De acordo com a pesquisa “Por que os trabalhadores ‘sem mesa’ estão saindo – e como reconquistá-los”, do Boston Consulting Group, o mundo pode vivenciar, nos próximos meses, uma onda de pedidos de demissão dos empregados que não têm posto fixo de trabalho (deskless), como profissionais de construção, distribuição, fábricas, assistência médica, varejo e transporte.

A estimativa do levantamento, feito com 7 mil profissionais de sete países, é que 37% peçam desligamento de seus empregos. Uma porcentagem significativa, uma vez que tais profissionais representam, segundo entidades trabalhistas, cerca de 75% a 80% da força global de trabalho.

O BCG revela que enquanto mais de ⅓ dos respondentes já está se planejando para mudar de emprego ou tem tal meta para os próximos meses, porcentagem semelhante ainda não sabe de deseja continuar ou abandonar sua ocupação atual. Além disso, o relatório mostra que trabalhadores da Geração Z e funcionários pagos por hora são os mais propensos a deixarem seus cargos.

“Um exemplo claro do que está acontecendo em muitos países é a situação dos Estados Unidos, onde existem mais vagas de emprego do que pessoas em busca de trabalho. Essa tendência é de piora, a não ser que as lideranças comecem a endereçar as razões pelas quais esses profissionais estão deixando seus cargos”, pontua Manuel Luiz, diretor executivo e sócio do BCG.

Veja mais: Alerta vermelho: queda no engajamento dos funcionários

Por que sair? Por que ficar?

Embora os dados da pesquisa não incluam o Brasil, na visão do consultor de RH Roberto Martins, que presta serviços para empresas do interior de São Paulo,  a tendência é que movimento não chegue ao país por conta da crise econômica, ainda mais porque, de quebra, o cenário político tão polarizado pode aumentar a instabilidade.

Todavia, por mais que tenha havido, nos últimos meses, queda na taxa de desemprego, o especialista destaca que trabalhadores locais “sofrem com fatores como informalidade, precarização do trabalho e direitos trabalhistas e a falta de opções, especialmente fora dos grandes centros, para conquistarem oportunidades melhores”.

“Já desenhei projetos para diversos tipos de empresas. Algumas têm uma legítima preocupação com os colaboradores e criam programas de benefícios, employee experience, engajamento, onboarding e afins que são justos e agregam valor a todos, seja qual for a hierarquia. Outras são mais ‘relaxadas’ com determinados públicos, pois têm a mentalidade de que os profissionais dependem delas mais do que elas dependem de sua força de trabalho”, diz.

eBook Como aumentar o bem-estar dos colaboradores (1)

Martins, que tem experiência de 20 anos no RH, salienta que os profissionais deskless costumam ser os mais “deixados de lado” nas iniciativas organizacionais. Para ele, há uma diferença de tratamento para os trabalhadores em escritórios em relação àqueles fora dele.

“Há alguns estigmas no mercado de trabalho. O profissional atrás de uma mesa é, muitas vezes, tratado como alguém superior. A roupa que ele veste, a formalidade, a utilização de um espaço fixo e próprio de trabalho são pontos que fortalecem tal visão. Diversas organizações desenvolvem ações de iniciativas de atração e retenção de talentos somente para esse grupo, enquanto para quem faz parte do chão de fábrica, do trabalho braçal, o famoso ‘peão’, termo pejorativo, elas se acostumam e aceitam o turnover, veem como um esforço não válido. É um trabalhador impossibilitado de crescer. Tal viés também é nosso, olhamos de forma diferente para quem usa um terno e não um uniforme”, comenta o consultor.

Retomando o estudo, ao serem questionados sobre suas principais razões para decidirem deixar o emprego atual, mais de quatro em cada dez pessoas (41%) identificaram a falta de oportunidades de crescimento na carreira, ponto destacado por Martins. Além disso, 30% citaram o salário como razão para pedir demissão, 28% disseram que querem mais flexibilidade em onde e quando trabalham, 22% falaram sobre melhorar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, e 15% destacaram a falta de prazer em sua posição atual. 

Entre os entrevistados que planejam permanecer no emprego atual por, pelo menos, mais um ano, quase metade (48%) identificou a satisfação com o salário como um dos principais motivos. Outras razões comuns incluíram o prazer de sua função atual (30%), segurança no emprego (27%), facilidade de deslocamento (23%) e progressão na carreira (23%). 

A pesquisa do BCG também identificou cinco pontos “problemáticos” citados pelos profissionais entrevistados: horários de trabalho (principalmente para aqueles que trabalham por turno), pacote de benefícios, falta de oportunidade de crescimento e de treinamento, e falta de reconhecimento por parte da liderança.

Veja mais: Como evitar decisões equivocadas na carreira?

Mantendo o time motivado e retendo talentos

“Nossas análises mostram que trabalhadores satisfeitos com seu emprego têm oito vezes mais chances de se manterem em suas funções por mais de dois anos, em comparação com aqueles que não estão felizes em suas posições. O benefício para empregadores que entendem essas questões é claro, por isso é preciso agir – principalmente para evitar a perda de talentos”, explica Manuel. 

Para evitar uma demissão em massa, o BCG apontou alguns passos para que líderes possam lidar com as questões de seus profissionais e fortalecer seus laços. Além do pagamento, que claramente precisa ser discutido, outros fatores são importantes:

  • Horários flexíveis: Considere o estilo de vida e as necessidades de cada profissional ao projetar e agendar turnos, crie “mercados” de turnos onde e quando for possível, e use a tecnologia para projetar os horários dos trabalhadores de forma criativa.
  • Benefícios expandidos: Avalie a possibilidade de expandir os benefícios para famílias inteiras, oferecendo creches no local ou subsidiadas, assistência de planejamento financeiro e outras vantagens de trabalho e melhoria de vida.
  • Crescimento e qualificação: Investir na qualificação e/ou reciclagem de todos os profissionais, incluindo gerentes de linha de frente, para apoiar o desenvolvimento de suas carreiras, identificando ativamente os caminhos profissionais para cada um.
  • Apoio e compromisso com os trabalhadores sem mesa: Construa uma “cultura de linha de frente em primeiro lugar”, com líderes comprometidos em gastar tempo ouvindo e agindo de acordo com as opiniões de seus funcionários.

“O modelo híbrido de trabalho pode não ser uma opção para os trabalhadores ‘sem mesa’, afinal, poucas vagas possibilitariam tal oportunidade. Mas há uma série de outros mecanismos para que esse colaborador se sinta acolhido, prestigiado, engajado. É uma porta que as organizações devem abrir”, finaliza Roberto Martins.

O estudo completo do BCG, em inglês, pode ser acessado por aqui. Foram ouvidos profissionais dos seguintes países: EUA, Austrália, França, Alemanha, Índia, Japão e Reino Unido.

Por Bruno Piai