Quando eu era adolescente li o livro “Eram os Deuses Astronautas”, escrito em 1968 por Erich von Däniken e, hoje, gosto do programa “Alienígenas do passado” e também de física quântica!

Talvez por isso quando me debrucei sobre a nova regulamentação do PAT minha impressão é de que ou ela corrobora que há alienígenas entre nós, que dão uma “passadinha” para mudar leis de realidade que não conhecem  ou, realmente, o claro intuito de acabar com incentivo fiscal é de propósito.

O PAT – Programa de Alimentação do Trabalhador decorre de legislação da década de 70, e visava proteger o trabalhador fornecendo-lhe meios de melhor se alimentar, dando, em contrapartida um benefício fiscal às empresas. (prestem atenção do tempo verbal “visava”)

Sempre o programa privilegiou a população que ganhasse até 5 salários-mínimos, somente permitindo que a empresa pagasse algum benefício alimentar para empregados com maior remuneração quando a totalidade da população de empregados ganhando até 5 salários-mínimos estivesse atendida.

As regras  anteriores contidas na Portaria 03/2002[1] exigiam o tipo de alimentação para saúde do trabalhador. Assim, a empresa que concedesse o benefício, não através de  refeitório próprio, mas por cartão, deveria oferecer um valor suficiente para, na localidade, uma refeição como a descrita ali ser atendida.

Neste ano, as regras regulamentares do PAT foram alteradas, com alterações não só em sua operacionalização, mas também em relação aos benefícios fiscais.

Mas, neste final de ano, ao apagar das luzes de 2021, e sem o mínimo tempo de adaptação das empresas , e com profundas alterações, surge o Decreto 10.854/21, publicado em 10 de novembro que traz em seu Capítulo XVIII os artigos 166 a 182 as regras relativas ao PAT, regras essas complementadas pelas contidas na Portaria 672/21, que revoga a Portaria 3/02.

Neste artigo não terei espaço para tratar de todos os detalhes profundamente, mas vou colocar os principais, que afetam as empresas imediatamente, e que precisam se atenção já que são regras que já estão vigentes desde 10 de dezembro.

  1. “Arranjo aberto” e “arranjo fechado”

A grita e as webinars que grassaram na internet  trataram somente de um aspecto, para mim, o mesmo gravoso  na nova sistemática, que foi a discussão entre “arranjo aberto” e “arranjo fechado”.

O que são eles?

Arranjo fechado caracteriza-se pelo credenciamento das empresas que poderão fornecer refeições ou alimentos com utilização de seu meio de pagamento, que deve ocorrer até a liberação do arranjo aberto, em instrumentos separados.

Já o arranjo aberto permite que o valor destinado a alimentação/refeição seja usado em qualquer estabelecimento, como um “cartão de débito” em que todos os estabelecimentos que atendam tal “bandeira” poderão recebê-los.

E a “grande discussão” foi de que o “arranjo aberto” já poderia ser usado desde já.

Não para as empresas inscritas no PAT, e aqui começa a pegadinha.

Claramente,  o arranjo aberto somente terá vigência[2], dentro do PAT, em 18 meses a contar da publicação do Decreto, sendo assim, até 18 meses da edição do Decreto, somente os arranjos ditos fechados podem ser utilizados para as empresas inscritas no PAT.

Portanto, somente após maio de 2023 o arranjo aberto poderá ser utilizado, por empresas inscritas no PAT, seguindo as regras contidas no Decreto e em eventual regulamentação que vier a ser publicada, o uso antecipado gera risco trabalhista e fiscal para a empresa beneficiária.

Discussão encerrada.

