A saúde, em seus vários aspectos, tem estado na pauta nas discussões da sociedade, tanto na área pública quanto privada, particularmente após a pandemia global de COVID-19. Temas como redução das filas de espera, aumento de custos, acesso a tratamentos caros, telemedicina tem feito parte da agenda dos formuladores de políticas e programas.
No entanto, os profissionais da linha da frente da saúde (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde, dentre outras categorias) frequentemente não são lembrados como elementos centrais no cuidado da saúde da comunidade.
Sabemos que estes profissionais estão expostos a situações estressantes, pois precisam lidar com falta de recursos para o trabalho, pressão dos usuários e dos superiores e estão submetidos a mudanças constantes.
Frequentemente, necessitam se adaptar a situações inesperadas, com tempo limitado e excesso de demanda. Além disso, é com estes profissionais que os usuários do sistema tem contato e se espera que ofereçam acolhimento, resolutividade e atenção. Por outro lado, os gestores criam metas, atrelam parte (da sua exígua) remuneração a produtividade e exigem efetividade nas suas atividades.
A consequência é a ocorrência de condições físicas, mentais e emocionais, gerando um ciclo em que pode haver desengajamento, aumento das faltas ao trabalho e turnover. Frequentemente, as lideranças não reconhecem tais situações e buscam corrigir a falta de pessoal através de novos processos seletivos e reiniciando o ciclo.
Estes agravos à saúde dos profissionais da ponta ficaram mais comuns e graves durante a pandemia de COVID-19, incluindo sofrimento psicológico manifestado por distúrbios do sono, depressão, ansiedade, fadiga física e mental, irritabilidade, sentimento de solidão, ausência do trabalho, medo intenso de adoecer ou infectar parentes e colegas, entre outros.
Neste contexto, é importante encontrar caminhos para construir a resiliência dos profissionais da linha de frente. De acordo com a professora Gabriela Lotta, da Fundação Getulio Vargas, ela é definida como a “capacidade de recuperação e adaptação dos indivíduos e organizações frente a situações de crise e mudança, que permitam não apenas retornar às condições originais, mas também criar novas formas de organização e desenvolver oportunidades”. Esta flexibilidade ou capacidade adaptativa é considerada essencial para se recuperar de experiências emocionais negativas e superar com sucesso os desafios impostos.
A resiliência é um fator diretamente associado ao sucesso das organizações e dos serviços. A geração de resiliência depende de elementos de ordem psicológica, cognitiva comportamental e social, por exemplo, através da:
- Segurança psicológica – sentimento de pertencimento e alinhamento cognitivo com a organização.
- Valorização – pelos pares, pelas chefias e pelos clientes.
- Segurança – para tomar decisões, suporte.
- Clareza no papel a ser desempenhado.
- Acesso aos recursos necessários para desempenhar suas atividades – materiais, econômicos e informacionais.
- Gestão participativa – participação em processos decisórios e a valorização do trabalho são outros elementos importantes para resiliência
Em outubro de 2022 a entidade norte-americana National Academy of Medicine lançou um documento denominado National Plan for Health Workforce Wellbeing mobilizando toda a sociedade para uma iniciativa integrada visando o bem-estar dos profissionais de saúde. Propôs algumas áreas prioritárias: (a) criar e sustentar um ambiente e cultura positivos e de aprendizado (b) suporte a saúde mental e redução do estigma (c) incluir ferramentas tecnológicas efetivas (d)institucionalizar o bem-estar dos trabalhadores como um valor de longo prazo (e) recrutar e reter uma força de trabalho diversa e inclusiva.
A organização internacional Synergos, em parceria com a Johnson & Johnson e o GVSaude estão buscando estimular a criação de políticas públicas e programas para dar suporte aos profissionais da linha de frente da saúde, aumentando a sua resiliência e propiciando melhor cuidado aos cidadãos. A partir de um ensaio escrito por Gabriela Lotta (FGV) e uma revisão da literatura científica feita por Marcella Abunahman foi realizado um workshop com stakeholders-chave para construir propostas de ação destinadas às lideranças e tomadores de decisão. As estratégias exigem uma participação multissetorial e com forte participação da liderança. Por exemplo, as organizações podem:
- Aumentar a segurança psicológica dos profissionais
- Criar estratégias de engajamento e senso de pertencimento
- Investir em programas de articulação e parcerias
- Criar procedimentos flexíveis e adaptáveis, que estimulem criatividade
- Profissionalizar, treinar e capacitar profissionais da linha de frente
- Disponibilizar recursos necessários para melhor tomada de decisão com a participação dos trabalhadores
- Investir em processos decisórios e cultura organizacional que valorizem os profissionais da linha de frente
Acredito que os resultados deste trabalho trarão uma contribuição significativa para valorizar o capital humano no sistema de saúde em nosso país. O primeiro passo é reconhecer o papel dos profissionais da linha de frente, que deixariam a condição de “invisíveis” e a sua voz passa a ser reconhecida como fundamental para o cuidado em saúde da nossa população.
Alberto Ogata, presidente da Associação Internacional de Promoção de Saúde no Ambiente de Trabalho (IAWHP). É um dos colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.