Por mais que falar sobre diversidade e inclusão seja, hoje, uma das principais bandeiras levantadas pelo mundo corporativo, a temática, segundo alguns estudos, não aparenta ser tão prioritária quanto antes dentro das organizações. Um deles, que levanta a hipótese, é o relatório Tendências de Gestão de Pessoas 2022, do Great Place to Work (GPTW).

A pesquisa mostra que apenas 17,9% dos mais de 2 mil líderes e profissionais de RH entrevistados têm a diversidade e a inclusão como parte da prioridade de ações do negócio. Para efeito de comparação, a estatística anterior era de 37%, ou seja, mais do que o dobro. Questionados sobre, os entrevistados citaram a falta de know-how das empresas para desenvolver este trabalho um empecilho para a promoção de ações.

De acordo com Juliana Alencar, CEO e fundadora da WG – Weird Garage, hub de cultura e inovação que oferece soluções para aumentar a competitividade das empresas, muitos negócios ainda não compreendem o quanto o investimento em D&I está além do social. Segundo ela, organizações que investem na diversidade e na inclusão tornam-se mais suscetíveis a serem inovadoras e assertivas em suas estratégias de ação.

“[D&I e inovação] andam lado a lado. Tendo uma vivência próxima às big techs do Vale do Silício, a diversidade, antes, no olhar corporativo, era uma questão social. Mas as empresas inovadoras provaram o poder que há em se ter uma mesa diversa. A chance de você criar um produto e ele se tornar global e ganhar mais escala é muito maior. Quando falamos em ser competitivo, nem sempre é quem vai mais rápido, mas quem volta menos vezes à estaca zero. A diversidade se tornou um critério de inovação dentro das empresas”, destaca.

A importância das vagas afirmativas

Em abril deste ano, trouxemos por aqui um registro da Gupy que mostrou o quanto algumas ações afirmativas, como vagas destinadas a públicos específicos, vêm crescendo. Segundo a empresa de tecnologia para RH, enquanto em 2020 foram publicadas menos de 10 vagas afirmativas, entre o início do segundo trimestre de 2021 e o mesmo período em 2022 mais de 1.000 oportunidades afirmativas foram criadas, com direito a mais de 100 mil candidaturas.

Quase 60% das vagas foram destinadas a mulheres ou pessoas não brancas (28% e 30%, respectivamente), 12% à comunidade LGBTQIAP+ e 10% às pessoas com deficiência, enquanto o restante preferiu não enfatizar a qual público o anúncio foi deliberado.

Os indicadores mostram, portanto, que as equidades de gênero e racial estão entre as prioridades das empresas – apesar dos dados não deixarem claro quais são os cargos procurados pelas companhias e se há um trabalho voltado à liderança e à gestão, não se resumindo ao operacional -, enquanto outras diversidades ainda são menos dimensionadas.

O mercado de trabalho expõe a necessidade de ações afirmativas para empoderar minorias historicamente excluídas dos espaços corporativos. Para citar alguns exemplos, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 90% da população trans ou travesti ainda depende da prostituição para ter uma fonte de renda. Já em relação aos PCDs, embora eles sejam 20% da população do Brasil (45 milhões de pessoas), não representam, de acordo com a RAIS, nem mesmo 1% da força de trabalho formal do país (menos de 500 mil contratados) – mesmo com a Lei de Cotas.

Uma vez que há uma considerável abrangência de públicos que representam minorias, é natural que empresas, principalmente de micro, pequeno e médio porte, tenham dificuldades para trazer todos eles a seu negócio. Portanto, as empresas precisam considerar alguns fatores antes de desenvolver um plano efetivo de diversidade e inclusão, para que modismos e “fachadas” não se sobressaiam em relação a um trabalho verdadeiramente social e estratégico.

“O benefício de investir em Diversidade e Inclusão está em atrair e reter os melhores talentos. Antes as empresas buscavam um pool de talentos restrito: pessoas brancas, de classe média e que estudavam nas melhores universidades. Hoje, a diversidade amplia esse leque. Com ações afirmativas de D&I, é possível inserir nas organizações talentos diversos com habilidades que antes seriam ignoradas”, diz Leizer Pereira (capa), CEO da Empodera, plataforma de aceleração de negócios inclusivos.