  1. As outras regras…

Nas novas regras do PAT a empresa beneficiária assume várias obrigações com base no artigo 142[3] da Portaria 672/21 e as mais impactantes neste momento, – porque já vigentes – são:

  1. garantir que o benefício possua o mesmo valor para todos os seus trabalhadores; (em todo Brasil)
  2. contratar profissional legalmente habilitado em nutrição como responsável técnico pela execução do PAT, o qual deverá se cadastrar por meio do portal gov.br e atuar mediante Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, quando mantiver serviço de alimentação próprio;
  3. dispor de programas destinados a monitorar a saúde e a aprimorar a segurança alimentar e nutricional de seus trabalhadores, na forma estabelecida em ato conjunto do Ministério da Saúde e do Ministério do Trabalho e Previdência;

Assim, de uma hora para outra, a empresa que tem estabelecimento no Brasil todo, e tem inscrição no PAT, deve:

  1. Verificar se há instrumentos coletivos vigentes fixando valores de tal benefício
  2. Mapear tais valores,
  • Avisar os sindicatos de que vai igualá-los para cima,
  1. Alterar contratos de aquisição,
  2. Completar pedidos feitos em novembro,
  3. Alterar o budget envolvido nessa compra
  • Contratar um(a) nutricionista
  • Cadastrar o(a) nutricionista com ART no site governamental

A única providência que pode ser efetuada posteriormente, é a de possuir um programa destinado a monitorar a saúde, pois depende de ato dos Ministérios da Saúde e do Trabalho.

Esses itens são os que inviabilizam a manutenção das empresas no PAT, inclusive porque para as empresas maiores, com lucro real,  houve uma redução significativa na base de cálculo do incentivo fiscal

  1. A questão fiscal!

Se antes as empresas possuíam incentivo fiscal considerando, ainda que com um teto, todos os benefícios alimentares concedidos, hoje as alterações são significativas, e só tem aplicação nos benefícios concedidos para os empregados com remuneração até 5 salários mínimos, e com limitação de um salário mínimo no benefício, conforme artigo 186 do Decreto que modifica a legislação fiscal aplicável[4]

Portanto, os gastos com empregados com salário superior a cinco salários mínimos não podem fazer parte da base de cálculo para o incentivo fiscal.  A lei não diz, mas entende-se tratar do valor nacional do salário mínimo.

Portanto, a nova regulamentação do PAT

  1. Engessa sua aplicação
  2. Reduz o incentivo fiscal
  3. Não se preocupa com a alimentação do trabalhador

Qual o intuito dessas alterações?

Voltamos ao meu questionamento inicial, estamos diante de um alienígena que não conhece nossa realidade e resolveu regular o PAT, ou o intuito é mesmo acabar com  incentivo fiscal, e aumentar a arrecadação governamental?

A segunda forma de concessão de auxílio alimento previsto no Decreto e na Portaria me mostram que, infelizmente, a segunda hipótese é a mais válida, isso por que, permite-se com base no artigo 457 §2º da CLT, a concessão desses benefícios sem natureza salarial, sem amarras, sem nutricionista, sem preocupação nenhuma a não ser o não pagamento em dinheiro, mas fora do PAT!

Trata-se da inserção de forma de concessão do benefício que permite o pagamento de benefício alimentar sem natureza salarial fora do sistema PAT, sem o benefício fiscal, mas sem que tal verba seja considerada salarial.

É a regra contida no artigo 178 que considera que o benefício alimentar pago pela empresa beneficiária do PAT não tem natureza salarial, seja in natura seja através dos instrumentos de pagamento autorizados pelo PAT, pois permite duas formas de concessão bem claras:[5]

  1. no âmbito do PAT, ou
  2. disponibilizada na forma de instrumentos de pagamento, vedado o seu pagamento em dinheiro:

Essa possibilidade surgiu com a nova redação do artigo 457 da CLT, que estabelece verbas que são consideradas como da natureza salarial e outras que não têm tal natureza:

Art. 457 (…):

  • 2o As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário

É importante que o auxílio seja destinado somente para alimentação, pois o trânsito de saldos em eventual conta de débito poderá gerar a descaracterização do pagamento, trazendo a natureza salarial para a verba.

Lembrando que para que um pagamento seja considerado salário utilidade basta que não configure benefício previsto em lei trabalhista e previdenciária. Assim, todas as verbas e benefícios devem sempre ser analisados com base nos artigos 457[6] e 458 da CLT c/c o artigo 28, especialmente o §9º da lei 8212/91.

