Desde a última sexta-feira (15), está em vigor na Itália o passaporte da vacina da Covid-19. A medida, que gerou manifestações e ameaças de greve no país, é válida para os setores público e privado. De acordo com o governo do país, o intuito da iniciativa é estimular a campanha de vacinação.
No quinto país mais populoso do continente europeu, 80% da população com mais de 12 anos já está totalmente vacinada e a estatística recebe um acréscimo de 5% quando somadas as pessoas que tomaram, por ora, somente a primeira dose. Apesar do alto índice de imunizados, ainda existe a preocupação com novos surtos. Vale recordar que, no começo da pandemia, a Itália foi um dos países mais afetados e registrou mais de 130 mil mortes. No início de 2021, mais uma vez a Covid-19 ganhou força no país.
A obrigatoriedade da apresentação de documentos que comprovem a imunização – ou um teste negativo realizado em até 48 horas – já é válida desde agosto para locais como trens e restaurantes. Agora, passa a valer também para ambientes de trabalho. Os trabalhadores que não comprovarem que estão imunizados ou se recusarem a tomar a vacina podem ser punidos com multas de até 1.500 euros, suspensão de salário e contrato de trabalho e proibição de entrar no local de trabalho. Além disso, eles não poderão trabalhar em regime home office e os empregadores que não realizarem o controle de saúde também podem ser punidos.
As restrições impostas pelo chamado “passe verde” não são exclusividade dos italianos. Na França, por exemplo, pessoas que não comprovarem que estão vacinadas ou recém curadas da Covid-19 não podem frequentar cinemas. Em algumas cidades dos Estados Unidos, a mesma regra é válida para restaurantes, enquanto na Áustria há rigidez no controle de quem pode frequentar os museus locais.
Os exemplos em questão são, nos respectivos países, questionados por grupos contra o passaporte da vacina. Na Itália a ação ganhou tons mais “polêmicos” pela proibição envolver o trabalho como um todo, uma vez que até então a obrigatoriedade profissional era apenas para profissionais da área da saúde. Será que iniciativa semelhante poderia ser adotada no Brasil?
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Bom senso é a regra
De acordo com pesquisa realizada entre os dias 11 e 13 de outubro pelo PoderData com 2.500 pessoas de 459 municípios de todos os estados do Brasil, ao menos para o trabalho presencial o desejo da maioria é a favor do passaporte da vacina.
Segundo o levantamento, 77% dos respondentes defendem que o retorno aos escritórios não seja feito sem a exigência da imunização completa por parte dos colaboradores. A aceitação se dá, inclusive, pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que em várias ocasiões já se manifestou contra o passaporte sanitário. 70% dos eleitores do presidente que responderam à pesquisa disseram ser favoráveis.
Para Thamires Pandolfi Capello, Fundadora do Health Talks BR e Coordenadora e professora em Direito Médico na FASIG, “a corrida vacinal alcançou resultados rápidos e eficazes em um curto espaço de tempo e as vacinas desenvolvidas foram tidas como esperança para a retomada – aos poucos – da vida ‘normal’. As campanhas de vacinação avançam ao redor do mundo e com esse avanço o número de casos graves e mortes estão apresentando a tão esperada queda”.
A doutoranda e pesquisadora em Saúde Pública na Universidade de São Paulo pontua, também, que diante do panorama trazido pelos imunizantes, a vacinação não se faz apenas obrigatória em termos legais, mas em contextos morais e éticos.
“A discussão legal quanto à constitucionalidade da obrigatoriedade da vacina remonta aos pactos estabelecidos na constituição da sociedade, trazendo deveres e obrigações para a convivência no coletivo. A vacina é um dever do cidadão, dotada de obrigatoriedade, mas não de compulsoriedade. Por não ser compulsória, ou seja, não ter o caráter de compelir o cidadão a se vacinar à força’, não significa que não seja um dever individual, com consequências no plano prático em caso de descumprimento”, destaca.
O guia técnico emitido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) orienta que as empresas se esforcem em prol da conscientização, porém o entendimento é o mesmo ratificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e destacado acima pela especialista, de que a recusa injustificada à vacina pode ser justificativa para que trabalhadores tenham prejuízo profissional, como um eventual desligamento.
Já na opinião da advogada trabalhista Larissa Teixeira, as empresas devem ter certo cuidado em relação à abordagem com trabalhadores não imunizados. Para ela, medidas extremas não precisam ser tomadas desde que a organização se comprometa a ter êxito nas medidas de segurança adotadas.
“Para as empresas demitirem as pessoas por conta da vacina, é muito importante que o risco de contágio esteja presente em suas diretrizes. Ou seja, PCMSO e PPRA – programas de saúde ocupacional e riscos ambientais – devem constatar que a obrigatoriedade existe. Porém, tal inclusão é mais comum em organizações da área da saúde ou cuja atuação envolve ambientes insalubres. Acredito que o melhor caminho é orientar as pessoas. Se ainda existe insegurança em relação à vacinação, avalie se é possível que o colaborador execute suas tarefas em home office, busque conversar e procurar uma solução”.
