A sobrecarga digital não é necessariamente um fenômeno novo. Mesmo antes da pandemia da Covid-19, o uso excessivo de aparelhos como celulares, computadores, tablets e afins já havia se tornado habitual, assim como a imersão nos excessos de conteúdos oferecidos por inúmeros portais e, claro, as redes sociais. Com o avanço do coronavírus e o consequente crescimento do home office, no entanto, o cansaço motivado pelas alternativas digitais se tornou uma preocupação ainda maior para líderes, RHs e gestores.

À medida que as reuniões semanais – e até o happy hour – trocaram o ambiente presencial por uma tela, a saúde mental de muitos profissionais foi impactada pela mudança da rotina. O uso de ferramentas como o WhatsApp também se tornou gatilho para o aumento do estresse, uma vez que mensagens de trabalho fora do expediente passaram a ser comuns.

Sentir-se sobrecarregado também pode fazer com que o colaborador fique desengajado, ou seja, tudo se torna um efeito manada que pode prejudicar a vida profissional e pessoal. Para se ter ideia, uma pesquisa realizada pelo grupo Adecco, que realiza consultoria de talentos, revelou que 71% dos profissionais se sentem desengajados na empresa onde trabalham.

Segundo um relatório publicado em janeiro pela agência We Are Social, em parceria com a empresa de monitoramento de mídia online Meltwater, o brasileiro passa em média mais de nove horas e meia por dia conectado à internet, o que nos coloca em segundo lugar no ranking global, perdendo apenas para a África do Sul. Além disso, muitos de nós checamos o celular logo ao acordar e antes de dormir, o que pode indicar uma dificuldade em se desconectar.

Para Hugo Godinho, CEO da Dialog, mesmo com o movimento crescente de retorno ao trabalho presencial, o Burnout Digital é um fenômeno que não pode passar despercebido pelas organizações, especialmente porque todo profissional está sujeito a tê-lo.

“O uso das redes sociais, o consumo de notícias on-line e o recebimento de centenas de notificações fazem com que as pessoas percam completamente o controle da quantidade de informações visualizadas por dia”, explica.

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Sinais de alerta

A psicóloga, especialista em neurociência e CEO da Eleve Consulting, Shana Wajntraub, comenta que os efeitos desta exposição prolongada podem impactar na saúde e no bem-estar. Dificuldades de concentração e de automotivação, irritabilidade, insônia e percepção de aumento da sobrecarga mental são só alguns dos sintomas associados ao tempo excessivo de tela.

O Burnout Digital tem sintomas próximos ao do Burnout “clássico”, relacionado ao fenômeno ocupacional. Exaustão emocional, distanciamento das pessoas e baixa realização profissional fazem parte da lista. Além disso, quanto mais tempo de tela, mais prejudicado fica o sono, maior é a tendência ao sedentarismo e maior é a produção de cortisol, o hormônio do estresse. Vale destacar, segundo relatório da Microsoft, que somente entre 2020 e 2021 o número de reuniões semanais aumentou 148%.

Shana elucida, então, que dez sinais de alerta devem ser levados em consideração. São eles: (1) efeitos do excesso de exposição a telas na saúde e no bem-estar; (2) diminuição da concentração, do foco e da motivação; (3) cansaço visual causado por superestimulação da retina; (4) redução dos níveis de intimidade entre casais; (5) alterações de visão e dores de cabeça; (6) isolamento e sensação de solidão; (7) privação de contato físico; (8) queda da criatividade; (9) Aumento do estresse causado pelo hiperfoco em conteúdo estressante, como notícias sobre conflitos políticos e problemas sociais; (10) Prejuízos na saúde mental e aumento da percepção de sobrecarga e pressão de tempo, gerando ceticismo e senso de ineficiência.

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Como enfrentar o problema?

Hugo Godinho esclarece que, por mais que a tecnologia esteja diretamente envolvida com o fenômeno, ela não deve ser vilanizada. Para ele, o real problema está na ausência de uma comunicação estruturada, o que faz com que os canais sejam usados em excesso, de maneira desarticulada e causando mais sobrecarga do que, de fato, conseguindo entregar a mensagem desejada.

O executivo salienta, portanto, que o RH pode ter um papel fundamental para prevenir os casos de sobrecarga digital na organização. “A informação precisa ser gerenciada de forma estratégica, mas para isso é necessário contar com ferramentas que, além de eficientes, também possam sustentar boas práticas de comunicação. O RH, nesse sentido, deve ser um setor aliado. Para isso, a tecnologia precisa ser usada de forma inteligente e mensurável a fim de monitorar o bem-estar do colaborador”, diz.

Já para Shana, os profissionais têm a responsabilidade de buscar mecanismos para controlar o uso dos aparelhos eletrônicos. Estabelecer limites saudáveis para o uso de tecnologia, como desconectar-se regularmente, definir horários específicos para o uso de dispositivos eletrônicos e limitar o tempo gasto em mídias sociais são algumas das medidas que podem ser tomadas para evitar o burnout digital. 

“Além disso, reservar tempo para atividades fora do mundo digital, como hobbies, exercícios e interações sociais no mundo real é fundamental para manter um equilíbrio saudável. Com essas medidas, é possível desfrutar dos benefícios da tecnologia sem prejudicar a saúde e bem-estar”, finaliza.

Por Bruno Piai