Talvez o conceito de “estabilidade” venha logo à mente quando falamos de carreira no setor público. Ao mesmo tempo em que é, de fato, um aspecto importante na profissão, ele não anula – pelo contrário – a necessidade de elaborar e conduzir programas de valorização para os profissionais.

Segundo dados do Atlas do Estado Brasileiro, do IPEA, analisados em 2018, nos últimos 20 anos o total de servidores públicos aumentou 83%. O funcionalismo público municipal, por exemplo, representa hoje 57% do total de servidores do País.

De acordo com o Centro de Liderança Pública (CLP), uma organização suprapartidária que busca engajar a sociedade e desenvolver líderes públicos para enfrentar os problemas mais urgentes do Brasil, os desafios dos gestores no setor público envolvem três nuances: planejamento e execução das políticas públicas; gestão de pessoas; e lidar com o fator poder no setor público.

Na escuta pública feita pelo CLP, alguns dos temas mais recorrentes foram: baixo engajamento e motivação; falta de programas de capacitação e desenvolvimento; pouco alinhamento e valorização da experiência do servidor(a).

Para falar sobre alguns desses aspectos e como avançar em cada um deles, conversamos com Tadeu Barros, diretor de Operações do CLP. Acompanhe a conversa. 

RH Pra Você: Quais as principais diferenças do plano de carreira do setor público para o setor privado?

Tadeu Barros: Para falar de diferenças entre carreiras do setor público e do setor privado é preciso dar um passo para trás e entender as dinâmicas e a maturidade das duas atividades. O setor público tem um propósito bem diferenciado de transformação social e de entrega de serviços públicos à população. Suas decisões devem ser embasadas e tomadas sempre de acordo com a legislação, tendo um regramento muito mais engessado, sobretudo quando falamos de ferramentas como o orçamento público. E isso acaba criando diferenças entre as carreiras. A mais evidente é a questão da estabilidade do setor público, de concursados. Uma vez que ele entra nesta carreira, acaba tendo uma estabilidade criada muitas vezes com foco na continuidade e no menor impacto possível em relação às mudanças em cargos eletivos. 

Progressão funcional é um termo que está diretamente ligado ao plano de carreira no setor público. Como ela funciona?

Quando falamos em progressão não tem uma regra básica para todas as carreiras. Temos uma verdadeira “torre de babel” de carreiras em federal, estadual e municipal. A reforma Administrativa [A PEC 32/20, do Poder Executivo, altera dispositivos sobre servidores e empregados públicos e modifica a organização da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios] vem para organizar minimamente esse problema. Em muitas carreiras existem progressões automáticas, em outras gatilhos diferenciados, mas, na grande maioria, sentimos falta de mecanismos mais efetivos que demonstrem e comprovem meritocracia e uma progressão que seja atrelada ao desempenho real. Temos avaliações de desempenho hoje, mas sabemos que não funcionam plenamente. A reforma Administrativa chega para valorizar o bom servidor público e mostrar realmente quem tem protagonismo e méritos para conseguir progredir e avançar na carreira.

Tadeu Barros, diretor de Operações do CLP

Tadeu Barros, CLP

Quando falamos das lideranças no setor público, em diferentes áreas, há como apontarmos algumas das competências mais buscadas hoje?

Temos vários estudos, inclusive alguns que viraram ‘best sellers’, como “O jeito Harvard de ser feliz”, da Universidade de Harvard, que demonstram o quando o líder deve cada vez mais lapidar e ter soft skills como o cerne para o atingimento de resultados. A capacidade de se relacionar, a empatia, a descentralização do poder para engajamento do time, a capacidade de construir coletivamente projetos e de trazer visão sistêmica e diversa para as decisões são valores e características que ficam cada vez mais necessárias para os servidores públicos, sobretudo neste momento de pandemia causada pela Covid-19.

Há a necessidade do redesenho das políticas de motivação de pessoas no setor público?

Acredito que mais do que redesenho de política motivacional, ela está muito atrelada à capacidade do líder de engajar seu time. Um exemplo é fatiar e entregas para o curto prazo. Essas pequenas vitórias fortalecem o time. No Vale do Silício se fala muito em “Power to the Edge” (poder para as pontas). Isso faz com que o time se engaje que todo o processo de atingimento de resultados faz parte de uma construção coletiva.

Qual a principal forma hoje de medir o desempenho dos profissionais e esse processo está integrado a desenvolvimento e recompensa?

O melhor desenho de avaliação de desempenho é ter metas e produtos claros distribuídos ao longo do horizonte temporal. É objetivar ao máximo possível a entrega do servidor e observar se isso vai ou não de encontro às metas e prioridades. Incentivos são importantes, como capacitação e reconhecimento, sobretudo aos funcionários que contribuíram para o propósito de transformação social do setor público. 

Há ainda a ideia (respaldada por pesquisas), por parte de boa parcela da população, da falta de confiança dos brasileiros no setor público. Como essa visão impacta o engajamento dos profissionais do setor público? E como a gestão de pessoas pode e deve atuar diante disso?

Acabam que essas pesquisas têm um enviesamento grande por decisões políticas. Mas o papel do gestor público é encarar os problemas complexos e trazer soluções, além de contribuir para trazer serviços públicos mais eficientes, transparentes e amigáveis para a população. No fim do dia, o gestor público está trabalhando para atender e resolver as prioridades do cidadão. Para isso, ele precisa estar munido de ferramentas que tornem a gestão pública mais profissional. O CLP, por exemplo, oferece anualmente um diagnóstico completo dos desafios mais complexos de estados e municípios, a partir do Ranking de Competitividade, com o objetivo de auxiliar os servidores a implementarem políticas públicas baseadas em dados e evidências.

Por Gabriela Ferigato

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