O conceito de vulnerabilidade entrou de vez em pauta nas discussões sobre quais características o líder moderno deve ou não ter. Enquanto para alguns líderes o “ser vulnerável” ainda está relacionado a um estigma de fraqueza, outros profissionais já entendem a atribuição como parte do processo de humanização e de construção de um ambiente no qual a comunicação não violenta dite o ritmo da relação entre liderança e liderados.

A psicóloga Ana Paula Alves explica que tal forma de comunicação é baseada em não rotular comportamentos. Ou seja, como trazido por Marshall Bertram Rosenberg, psicólogo estadunidense que cunhou o termo, a CNV é aplicável para que as particularidades de cada pessoa sejam melhor compreendidas, o que contribui para que líderes e RHs tenham maior assertividade na gestão de conflitos e no desenvolvimento de uma comunicação livre de julgamentos, preconceitos e barreiras.

“Nisso, a vulnerabilidade é parte importante do processo. É um momento em que você, como líder, se coloca como um igual, sem que a hierarquia ou o ego conduzam a comunicação e, consequentemente, façam com que o colaborador tenha receio de se expressar e compartilhar eventuais situações que prejudicam a sua dinâmica de trabalho e relacionamento na empresa”, diz Ana Paula.

Segundo pesquisas recentes realizadas pelo Instituto Gallup, 84% dos profissionais que pedem demissão o fazem por problemas de relacionamento com seus gestores diretos. Nenhum outro fator afasta tantos talentos das organizações. Isso mostra que skills como comunicação, empatia e outras habilidades emocionais estão ainda distantes do universo corporativo.

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Outra pesquisa, desta vez do Google, revela que uma equipe eficiente e de alta performance tem como característica um clima de segurança psicológica que rege as interações. Diana Bonar, especialista em gestão de conflitos e em CNV, explica que, na prática, os melhores times são aqueles que conseguem discordar sem brigar e que conseguem expor seus pensamentos sem medo de julgamentos ou ataques.

“Por isso, o grupo tem o foco na solução e não em achar culpados. Ou seja, são pessoas com habilidades para gerir suas diferenças e conflitos de forma assertiva e empática, o que traz muitos impactos positivos em todo ambiente de trabalho”, analisa.

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Empatia e conexão

Assim como toda soft skill, a CNV precisa ser praticada. Por mais que ela possa ser mais natural para algumas pessoas, nem sempre é fácil construir relacionamentos e ambientes nos quais a pluralidade de ideias, perfis e opiniões seja harmônica. Ana Paula salienta que para dominar a comunicação não violenta existe um processo que começa pelo autoconhecimento e pela aceitação de que todos têm pontos a serem melhorados.

“Eu não consigo compreender o outro se eu não começar por mim. Se um termo ofende um grupo de pessoas, mas na minha concepção ele é natural e não há porque existir algum tipo de problematização, por exemplo, é meu papel estudar, entender por qual razão tal termo é conflitivo. Se eu não abrir a mente para rever pensamentos que me guiaram ao longo da vida, provavelmente minhas condutas me levarão mais para conflitos do que para uma comunicação saudável. É preciso observar, não ficar o tempo todo com a guarda levantada. As pessoas são diferentes”, diz.

Diana, por sua vez, acrescenta que talvez o maior desafio seja lidar com a aceitação de opiniões contrárias, especialmente em um contexto tão polarizado quanto o brasileiro. Para tal, o exercício é não trabalhar com a ideia do certo ou errado, mas identificar o que leva cada pessoa a desenvolver e suas crenças e respeitá-las.

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“Nunca comece dizendo quem está certo ou errado. Mesmo que você pense que o errado é o outro, não verbalize isso. Porque para ele o errado é você. Busque ouvir a história do outro, compreender suas percepções e motivações de forma mais neutra. Mostre que você se importa com a pessoa. Mesmo que no momento você esteja frustrado ou com raiva, mostrar apreço verdadeiro pelo outro contribui para uma conversa mais franca”, orienta.