Na visão de Rodrigo de Aquino, comunicólogo, especialista em Bem-Estar e Felicidade e fundador do Instituto DignaMente, as vagas afirmativas são importantes pois mostram que todos os públicos devem ter acesso ao mercado de trabalho e à possibilidade de crescer em suas carreiras.

“Muito mais do que ser incluído, porque a palavra inclusão por vezes tem um tom de superioridade, um ‘eu te incluo’, é preciso pensar em criar uma sociedade com acesso – apesar de, dentro do contexto atual, a palavra inclusão ser aceitável. Com acesso eu vou e eu volto, posso buscar a vaga que eu desejar, estar no departamento que eu quiser”, comenta.

Rodrigo de Aquino, comunicólogo, especialista em Bem-Estar e Felicidade e fundador do Instituto DignaMente

Rodrigo de Aquino, comunicólogo, especialista em Bem-Estar e Felicidade e fundador do Instituto DignaMente

Aquino traz uma fala de Peter Drucker, chamado de ‘pai da administração moderna’, que diz que “a cultura come a estratégia no café da manhã”. O comunicólogo compartilha que todas as ações afirmativas ainda estão encaixadas na estratégia, quando também devem fazer parte de um trabalho que envolva a cultura das organizações, que, por sua vez, igualmente precisa ser analisada e repensada.

“A partir do momento que vira estratégia e dá trabalho, a cultura engole. Você deixa de fazer. A cultura faz com que você normalize, por exemplo, aumentar as vagas para mulheres em uma organização. Mas, ainda assim, são só mulheres brancas e loiras. Não são necessariamente mulheres orientais, negras, PCDs. Em algum lugar há um viés cultural que faz com que haja a crença de que ‘ah, mas eu já estou fazendo’, mas você só contrata LGBTQIA+ para serem assistentes, leva um PCD a um cargo de liderança, mas reclama que ‘dá trabalho para ele viajar’”, destaca.

Nesse sentido, Rodrigo admite que as empresas estão “trocando o pneu com o carro em movimento”, no sentido de restabelecer a visão sobre a sua cultura, mas que mesmo que muitas vezes o processo possa ser complexo, é necessário que seja realizado.

Já em relação ao  “favoritismo” que as organizações dão a determinados públicos no momento de concretizar suas ações afirmativas, o especialista em Felicidade e Bem-Estar orienta que, antes de tudo, os negócios precisam conhecer sua essência antes de tomar decisões.

“Cada empresa tem seu DNA, sua cultura. E é a partir disso que ela pode desenvolver sua inclusão como algo que seja próximo de sua realidade, seu universo de atuação. Tive um projeto em uma empresa que queria equalizar sua liderança, mas logo havia um problema: eram apenas homens para falar sobre o acesso às mulheres. E eles se mostraram muito resistentes para trazer mulheres para se envolver na estratégia. Mas você não monta um processo assim sem o olhar da mulher. Você precisa contar com alguém para pensar a diversidade”, orienta.

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Como desenvolver um plano de DE&I?

Mais jovem vencedora do prêmio G10 de liderança empreendedora, Juliana salienta que um plano de D&I não pode partir do princípio de se querer “abraçar o mundo”. A CEO pontua que é necessário estruturar um passo a passo que tenha como início a educação em torno do tema.

“Guias, links e participações em eventos, por exemplo, podem fomentar a compreensão sobre o assunto e também auxiliar na identificação sobre quais pluralidades, em um primeiro momento, receberão maior dedicação. Ainda vivemos em um país feito por líderes homens, brancos e héteros, portanto, primeiro, é preciso se educar sobre a temática. Em seguida, é importante que a empresa crie acordos que envolvam todo o board, para que seja compreendido o porquê da diversidade ser tão importante tanto em escala social quanto em caráter de inovação. É preciso ter grupos diversos para o produto ser mais estratégico e para que mais pessoas sejam atendidas”, explica.