Ainda assim, a advogada não descarta que uma demissão possa acontecer. “Caso a resistência se mantenha e o colaborador não tenha como mantê-lo remoto, deixe-o ciente de que ele precisará realizar testes de saúde constantes, o que tem impacto financeiro a ele ou ao negócio. O desligamento deve ser o último caso, mas o funcionário precisa ter consciência de bem-estar coletivo. Uma coisa é a recusa por algum medo ou problema de saúde, outra é por insistência em desinformação”, acrescenta.
Larissa salienta que o RH precisa estar envolvido em todo o processo, sendo assertivo na comunicação para que eventuais transtornos não possam ocorrer.
“O maior desafio do RH é dispersar a questão ideológica. Ao lado dos líderes, a área deve apresentar números e argumentos que enfatizem ao colaborador a importância individual, coletiva, social e profissional dele se imunizar. É preciso tomar cuidado para não cair em debates políticos. O RH não deve impor argumentos e ideologias políticas para argumentar, assim como o mesmo não deve ser o fator de decisão do funcionário”, explica.
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Há passaporte sanitário no Brasil?
Se for levado em consideração o panorama do mercado de trabalho, não. Embora o TST tenha se pronunciado a favor da vacinação para o retorno ao trabalho, não há ainda restrições oficiais que se distanciam muito da área, na qual a maioria absoluta das empresas exige a imunização.
Algumas regulamentações sanitárias existem. São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, por exemplo – este último a partir desta segunda, 18 – criaram um passaporte de vacinação voltado a atividades consideradas de alto risco de contaminação pelo coronavírus. Festas, eventos esportivos, shows e congressos são alguns dos ambientes nos quais é necessário comprovar imunização ou ter se recuperado recentemente da Covid-19.
“A análise que se propõe nesse atual momento é se o passaporte da vacina, de fato, está sendo proposto para atender a sua real finalidade de proteção coletiva ou se é apenas um “livramento” de um peso na consciência na promoção de uma abertura precipitada com evidente fuga das discussões que realmente importam como: manutenção das medidas de isolamento, uso de máscaras e distanciamento social”, elucida Thamires.
O chamado ‘passe verde’, porém, não tende a ganhar força no Brasil. Apesar de elogiar os passaportes da vacinação impostos em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, declarou, em setembro, não ver razoabilidade no passaporte da vacina por acreditar que se trata de uma medida que “cerceia a liberdade das pessoas”.
O deputado federal Giovani Cherini (PL-RS) apresentou na Câmara dos Deputados uma proposta para que o passaporte sanitário seja proibido em todo o Brasil. Segundo ele, todos têm direito de “ir e vir”. O deputado citou Queiroga para justificar que o passaporte não é necessário e reforçou que a prioridade deve ser apenas garantir a vacinação.
Conscientização não pode parar
Pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM) sobre a Covid-19 mostra como a atuação dos gestores locais para o enfrentamento da pandemia no país foi determinante. O mapeamento, realizado entre os dias 4 e 7 de outubro com 1.960 cidades, mostra ações relativas às medidas não-farmacológicas. Em 1.935 Municípios (98,7%) há campanhas informativas sobre a importância do uso de máscaras; em 1.902 (97%) é obrigatório o uso em locais públicos; e em 1.922 (98,1%) não é permitido entrar em locais privados sem o equipamento.
O levantamento também mostra que 1.248 prefeitos (63,9%) pretendem manter a obrigatoriedade do uso de máscaras, mesmo que a população esteja totalmente vacinada; 2,4% devem acabar com a obrigatoriedade; e 32,9% ainda não tomaram essa decisão. Sobre as restrições de circulação ou de atividades econômicas, 794 Municípios (40,5%) as mantêm, mas, em 1.121 (57,2%) esse tipo de medida já foi revogada.
Referente ao gerenciamento das ações de enfrentamento adotadas, em 1.529 localidades (78,0%) foi instituído algum comitê de crise ou centro de operações emergenciais. Mais de 800 prefeitos (55%) optaram por instalar gabinetes de crise; 460 (30,1) estabeleceram grupo de trabalho, 347 (22,7%) preferiram criar Centro de Operações em Emergências em Saúde (COE); e 230 (15%) montaram salas de operações para monitorar a presença do vírus.
Os números levantados pela CNM comprovam o comprometimento dos prefeitos e demais gestores locais para garantir segurança sanitária à população. E o alerta deve ser mantido, pois, 310 gestores (15,8%) afirmam a existência de caso da variante Delta da Covid-19 em seu território.
Bruno Piai