A mídia tem dado a notícia de que “portaria do governo Lula revoga autorização do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de acordo entre patrões e empregados do setor de comércio para trabalho aos domingos e feriados.”

É a Portaria 365/23, que tem o seguinte texto:

Altera a Portaria/MTP nº 671, de 8 de novembro de 2021. (Processo nº 19964.203605/2023-95).

O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO, no uso da atribuição que lhe confere o art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição, no art. 10, parágrafo único, da Lei 605, de 5 de janeiro de 1949 e no art. 154, § 4º, do Decreto nº 10.854, de 10 de novembro de 2021, e considerando o disposto no art. 6-A, da Lei 10.101 de 19 de dezembro de 2000, que estabelece que “é permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição”, resolve:

Art. 1º Revogar os subitens 1, 2, 4, 5, 6, 17, 18, 19, 23, 25, 27 e 28, do item II – Comércio, do Anexo IV, da Portaria/MTP nº 671, de 8 de novembro de 2021.

Art. 2º O subitem 14, do item II – Comércio, do Anexo IV, da Portaria/MTP nº 671, de 8 de novembro de 2021, passa a vigorar com a seguinte redação:

“14) feiras-livres;”

Art. 3º Esta Portaria entre em vigor na data de sua publicação.

Bom, eu sei que muita gente da mídia, assim como eu (rs) não estava viva em 1949, mas parte da lista alterada é do ano em questão, do Decreto Nº 27.048, DE 12 DE AGÔSTO DE 1949, que regulamentava a lei 605/46, parte até 2017.

Isso para quem tem empregado, os pequenos estabelecimentos familiares sem empregados estão ok, se algum familiar for empregado, fica em casa. Essa era a original:

II – COMÉRCIO
1) Varejistas de peixe.
2) Varejistas de carnes frescas e caça.
3) Venda de pão e biscoitos.
4) Varejistas de frutas e verduras.
5) Varejistas de aves e ovos.
6) Varejistas de produtos farmacêuticos (farmácias, inclusive manipulação de receituário).
7) Flores e coroas.
8) Barbearias (quando funcionando em recinto fechado ou fazendo parte do complexo do estabelecimento ou atividade, mediante acôrdo expresso com os empregados).
9) Entrepostos de combustíveis, lubrificantes e acessórios para automóveis (postos de gasolina).
10) Locadores de bicicletas e similares.
11) Hotéis e similares (restaurantes, pensões, bares, cafés, confeitarias, leiterias, sorveterias e bombonerias).
12) Hospitais, clínicas, casas de saúde e ambulatórios.
13) Casas de diversões (inclusive estabelecimentos esportivos em que o ingresso seja pago).
14) Limpeza e alimentação de animais em estabelecimentos de avicultura.
15) Feiras-livres e mercados, inclusive os transportes inerentes aos mesmos.
16) Porteiros e cabineiros de edifícios residenciais.
17) Serviços de propaganda dominical.

Para facilitar, fiz um comparativo. Neste link está o que podia em 1949, a lista até 2017, o que foi mudado em 2021, e o que ficou agora. Legenda: Em azul o que existia desde 1949, em verde o inserido até 2017, em vermelho o que foi inserido em 2021, em roxo o tirado pela atual Portaria, o que inclui atividades com autorização desde 1949!

Primeiro de tudo, apesar do que se tem falado em algumas redes sociais,  a Portaria não é inconstitucional, pois a lei 605/46, e decretos posteriores, inclusive o decreto 10.854/21 são regulados em parte pela Portaria.

Tanto que a última regra que autorizava o trabalho aos domingos no comercio em geral era da Portaria 671/21.

As atividades são reguladas por Portarias ou listas em Decretos desde 1949. A CF defere ao Ministro de Estado (de qualquer área) a expedir instruções para execução de leis decretos e regulamentos. (art. 87, par único, II da CF).

Além disso, o Decreto 10.854/21 traz no art. 154, § 4º: “ Ato do Ministro de Estado do Trabalho e Previdência concederá, em caráter permanente, permissão para o trabalho nos dias de repouso às atividades que se enquadrarem nas exigências técnicas de que trata o caput .”

O ato é a Portaria.

Então, não é ilegal, não é inconstitucional, mas sim, não há nenhuma motivação protecionista, tanto que atividades previstas desde 1949, como farmácias e açougues foram retiradas da lista, mas aluguel de bicicleta ficou.

Ou seja, pode andar de bicicleta no parque, mas não se machuque porque não dá para comprar curativo. Passa água e sabão e vá a um show, que também pode funcionar.

Assim, ao trazer a regra da lei 10101/00, sim a lei do PLR, com umas mudanças de participação sindical no PLR veio um artiguinho do domingo, com modificações posteriores, para atividades que já tinham autorização para funcionar desde 1946 ou no máximo 1949, o governo apenas cria uma dificuldade de funcionamento de atividades que nunca fecharam domingo e feriado há mais de 70 anos!

O intuito deveria ser saúde e segurança do trabalhador, mas nesse caso, por que pode com autorização sindical? E empregado de aluguel de bicicleta não merece o mesmo cuidado que empregado de açougue ou farmácia?

Então, esse não é o intuito. O intuito é sindical, já que o Ministro declarou que atendeu a reivindicação de sindicatos.

E procurem seus jurídicos, pois, especialmente  para atividades essenciais, como farmácia, e com autorizações permanentes desde quando a lei surgiu em 1946, talvez se possa estudar outros caminhos.

Mas a regra aí está, de surpresa é verdade, então vamos às dicas ao RH:

  1. A portaria não trata do domingo, mas apenas do feriado: veja que ela é expressa ao indicar como base de modificação o art. 6-A da lei 1001/23, que trata de feriado. O artigo da lei que trata do domingo é o artigo 6º, outro artigo.

Vai sair retificação ou esse era o intuito, logo saberemos.

  1. No dia 15/11/23 quem abriu estava irregular. Então preparem as defesas e falem com seus jurídicos.
  2. Como agir daqui para frente?
  3. Primeiro, veja se a empresa precisa mesmo abrir aos feriados, já que mesmo com autorização permanente o feriado tem tratamento diferente do domingo e exige folga compensatória;
  4. Se precisar, passe um pente fino na CCT que se aplica a você, junto com seu jurídico e verifique desde já eventuais exigências ilegais, antissindicais etc… pois você vai precisar contestá-las, para ter a tal “certificação” que muitas exigem;
  5. Veja se é possível ter uma Acordo coletivo (ACT), e tome todos os cuidados necessários, já indiquei aqui os essenciais quando falei do Tema 935 na coluna do mês de outubro;
  6. Lembre que no ACT haverá contribuição pelos empregados, e eles devem aprovar o trabalho e a contribuição no acordo, que, sugere-se tenha validade ao menos de um ano;

Portanto, lembrem sempre das relações sindicais permanentes, mas éticas e legais.

E com a pergunta inicial,

Feriado – abre ou fecha – Domingo está na área?

A resposta fica:

Domingo abre, salvo alteração da Portaria, feriado abre o fecha se a empresa precisar e tiver acordo sindical, ou certificação com cumprimento das regras convencionais devido.

Maria Lucia Benhame, advogada e sócia do escritório Benhame Sociedade de Advogados, especialista em gestão trabalhista. É uma das colunistas do RH Pra Você. O conteúdo dessa coluna representa a opinião do colunista. Foto: Divulgação.