O pagamento de verba alimentar em dinheiro ou em valores que podem ser transformados em dinheiro, ainda que por meio indireto trata o risco de sua caracterização como salário utilidade.

Portanto, mesmo fora do PAT a empresa deve ter o cuidado de o benefício não virar dinheiro, o que pode ocorrer se o seu saldo puder ser usado para qualquer outro gasto.

Mas a empresa desistirá, obrigatoriamente, dos incentivos fiscais do PAT.

Então, mesmo que as hipóteses de termos alienígenas entre nós possam ser divertidas, a dura realidade mostra que o intuito do novo sistema PAT é a de afastar as empresas do benefício fiscal.

A alimentação do trabalhador não será mais o foco.

[1] http://consulta.mte.gov.br/Empregador/PAT/Legislacao/Conteudo/PORTARIA_N_03_DE_1_DE_MARCO_DE_2002.pdf
[2] Art. 188. Este Decreto entra em vigor:
I – 18 (dezoito) meses após a data de sua publicação, quanto:
  1. a) ao § 1º do art. 174 ;
  2. b) ao art. 177 ; e
  3. c) ao art. 182 ; e
II – 30 (trinta) dias após a data de sua publicação, quanto aos demais dispositivos
[3] Art. 142. A pessoa jurídica beneficiária, na execução do PAT, deverá:
I – realizar sua inscrição no PAT por meio do portal gov.br para usufruir dos correspondentes
benefícios fiscais;
II – garantir que o benefício possua o mesmo valor para todos os seus trabalhadores;
III – contratar profissional legalmente habilitado em nutrição como responsável técnico pela
execução do PAT, o qual deverá se cadastrar por meio do portal gov.br e atuar mediante Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, quando mantiver serviço de alimentação próprio;
IV – obter de cada trabalhador confirmação de recebimento do instrumento de pagamento,
quando for o caso, sendo admitida a confirmação por qualquer meio ou tecnologia, a qual deverá ser mantida à disposição da inspeção do trabalho e servirá como comprovação da concessão do benefício;
V – orientar devidamente seus trabalhadores sobre a correta utilização dos instrumentos de pagamento;
VI – dispor de programas destinados a monitorar a saúde e a aprimorar a segurança alimentar e nutricional de seus trabalhadores, na forma estabelecida em ato conjunto do Ministério da Saúde e do Ministério do Trabalho e Previdência;
VII – manter os documentos e registros relacionados aos gastos com o PAT, e aos incentivos fiscais dele decorrente, discriminados por estabelecimento, à disposição da inspeção do trabalho, sendo facultada a guarda em meio eletrônico; e
VIII – atualizar os dados constantes de sua inscrição sempre que houver alteração de informações cadastrais.
Parágrafo único. A inscrição a que se refere o inciso I:
I – implica na sujeição voluntária à integralidade das regras do PAT, inclusive àquelas relativas às infrações e respectivas sanções;
II – poderá ser feita a qualquer tempo e terá validade por prazo indeterminado;
III – poderá ser cancelada por iniciativa da pessoa jurídica beneficiária ou pela Subsecretaria de
Inspeção do Trabalho da Secretaria de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, em razão de execução inadequada do PAT.
[4] Art. 186. O Decreto nº 9.580, de 2018, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 645. ………………………………………………………………………………………………..
  • 1º A dedução de que trata o art. 641:
I – será aplicável em relação aos valores despendidos para os trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos e poderá englobar todos os trabalhadores da empresa beneficiária, nas hipóteses de serviço próprio de refeições ou de distribuição de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva; e
II – deverá abranger apenas a parcela do benefício que corresponder ao valor de, no máximo, um salário-mínimo.
[5] Art. 178. A parcela paga in natura pela pessoa jurídica beneficiária, no âmbito do PAT, ou disponibilizada na forma de instrumentos de pagamento, vedado o seu pagamento em dinheiro:
I – não tem natureza salarial;
II – não se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos; e
III – não constitui base de incidência do FGTS.
[6] Art. 457 – Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.                    (Redação dada pela Lei nº 1.999, de 1.10.1953)
  • 1o Integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
  • 2o As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.

Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.