Após entrar com ação judicial em maio de 2022, Fábio Henriques da Conceição conseguiu, no último dia 21, a segunda vitória sobre a Comercial São Torquato Ltda e Pati Gi Supermercados Ltda. O colaborador foi à Justiça após pedir demissão por conta de um quadro de grave depressão e ter os seus direitos trabalhistas negados pela empregadora.

De acordo a juíza da 4ª Vara do Trabalho de Vitória (ES), Denise Marsico do Couto, o empregado teve “alteração de seu comportamento, perceptível aos demais colegas de trabalho, sem que qualquer providência fosse tomada pela empresa”.

A própria companhia alegou ter recebido documentação comprovando o quadro depressivo, embora tenha recorrido à Justiça por alegar “não existir qualquer prova de que o quadro de depressão do reclamante prejudicou o ato de vontade, o discernimento do pedido de demissão”, o que foi negado pela juíza.

Dados da Previdência Social deixam bem claro que casos como o de Fábio passam longe de ser exceção. Somente em 2021, no Brasil, a depressão foi o motivador de mais de 75 mil afastamentos do trabalho.

O número só não é maior porque devido ao estigma e a desinformação ainda existentes sobre saúde mental – o que leva, inclusive, muitas empresas a tomarem decisões negligentes em relação a funcionários com depressão, ansiedade, Burnout, entre outras –, muitos profissionais têm receio de admitir ao empregador que enfrenta a doença. Segundo pesquisa do Ibope, 65% das pessoas entre 24 e 35 anos teriam vergonha de revelar um diagnóstico de depressão para seus familiares e gestores.

Segundo o advogado Marco Amaral, especialista em Direito do Trabalho, é essencial que as organizações comecem a se informar melhor em relação às doenças mentais, especialmente porque, segundo ele, muitos empregadores ainda não têm, de fato, a noção que as enfermidades psicológicas justificam que os colaboradores tenham direitos tais como doenças físicas ou acidentes de trabalho.

“Pode até soar absurdo o que vou dizer, mas ainda existe uma vasta gama de gestores que ‘não acredita nas doenças mentais’. Há clientes que chegam até mim indignados por conta de processos referentes a essas doenças. Alguns acreditam fielmente que se a doença não é visível ou explicitamente perceptível, ela não existe. Psicólogos e psiquiatras são tratados como cúmplices de funcionários que querem desculpas para não trabalhar. É simplesmente inacreditável que, em 2023, ainda exista essa visão. Mas ela é mais comum do que se imagina”, diz.

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Direitos trabalhistas

Amaral explica que o colaborador diagnosticado com depressão têm direitos trabalhistas e previdenciários semelhantes aos dos funcionários diagnosticados com outras doenças. Entre eles estão:

  • Afastamento de até 15 dias do trabalho, o que pode ser ampliado pelo INSS;
  • Auxílio-Doença;
  • Aposentadoria por invalidez, a depender da gravidade da doença;
  • Estabilidade de 12 meses no emprego – caso tenha havido o recebimento do auxílio-doença.

No entanto, segundo o advogado, quando a depressão é motivada pelo trabalho, existem outros direitos que o trabalhador pode buscar. Existindo a comprovação de que o ambiente laboral é o causador da enfermidade mental, os colaboradores têm direito, além dos citados acima, a:

  • Reembolso dos gastos médicos;
  • Pensão mensal, caso seja comprovado que há a incapacidade para trabalhar;
  • Indenização por danos morais e materiais, em caso de dispensa discriminatória ou prova de que a empresa é a responsável pelo diagnóstico;
  • Possibilidade de deixar o trabalho sem ter nenhum tipo de prejuízo;
  • Reintegração à função ou recebimento salarial em dobro do tempo sem trabalhar, caso comprovada a dispensa discriminatória.

A dispensa discriminatória, segundo Amaral, é a maior responsável por processos trabalhistas que envolvem a depressão. “A triste realidade é que as empresas buscam todas as brechas possíveis para demitir pessoas que estão doentes. E quando a doença é psicológica, elas sentem ainda menos pudor em seguir com a ação. Felizmente, a legislação protege o empregado contra esse tipo de demissão, chamada de discriminatória”.

O especialista orienta que as empresas evitem promover a demissão durante o período de tratamento psiquiátrico. Caso exista a necessidade, ela deve tomar todos os cuidados legais para não sofrer com um processo.

“Um funcionário com depressão – assim como absolutamente qualquer outra doença – ainda pode ser um funcionário que têm problemas que vão muito além da produtividade, como assédio, destrato com os colegas, etc. Estas situações são mais complexas, pois nem sempre tal comportamento tem relação direta com a doença”, comenta.

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Como provar que meu trabalho causou a depressão?

Há diversos fatores no trabalho que podem levar um colaborador a ter ansiedade, depressão. Burnout e doenças semelhantes. Alguns exemplos que podem levar a isso são exigências em excesso, ambiente discriminatório, extrema pressão, metas quase impossíveis de serem batidas, jornadas longas, ameaças de demissão, assédio moral e perseguição por parte de colegas ou lideranças.

Para que haja a comprovação de que, de fato, o trabalho é o causador da enfermidade psicológica, a perícia avaliará todo o histórico médico do empregado, seu histórico profissional e também realizará uma avaliação do ambiente profissional (o que envolve testemunhas).

“Exceto se for um ambiente explicitamente ruim – e somado a um histórico médico mais frequente ou de maior gravidade durante a permanência em tal ambiente –, não é tão simples provar que o empregador é o responsável pela depressão. Mas é possível. A recomendação principal é que o funcionário guarde todo e qualquer registro médico, pois será por meio dele que a comprovação será ou não feita. Atestados médicos entregues à empresa, receituários médicos e comprovantes de pagamento de medicamentos não devem ser jogados fora”, aconselha.

Canal de Denúncias

O especialista em Direito do Trabalho também recomenda que, em casos de assédio, perseguição ou outras condições trabalhistas prejudiciais à saúde mental, o funcionário tente gravar a filmar.

“Você está habituado a receber, por exemplo, feedbacks agressivos? Em um próximo, tente gravá-lo. Isso ajuda a corroborar que o Burnout, a ansiedade ou a depressão passam por situações de trabalho”, finaliza.

Por Bruno Piai