O STF  julgou o famoso tema 1046, que tratava da prevalência dos instrumentos  coletivos sobre a lei. Esse caso é anterior à reforma trabalhista de 2017, e

“O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.046 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Em seguida, por unanimidade, foi fixada a seguinte tese: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”. Ausentes, justificadamente, o Ministro Luiz Fux (Presidente), impedido neste julgamento, e o Ministro Ricardo Lewandowski. Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber, Vice-Presidente. Plenário, 2.6.2022.”[1]

A discussão surgiu de um caso inicial, que é chamado de “Leading case” e, em 2019, o STF reconheceu sua repercussão geral, ou seja, o que fosse decidido ali valeria para todos os casos que tratassem da mesma matéria: instrumento coletivo que modifica preceito de lei tem validade ou não?

O acórdão que sofreu recurso tratava de instrumento coletivo que tratava do não pagamento das horas in itinere , que são as que o empregado dispende em transporte do empregador em local de difícil acesso sem transporte público regular, e que até então eram consideradas como integrantes da jornada do trabalho para todos seus efeitos.  (ARE 1121633)[2]

A conclusão daquela decisão era pela ilegalidade do instrumento coletivo, pois ele teria ferido o disposto em lei, e dizia: “O sistema de proteção e prevalência da autonomia privada coletiva encontra limites nos princípios e normas que compõem o ordenamento jurídico como um todo.”

Não vamos entrar em assuntos jurídicos, o intuito aqui é definir como agir na prática, com esse tema definido da forma como o foi pelo STF.

A questão é: todo instrumento coletivo vai valer mais que a lei?

A resposta é: Não, se desrespeitar os “direitos absolutamente indisponíveis”

E quais são os “direitos absolutamente indisponíveis”?

Resposta: há muita a discussão sobre isso, o conceito, infelizmente, é subjetivo.

Ou seja, a grande questão prática é: Como gerenciar as negociações coletivas com esse “norte”?

Resposta: com muito cuidado e cumprimento de requisitos legais de validade formal dos instrumentos coletivos e do seu objeto, inclusive de demonstrar de maneira clara real transação entre as partes, ou seja, vantagens para todo mundo.

Bem, os requisitos formais são os de todo contrato: partes capazes, forma definida ou não proibida por lei e objeto lícito.

No quesito “partes capazes” é muito importante verificar o correto enquadramento sindical, quem representa o sindicato (alta de eleição da diretoria),  e representante legal da empresa.

 #ficaadica: para verificar se o sindicato está regular e quem são os diretores que podem assinar por ele, pesquise com o CNPJ em: http://www3.mte.gov.br/cnes/ConsultaProcesso.asp (atenção! Use Firefox)

Na formalização de qualquer contrato coletivo, todo cuidado é pouco para definir de maneira clara a vontade dos representados. Lembrem: sindicato não tem vontade, os representados têm, e a forma de verificar é através dos requisitos de convocação de assembleia, documentação da assembleia,  da votação etc.

#ficaadica: olhar a lei  (CLT art. 612 a 614) e os estatutos do sindicato.

Por que esses cuidados  formais são tão necessários? Porque em um julgamento no STF, o Min. Barroso reconheceu que quando a negociação ocorre entre um Sindicato e uma empresa ou entre Sindicatos, não há parte hipossuficiente. Isso foi dito no julgamento de um Recurso Extraordinário no STF, o de número 590.415. Mas para que tudo possa ser verificado como correto, as formalidades devem ser cumpridas de acordo com a lei.

O registro no Mediador é visto como desnecessário pelos Tribunais, mas é o que dá segurança jurídica e cumpre a lei que determina e não “permite” o registro do instrumento. Vantagem se o sindicato estiver irregular logo você descobre, e descobre também se o diretor com quem você negocia assina ou não. Se ele não estiver na diretoria, deve assinar como procurador, com procuração outorgada pelo sindicato.

E o “objeto lícito”?

Bom, aqui moram os “direitos absolutamente indisponíveis”.

E o que são eles? Até que, eventualmente se inicie uma discussão sobre isso (área trabalhista com 100% de segurança jurídica é fake News! 😉), temos como norte principal, as regras constitucionais (art. 7º da CF/88) e o artigo 611-B. Ali estão assuntos que não podem ser “piorados” nem com contrapartida.

Assim, resumindo de maneira bem prática:

  1. Não fuja do seu jurídico trabalhista 😊
  2. Quando você for negociar, primeiro analise com seu jurídico o que se quer negociar e as formas (sempre há) de fazer uma negociação regular e que não traga riscos à empresa.
  3. Pense na contrapartida: ou, trocando em miúdos “que vantagem os empregados levam” . Ela não precisa ser escrita mas deve estar ali, na interpretação do acordo. Sempre que possível, a escreva;
  4. Faça um plano “B”, sempre. Ou C, D … se precisar, para se manter dentro das regras legais, sem esquecer o interesse da empresa;
  5. Verifique o cumprimento de todos os requisitos legais, especialmente na votação: transparência na assembleia é essencial para segurança de que a vontade dos representados foi emitida com liberdade e legalidade; (#ficaadica: veja como aquele assunto tem que ser votado nos estatutos do sindicato, siga a s regras que estiverem ali, se for votação secreta, não vale levantar a mão…)
  6. Depois do acordo, todo todos os cuidados para seu registro regular, de acordo com lei. Apesar dos Tribunais entenderem que o instrumento coletivo é um instrumento “informal” e descartarem o seu registro como obrigatório, ele traz segurança jurídica.

A negociação coletiva é melhor forma de gerenciamento de relações de trabalho, mas traz muitos desafios, e principalmente  manutenção de uma relação sindical permanente, saudável e ética.

Até que outras questões surjam, a negociação pode ser feita com os cuidados acima, sempre evidenciando um acordo e nunca renúncia de direitos, hoje, com o norte dos artigos 7º da CF/88 e 611-B da CLT.

[1] https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=5415427

[2] https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5415427

Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.