Sempre que se fala em Compliance o que se pensa é na luta contra a corrupção envolvendo órgãos públicos, na legislação americana, especialmente o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act, em vigor desde a década de 1970).

Mas Compliance não envolve só corrupção pública, e sim todo o ordenamento jurídico envolvido na atividade de uma empresa de uma pessoa, e das entidades sem fins lucrativo, dentre ela os sindicatos. E, dentre eles, com riscos mais abrangentes, os patronais.

Sindicatos patronais são a “tempestade perfeita” para questões de situações de livre concorrência, cartéis etc…, uma vez que ali se reúnem, por força da estrutura sindical brasileira, empresas concorrentes em um mesmo mercado, e com o intuito, dentre outros, de fixar condições mínimas de trabalho.

Assim, seja de livre concorrência, com o risco de surgirem cartéis, seja a de troca de informações sigilosas entre empresas concorrentes, ou ainda, “tratos” sobre contratação e condições de contratação de trabalhadores, os riscos são vários, e precisam ser mapeados.

As empresas precisam então olhar para essa participação do RH com muito cuidado e criar regras internas de controle de sua atuação nas entidades sinciciais, não só nas reuniões de data base, mas em todos os grupos de que participem.

Os riscos não envolvem somente legislação antitruste, mas vamos começar por ela.

Um ótimo início para o RH saber como agir e o setor de Compliance começar a ver onde “mora o perigo” é o guia para departamentos de RH que foi emitido pelo Ministério de Justiça dos Estados Unidos[1].

O guia é de 2016 e traz diretrizes para atuação do RH para evitar que a empresa fira, por sua condita, a legislação antitruste em sua atuação diária.

O guia não trata das negociações sindicais, e isso é fácil de explicar, uma vez que, nos EUA, as empresas negociam com sindicatos usualmente sozinhas com eficácia nacional, não há “sindicatos patronais”, que aliás são raros no Mundo. Mesmo quando a negociação ocorre em grupos de empresas, normalmente isso ocorre por meio de associações.

Mas, as regras ali contidas podem servir muito bem nas relações sindicais dentro dos sindicatos patronais, porque ali é que, especialmente nas negociações anuais, discutem-se condições de trabalho, benefícios dentre outros assuntos. Ou seja, são empresas concorrentes regulando condições de trabalho iguais.

Por isso a “tempestade perfeita”.

É muito fácil, sem se perceber, que em uma situação dessas, certos limites sejam ultrapassados.

O guia traz um link com uma lista de “red flags” que podem ser muito úteis, como um primeiro norte do programa de Compliance do RH.[2] E que em tradução livre, são:

  • Acordar com outra empresa sobre o salário do empregado ou outros termos de compensação, quer a um nível específico ou dentro de um determinado intervalo.
  • Acordar com outra empresa a recusa de solicitar ou contratar os empregados dessa outra empresa.
  • Acordar com outra empresa sobre benefícios para os empregados.
  • Acordar com outra empresa sobre outras condições de emprego.
  • Expressar à concorrência que não deve competir demasiado agressivamente pelos empregados.
  • Trocar informações específicas da empresa sobre remuneração de empregados ou termos de emprego noutra empresa.
  • Participar numa reunião, tal como uma reunião de associação comercial, onde os tópicos acima mencionados são discutidos.
  • Discutir os tópicos acima com os colegas de outras empresas, incluindo durante eventos ou em outros ambientes não profissionais.
  • Receber documentos que contenham dados internos de outra empresa sobre remuneração de empregados

Por que coloquei uma frase em negrito e grifada?

Porque se você substituir associação comercial por “sindicato patronal” vai entender minha preocupação.  E porque esse é o nosso tema hoje – outros virão, como você pode perceber da lista…

Compliance vai ter que mapear esse risco, e vai ter que, especialmente empresas americanas e multinacionais, indicar a necessidade da reunião sindical para quem participa dela, e porque alguns tópicos são discutidos ali, mas não ferem as regras gerais antitruste. E não vão ferir se forem gerais e não com o intuito de impedir o crescimento do mercado de trabalho, ou a liberdade de contratação das empresas e empregados.

Para aplicação no Brasil, é mais fácil uma entidade como CADE perceber a diferença entre negociação sindical correta e uma que fira a lei anticoncorrencial, justamente por saber que as negociações de data base são necessárias.

Então o que fazer?

O RH deve ter, além das regras do código de conduta geral, um capítulo seu, com regras claras de conduta, para evitar que a empresa tenha problemas de legislação antitruste.

Esse código deve envolver sua atuação nas reuniões dentro dos sindicatos patronais, não só em negociações de data base, mas também em todos as reuniões que ocorram no sindicato patronal.

Nas reuniões de data base o essencial é tratar de regras gerais, como condições mínimas de trabalho e não máximas, ou seja, sem impeditivos de que cada empresa melhore as condições contratuais como quiser para concorrer por uma melhor mão de obra.

Essas condições mínimas devem ser tais que sejam aceitáveis a todas as empresas abarcadas pela categoria, evitando-se o uso de regras de trabalho que tirem empresas do mercado por tonar impossível seu cumprimento, como benefícios excessivos, para empresas de menor porte.

A alegação de “não criar empregos de segunda classe” pode gerar a saída de empresas do mercado concorrencial. Cuidado com isso.

O assunto é muito novo, nunca vi, em mais de 30 anos na área, uma empresa preocupada em ter regras de conduta especiais para o RH, que sempre foi uma parte muito sensível nas empresas por todas as informações que acessa e troca com o mundo externo, especialmente a concorrente direta nas reuniões sindicais.

Por ser novo, deve ser discutido e enfrentado. Ainda que pareça algo muito irreal para nossa realidade em que já vi Compliance e governança acharem que questões privadas não são assunto deles, só “corrupção pública” , são reais, e o CADE já os enfrentou, tanto em investigação do papel sindical  em cartéis, como em uma investigação em um grupo informal de RH na área farmacêutica.

Esse aliás, um assunto importante no código de ética do RH, e que fica para um próximo artigo.

Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.

[1] https://www.justice.gov/atr/file/903511/download
[2] https://www.justice.gov/atr/file/903506/download