Ela enfatiza que, muitas vezes, diversidade e inclusão podem até ser temas discutidos entre a alta gestão, mas não se tornam prioridades porque não há uma estratégia bem definida em torno deles, o que é um complicador para que haja real compreensão de que ser diverso e inclusivo pode, de fato, ser benéfico ao negócio.

“O tema D&I solto, assim como People, inovação ou qualquer outro que esteja assim, em qualquer aperto que a empresa tiver não será uma prioridade, que sempre será gerar lead e colocar dinheiro para dentro. A temática da diversidade precisa ser trabalhada para estar nos indicadores de sucesso”.

Juliana Alencar, CEO e fundadora da W.G. - Weird Garage

Juliana Alencar, CEO e fundadora da W.G. – Weird Garage

Para Leizer Pereira, o processo educacional envolve a sensibilização da equipe. O executivo acrescenta que os vieses inconscientes precisam ser quebrados para que a gestão possa, de fato, começar a ter um olhar diverso e possa desempenhar um trabalho que faça cada indivíduo, dentro de sua particularidade, se sentir parte da equipe.

“Somos seres humanos repletos de vieses inconscientes que podem levar a um local comum, ou seja, procurar o que achamos ideal na nossa bolha, na qual repetimos as mesmas ações e contratamos os mesmos perfis. Por isso, é importante sensibilizar a sua equipe quanto às causas de grupos socialmente minorizados para que eles consigam entender a potência por trás desta escolha. É fundamental ainda, que as empresas revejam sua estrutura e ampliem essa consciência e esse engajamento”, elucida.

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O CEO da Empodera salienta que para o mercado de trabalho assumir, como um todo, uma postura inclusiva, acessível, diversa, equitativa e que de fato também visa ter uma contribuição ativa e positiva socialmente, nenhum público pode ficar de fora.

“Uma pessoa com deficiência pode ser o programador de alguma empresa de tecnologia, uma mulher trans pode ocupar um cargo de alta gerência, um jovem negro pode ser advogado de alguma multinacional. A ideia da promoção da diversidade é não deixar nenhum talento para trás. Mais que conquistar mentes, precisamos conquistar corações, nos colocarmos no lugar do outro e ressignificarmos crenças e mitos. Precisamos de atitudes antidiscriminatórias.”


O quanto uma cultura inclusiva é capaz de promover inovação? E existe uma “receita de bolo” para criar modelos de DE&I que não deixem ninguém de lado? É sobre isso que a fundadora da Newa Consultoria, Carine Roos, falou no RH Pra Você Cast. Confira o papo no player abaixo ou clique aqui.


Por sua vez, Aquino levanta que não basta pensar em D&I apenas como um movimento para trazer pessoas que representam públicos plurais. É tão necessário quanto focar na construção de um ambiente saudável e acolhedor de trabalho. Ou seja, as empresas não são diversas e tão pouco inclusivas se não desenvolvem ações que tornem o seu espaço seguro para os profissionais que a compõem.

“Há muitos pontos de estresse e de tensão. Emoções e relacionamentos positivos não acontecem do nada, é preciso, primeiramente, mitigar essas dores para que seja trabalhado o senso de pertencimento, de presença. Caso contrário, estaremos sempre patinando na dinâmica de fazer uma intervenção positiva em um espaço que é tóxico”, diz.

O especialista destaca, ainda, que os conceitos de diversidade e inclusão, que devem acrescentar a equidade, remetem diretamente a pilares da dignidade humana. O processo educacional passa também por contar com pessoas que não apenas entendam a realidade das minorias, mas que também as vivam.

“É importante você ter um especialista que fale sobre a inclusão de negros, outros que fale sobre inclusão de PCDs, de pessoas 50+ e assim por diante. Mas qual é o ponto de conexão entre todas as minorias? São pessoas de realidades e com desafios diferentes, mas em comum todos têm a busca pela dignidade. Dá trabalho você fazer o processo de inclusão de todos os grupos porque você atrai essas pessoas, mas a base, que é você olhar para o outro com dignidade, não é apenas o lugar social. No dicionário, dignidade também tem como sinônimo a excelência. É você valorizar o que a pessoa tem de melhor”, finaliza.