Algumas técnicas fora da caixa também podem contribuir para potencializar a comunicação não violenta e outras soft skills. Bianca Zuppardo, mestre cervejeira e gerente de processos da Ambev, encontrou na natureza um ponto de partida para melhorar suas habilidades comportamentais.

“Nenhum livro ou nenhum outro curso de liderança me ajudou a desenvolver as habilidades que o treinamento de liderança com cavalos me permitiu. Geralmente os cursos de liderança propõem sempre o mesmo direcionamento, então o convite para fazer um curso com cavalos foi muito intrigante pra mim. O profissional precisa ser estimulado a sair de sua zona de conforto, para ter mais motivação, desenvolver suas lacunas na gestão”, comenta.

Animais podem ser um apoio no desenvolvimento de habilidades emocionais

Animais podem ser um importante apoio no desenvolvimento de habilidades emocionais, como a comunicação não violenta

Ulysses Ervilha, professor na coudelaria Experientia Equus, explica que o trabalho com animais, no caso com os cavalos, ajuda a desenvolver pontos como sensibilidade, confiança, respeito, linguagem corporal e CNV. No sistema de comunicação dos cavalos, a liderança é dinâmica e há alternância entre seguido e seguidor. Eles se relacionam mais por competência do que por competição, uma lição que pode ser muito saudável para o homem no mundo corporativo.

“O cavalo desprende os homens de seus valores materiais e sociais, levando-os a mostrar suas mais profundas competências para se tornar líder. Na comunicação com cavalos, acreditamos que ‘como se faz’ é mais importante do que ‘o que se faz”, elucida o instrutor, que deixa claro que lideranças efetivas não devem ter mais ter a visão de controle, mas de conexão, de trazer pessoas para o seu lado.

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Os quatro passos da CNV

Segundo o psicanalista Edson de Paula, que também é consultor de desenvolvimento organizacional e mentor de liderança executiva, os estudos de Rosenberg incluem quatro passos para elaborar uma comunicação não violenta funcional, que estão alinhados com as dicas dadas pelos especialistas no tópico acima. São eles:

Observação

1 – Observação: procure observar sem julgar e avaliar. Quando combinamos observação com julgamento ou avaliação, as pessoas tendem a receber isso como crítica.

  • Julgamento/ Avaliação: “Você nunca faz o que eu peço!”
  • Observação: “Nas últimas duas vezes que eu pedi o relatório, você não me entregou.”

Sentimento

2 – Sentimento: Saiba identificar e comunicar corretamente seus sentimentos nas situações para aumentar a empatia e a possibilidade de gerar conexão com os outros. Tome cuidado para não utilizar um “falso sentimento” na sua fala.

  • Falso sentimento: “Eu sinto que você não me entende, não liga para mim!”
  • Sentimento: “Eu sinto uma frustração quando percebo que você não me ouve.”

Necessidade

3 – Necessidade: Por trás de um comportamento agressivo existe uma necessidade que não foi atendida, portanto, é preciso saber expressar a necessidade que está por trás do sentimento para valorizar a opinião que você defende. Uma dica aqui é iniciar com o sentimento que tem em relação à situação e, na sequência, colocar a necessidade, o valor que você defende.

  • Frase que não expressa necessidade: “Essa bagunça está demais!”
  • Necessidade: “Sinto irritação (sentimento) com sua falta de zelo, porque organização (necessidade/ valor) é algo muito importante para mim”.

Solicitação

4 – Solicitação: Deixe claro o que precisa ser feito de acordo com suas observações, sentimentos e necessidades para reforçar sua assertividade na comunicação. É importante saber solicitar como você quer ser atendido pelo outro, mas tome cuidado para não transformar uma “solicitação” em uma “exigência”.

  • Exigência: “Eu quero que você me compreenda!”
  • Solicitação: “Para saber se fui compreendido, peço que repita o que eu falei sobre esse assunto.”

Por Bruno Piai