres no mercado de trabalho. A especialista, que elencou situações como gestores não se preocuparem com a paternidade do mesmo modo que enxergam a maternidade como um problema.

“Quando a mulher se torna mãe, no ambiente corporativo isso é um complicador. Já para o homem ninguém pergunta se ele dará conta dos filhos para contratar, para poder assumir um cargo de diretor. Temos que entender a realidade do outro para compreendermos que nem todos partem do mesmo lugar que nós. Existem pessoas que partem de lugares marcados pela desigualdade.”

Djamila Ribeiro falou sobre desigualdades no HR4results

Na sequência, Djamila pontuou o quanto as políticas de equidade de gênero da Noruega podem ser um exemplo a ser seguido por empresas e órgãos governamentais. Em viagem ao país europeu, em 2017, ela teve a oportunidade de conhecer algumas das ações para tornar o mercado de trabalho menos desigual. Uma delas é a licença parental, que pode ser usufruída por um ano tanto pela mãe quanto pelo pai e vai contra o estigma de que cuidar dos filhos é uma responsabilidade somente da mulher. Outra é um sistema de cotas para incluir o público feminino.

Na Noruega há um programa de cotas no qual 40% dos cargos de chefia das companhias nacionais têm que ser ocupados por mulheres. Fui conversar com o parlamentar que criou essa lei, um homem, e questionei o motivo da criação dessa política. Ele respondeu que se as mulheres não estão presentes nos cargos de chefia é porque há um problema. E esse problema não são as mulheres. Seu papel era criar um programa para criar essas oportunidades, pois se as mulheres são economicamente ativas, é positivo para a economia do país.”

Veja mais: Sem barreiras: histórias de mulheres promovidas durante e após a licença-maternidade

A missão das empresas na promoção da diversidade

Djamila é enfática ao dizer que “se convivemos só com quem se parece com nós, naturalizamos que só estas pessoas podem acessar os mesmos espaços ou que pessoas diferentes não acessam porque não querem”. A escritora reforça que a falta de convívio com outras realidades torna complexo um entendimento do quanto a sociedade exclui determinados públicos enquanto privilegia outros.

O caso do parlamentar norueguês é levantado por ela como um exemplo a ser seguido pelos RHs, pois ao receberem currículos e serem responsáveis por processos seletivos, são quem têm o poder de promover mudanças que se estendem para além do ambiente corporativo.

“Eu abri uma vaga, mas não veio ninguém da periferia, então eu fiz a minha parte. Muitos pensam assim, mas não se questionam sobre por que as pessoas não aparecem. É uma série de questões que envolvem falta de acesso, a pessoa não achar que aquilo é para ela. Há fatores que fazem com que profissionais não se inscrevam [em processos seletivos], pois há a crença de que sequer serão vistas. Você se sente constrangido dependendo do espaço onde estiver”, salientou.

A palestrante compartilhou que muitos programas de diversidade falham mesmo após a seleção encontrar bons candidatos, pois os contratados não conseguem se integrar em ambientes que não são inclusivos e nos quais discriminações travestidas de piadas são naturalizadas e fazem parte da rotina.

Djamila Ribeiro

Muitas empresas pensam na diversidade sem pensar na inclusão e na construção de um espaço de segurança para todos nele presentes. “O racismo, a homofobia e o machismo recreativos têm um caráter estratégico. É como se o tempo todo as pessoas estivessem falando que você não deveria estar lá. Em um caso de racismo, as pessoas se defendem, dizem que é brincadeira, quando o que deveriam fazer é questionar por que foram racistas. Estamos mais preocupados com a nossa imagem do que com a dor causada no outro”.

Para ela, o papel de um agente transformador, tanto nas empresas quanto na sociedade como um todo, começa por mais educação e menos achismos. “Quando as pessoas me perguntam qual é o caminho para mudar, sempre falo: estudar. Para tudo se tem que estudar. Eu achar que não existe machismo no Brasil não muda o fato que o Brasil é o 5º país com mais assassinatos de mulheres no mundo, não retira o fato de que o Brasil é um dos países líderes de violência sexual contra meninas e mulheres. Eu achar que não existe racismo não muda o fato de que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. Com as redes sociais todo mundo acha”, salientou.

Veja mais: Como criar um plano de D&I que faça sentido ao negócio e às pessoas

O ambiente de trabalho tem um papel transformador

“Em vez de culpa, que leva à inércia, se sintam responsáveis, porque isso leva à ação. Como que posso, aqui do RH, mudar minha empresa? Como eu olho para as pessoas que vêm de lugares diferentes de mim? Como podemos criar um programa de diversidade.”

Por meio dos questionamentos, Djamila explica que a efetividade de um programa de diversidade começa pelo diagnóstico interno. A partir disso, a iniciativa deve ter metas, mas exigências plausíveis: “em vez de pedir inglês, por que não contratar e oferecer inglês, por exemplo?”.

“Precisamos começar de algum lugar e isso é muito importante, pois programas mudam a vida das pessoas. Existem consultorias que ajudam a chegar aos candidatos quando as empresas não conseguem. Dá trabalho, é verdade, mas queremos ser agentes de dor ou de transformação? Queremos naturalizar as desigualdades ou mudar realidades? Dá trabalho, mas ao mesmo tempo é prazeroso ver o resultado transformador”, finalizou.

Por Bruno Piai