Após dois anos da data da licença-maternidade, quase metade das mulheres está fora do mercado de trabalho e mesmo 47 meses depois continuam sem uma ocupação, sendo que a maior parte das saídas se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador, segundo uma pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas, em 2017.

Acontece que, de lá para cá, infelizmente ainda nos deparamos com inúmeros relatos, principalmente no LinkedIn, de personagens dessa complexa realidade traçada pela pesquisa. Ao falar sobre maternidade e carreira ainda precisamos trazer dados que reforcem a necessidade de evolução na equidade de gênero e de políticas mais eficazes para mulheres – e homens (como a licença-paternidade).

Mas também é sobre trazer histórias que surgem na contramão das estatísticas. É comum ouvir relatos sobre os sentimentos de culpa, medo e insegurança das mulheres no período pré e pós-licença-maternidade. De um lado, o receio de deixar o bebê sob os cuidados de outras pessoas ou mesmo não ter com quem deixá-lo. Do outro, a preocupação se a empresa irá apoiar a nova fase e as necessidades que a acompanha.

Histórias sobre licença-maternidade

Essa apreensão com o possível impacto da maternidade na carreira foi vivenciada por Amanda Caribé, hoje gerente de Gafisa Viver Bem, mas com um desfecho “promocional”.

“A relação maternidade x trabalho é raramente tratada com naturalidade no mercado de trabalho e existe um preconceito no mercado que atrela maternidade a improdutividade e, embora esta narrativa esteja aos poucos mudando, acredito que a grande maioria das profissionais mulheres que desejam ser mães ainda se sintam inseguras em alguma fase da vida”, destaca.

Amanda entrou na regional da Gafisa, no Rio de Janeiro, como estagiária de marketing em 2007. Durante 11 anos, atuou em diversas áreas da empresa como obras, projetos, legalização, negócios e vendas. Em 2018, a unidade do Rio encerrou suas atividades e ela se desligou da companhia. Dois anos depois, a organização retomou suas atividades na cidade e, então, foi convidada a retornar, desta vez como Coordenadora da área de Legalização. Quatro meses depois do seu retorno, descobriu que estava grávida.

Amanda Caribé e Rafael

Amanda Caribé e seu filho Rafael

“Trabalhei ativamente até o último dia da minha gestação, entrei de licença-maternidade e, em fevereiro deste ano, antes mesmo de retornar ao trabalho, recebi a grata surpresa de que eu havia sido promovida a Gerente de Gafisa Viver Bem – uma nova unidade de negócios da empresa. Fiquei radiante porque a gente não espera isso. Embora eu tenha sido tratada com muita humanidade, empatia e muito respeito, a gente não espera por um reconhecimento como este em um momento de ausência. Estou voltando com um gás totalmente diferente. Além de tudo, minha relação com a Gafisa, que já era ótima, ficou ainda mais fortalecida porque é o momento mais especial da minha vida pessoal e ainda recebi este abraço da empresa”, conta.

Para Amanda (e tantas outras mulheres), o olhar empático e a abertura ao diálogo da organização podem ser fatores decisivos para a manutenção dessa profissional no mercado de trabalho. “É importante que as empresas apostem na diversidade do seu time e que incorporem na sua cultura o acolhimento aos seus funcionários, nas mais diversas fases da vida”.

Importância do acolhimento

Paola Bastos YamamotoFoi justamente esse acolhimento que Paola Bastos Yamamoto (foto à esquerda), atual gerente de RH da Reckitt, recebeu de sua chefe e de sua diretora e RH. “Minha chefe foi uma das primeiras pessoas a saber sobre a minha gravidez e chorou de alegria junto comigo pela notícia, me deu todo o apoio e me tranquilizou desde o primeiro momento. O mesmo aconteceu quando contei para minha diretora de RH, me senti muito acolhida e segura de que poderia viver esse momento tranquila”, conta.

Em sua última conversa sobre carreira com a sua gestora, quando ainda não estava grávida, a pauta de uma possível promoção já estava na mesa, e que isso poderia acontecer a curto prazo. Quando engravidou, Paola assumiu que isso não ocorreria até o seu retorno.

“Quando recebi a notícia da promoção, faltando dois meses para minha saída, comecei a chorar. Acho que foi a notícia de promoção mais inesperada e emocionante da minha carreira. Eu falei para minha gestora: vocês não precisavam fazer isso agora, e a resposta dela foi não tem por que esperar você voltar pra fazer isso. Me senti cuidada e valorizada, além de ver a empresa vivendo os seus valores na prática”, lembra.

Paola Bastos Yamamoto

Paola inclusive compartilhou este momento em sua página no LinkedIn

Segundo a profissional, o Grupo Reckitt tem investido em sua política de parentalidade, com o Programa da Família e de um Comitê de Mulheres – com o objetivo de criar um ambiente acolhedor para pais e mães, por meio de licença-maternidade e paternidade estendida, auxílio-creche, reonboarding humanizado da mãe após a licença e inclusive folga no aniversário do filho.

“Ter horário flexíveis também é muito importante, para mim que já tenho uma filha de 3 anos, saber que a minha chefe entende e não me julga, se eu precisar me ausentar um pouco para dar apoio a minha filha no dia que ela não está bem, é muito importante”, completa.

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Jornada para a equidade

Ainda de acordo com o estudo da FGV, no Brasil, a licença-maternidade de 120 dias não é capaz de reter as mães no mercado de trabalho, mostrando que outras políticas (como expansão de creches e pré-escola) podem ser mais eficazes para atingir tal objetivo, especialmente para proteger as mulheres com menor nível educacional.

O último relatório de desigualdade de gênero produzido pelo Fórum Econômico Mundial trouxe que o desenvolvimento da automação, o aumento da jornada dupla, e outras dinâmicas do mercado de trabalho, como a segregação ocupacional de gênero, acelerados pela pandemia de Covid-19, terão um efeito preocupante nas oportunidades para as mulheres, arriscando perspectivas de emprego e uma queda persistente na renda.

O estudo elencou quatro áreas de foco que empresas e governos poderiam tomar para acelerar a equidade de gênero no atual cenário.

  1. Assegurar a paridade de gênero no trabalho pós-Covid-19,ou seja, pensar em maneiras de requalificação de mulheres para que estejam prontas para o retomar suas vagas em setores de alto crescimento;
  2. Eliminar as disparidades de gênero na remuneração entre e dentro dos setores;
  3. Permitir a participação das mulheres na força de trabalho, por meio de uma rede de apoio e segurança social;
  4. Permitir que mais mulheres cheguem a cargos de gestão e liderança.

Por Gabriela Ferigato

Sem barreiras: histórias de mulheres promovidas durante e após a licença-maternidade